Por
ONOFRE VARELA
O santuário de Fátima é uma empresa que conta com 308 trabalhadores assalariados. Cada um deles recebeu, recentemente, uma carta da entidade patronal (a Associação Empresarial Ourém-Fátima) no sentido de “reflectirem sobre a sua situação laboral”, o que é um modo de dizer: “vamos despedir parte de vós. Proponham um modo de se desvincularem da empresa, a partir do qual negociaremos o vosso despedimento”.
A causa do despedimento de, em princípio, cerca de 50 funcionários, está ligada à quebra de receitas da actividade comercial daquela empresa que vende fé, milagres, orações e esperança. Tem havido poucos compradores. A clientela fugiu do recinto/loja como o diabo da cruz, por via do medo ao vírus assassino que não quer saber se por ali há milagres ou a diabices.
Este tempo de pandemia que deveria ser, penso eu, a melhor forma que a senhora de Fátima teria de dizer que ali é que se está bem… ela, a senhora, distraiu-se e não fez o milagre de exterminar o vírus, evitando contágios no seu recinto sagrado! A não fazê-lo… para que serve ela, se nem consegue reabastecer os seus cofres em tempo de peregrinação?!…
No Brasil, os acarneirados na seita IURD, garantem que nas suas reuniões a abarrotar de gente sem máscara, não há Covid que penetre!… São bem mais estúpidos do que quaisquer outros crentes, incluindo os crentes no Bolsonaro, mais os crentes americanos que procedem do mesmo modo nos comícios de Trump. O resultado vê-se: Brasil e EUA são os dois países com mais mortes por Covid. Se a senhora de Fátima livrasse os peregrinos do vírus, a sua credibilidade seria exponencialmente ampliada e, em vez de despedimentos, a empresa Fátima SARL admitiria mais funcionários. Mas parece que não!… Parece que não há tanta gente a acreditar em milagres como antigamente. Já não os encomendam como encomendavam, e a produção tem baixado consideravelmente.
Quando a fé está em crise, isso quer dizer o quê? Que os crentes o são cada vez menos? Que o governo resolve os problemas dos cidadãos retirando-lhes a necessidade de recorrerem à fé como sedativo para viverem? (Isso é que era bom!…). Ou é apenas um fenómeno de menor procura pelos turistas que alimentavam o turismo religioso, por via do medo ao Codivirus? Acredito mais nesta última hipótese. Passado o medo ao vírus, o recinto de Fátima encher-se-à como antigamente, como, aliás, já aconteceu recentemente, obrigando o santuário a impedir mais entradas no campo da fé. O que esta crise mostra, claramente, é o facto de a Igreja não ser mais do que uma empresa capitalista com os mesmos problemas económicos de qualquer empreendimento empresarial. Está sujeita aos lucros da venda de fé, que é o material que tem para vender… e se os compradores não aparecem, o negócio fica arruinado e os trabalhadores são despedidos. Esta realidade deveria servir para os crentes mais empedernidos tomarem consciência do logro que Fátima é.
A “pureza religiosa” não existe quando o interesse é o negócio. Desde 2005 que o santuário não torna as suas contas públicas. Mas sabe-se que em 2002 teve um saldo positivo de 7,1 milhões de euros, valor que correspondia a um aumento de 47% relativamente ao ano de 2000. O dinheiro que os pobres peregrinos metem nos cofres da Igreja é um segredo bem guardado… será o quarto segredo de Fátima! Esta notícia, para uma população esclarecida, seria suficiente para elucidar os peregrinos. Mas não é!…
Se os peregrinos fossem elucidados… não seriam peregrinos (pelo menos não o seriam com o mesmo espírito dos de Fátima-empresarial-e-milagreira).
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV
Há 42 anos foi chamado à divina presença, no jargão do bairro do Vaticano, Albino Luciani, conhecido pelo pseudónimo de João Paulo I, após 33 dias de pontificado.
Não se sabe se foi vontade do seu Deus ou dos homens que o rodeavam.
Portugal, tal como Espanha, não teve os benefícios da Reforma, e sofreu a violência da Contrarreforma.
Aos países ibéricos não chegou a Reforma, causa do atraso a que foram remetidos, mas veio a Inquisição, instrumento cruel da Contrarreforma. A piedade dos Reis Católicos, de Espanha, Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, que nunca tomaram banho ou faltaram a obrigações pias, e a do sr. Dom João III, com o cognome ‘Piedoso’, levou-os a exigirem o santo tribunal. O padecimento de quem não seguisse a religião verdadeira, ou de quem pecasse contra ela, assegurava-lhes o Paraíso. Os Reis Católicos, ainda não canonizados, já tinham imposto a D. Manuel I, para o acordo de casamento com a sua augusta filha, entre outras cláusulas, a criação da Inquisição.
A mercê papal estorricou bruxas, hereges, judeus, adivinhadores, feiticeiros e bígamos, com santos frades dominicanos dedicados à incineração dos vivos e à criatividade para lhes prolongar o sofrimento, para maior glória de Deus, recreio dos créus e purificação das almas dos réprobos supliciados.
O Tribunal do Santo Ofício contou com o entusiasmo de dominicanos, jesuítas e outros clérigos de mau porte, piores instintos e amplos poderes, de Ordens diferentes, durante os 285 anos que duraram as perseguições aos hereges (1536-1821). Foi o liberalismo, de que decorre o segundo centenário, esse mal que Pio IX excomungou, a pôr-lhe termo.
Foi a maçonaria, igualmente excomungada, que fez a Revolução de 1820, a responsável do Vintismo, que só os meios académicos progressistas parecem comemorar, que trouxe o liberalismo e aboliu o opróbrio de quase três séculos.
Há, talvez, na longa sequência do ADN um gene da crueldade que molda o cromossoma humano, e ninguém faz o mal com tanto entusiasmo e tamanha alegria como quem tem uma fé à prova da clemência e uma devoção que exonera a compaixão, como mostraram amplamente os santos inquisidores.
O primeiro auto de fé, em Portugal, teve lugar em Lisboa, no Ano da Graça de 1540, no dia 20 de setembro, perante o entusiasmo da Corte e do bom povo temente a Deus.
Foi há 480 anos, como a imagem documenta.
O ateísmo, ao contrário das religiões, não cria pessoas boas ou más enquanto as últimas moldam o seu carácter e as levam a praticar atos da mais sublime bondade ou da mais degradante abjeção.
O Estado Islâmico assassina e tortura segundo a vontade de um ser imaginário, tal como outrora o fez o cristianismo nas Cruzadas, Evangelização e Inquisição e, ainda hoje, o faz o sionismo judaico.
Há crentes e ateus entre os maiores criminosos da História recente. Dos primeiros, sem necessidade de recorrer ao fascismo islâmico, destacam-se Mussolini, Franco,
Pinochet, Videla, Somoza e o padre Tiso, sendo Hitler designado por crente ou ateu, conforme as conveniências. Nos ateus sobressaem Estaline, Enver Hoxha, Ceauşescu, Mao, Pol Pot e Kim Il-sung. Estão bem uns para os outros.
O ateísmo dos democratas tem na Declaração Universal dos Direitos Humanos o padrão para definir a bondade do ateísmo e da crença de cada um. São correligionários os que a respeitam e adversários os que a renegam ou não a subscrevem. O mundo não se divide entre crentes e ateus mas entre os que partilham os valores civilizacionais herdados do Renascimento, do Iluminismo e da Revolução Francesa e os que se lhes opõem.
Há ateus nazis, xenófobos, racistas e misóginos à semelhança do pior que nos legaram os monoteísmos. Não deixa de ser ateia essa gente desumana tal como não deixaram de ser cristãos os nazis e os fascistas e os que se lhe opuseram na Resistência.
Há boas razões para se combaterem as religiões, sem as confundir com os crentes, a sua falsidade e a sua nocividade, mas usar nesse combate as armas dos combatentes do Estado Islâmico, por exemplo, é repudiar a civilização de que nos reclamamos.
O início deste mês ficou marcado pela notícia de um manifesto intitulado “Em defesa das liberdades de educação”, subscrito por cerca de 100 personalidades do mundo político, económico e religioso, que apelava, após um conjunto de considerandos jurídicos, a que a disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento respeitasse “o direito dos progenitores a escolherem o género de educação a dar aos filhos”, assim como “o direito de objeção de consciência quanto à frequência da referida disciplina”. Por outras palavras, pedia-se que a disciplina passasse de carácter obrigatório a facultativo, por motivos de objeção de consciência.
Na origem deste manifesto está o facto de um casal de Vila Nova de Famalicão – Artur Mesquita Guimarães e a sua mulher – ter recusado que dois dos seus filhos participassem na referida disciplina obrigatória, por considerarem que o programa era ideológico e doutrinário.
Acontece que ao olhar para o programa da referida disciplina não vemos nenhum tema que seja polémico. Entre alguns dos temas possíveis de abordar, a título ilustrativo, encontra-se a igualdade de género, a sexualidade, o ambiente, a segurança rodoviária, a literacia financeira ou os Direitos Humanos. Será o problema a igualdade de género, em que se abordam os direitos iguais entre homens e mulheres? Ou será a sexualidade, que já é abordada na disciplina de ciências naturais, a propósito do sistema reprodutor?
Os considerandos jurídicos apresentados no início do Manifesto funcionam apenas como argumento de aparente autoridade legal, pois são inconsequentes, uma vez que o que os artigos mencionados referem, e bem, é o direito da família a educar os descendentes, acontece que esse direito não está aqui em causa, nem a ser alvo de ataque. A família continua a poder educar os filhos em casa ou a procurar um estabelecimento de ensino privado de acordo com a sua orientação filosófica ou religiosa, o que não podem é escolher que partes do currículo escolar são lecionadas.
Mesmo que os pais não gostem dos temas, não há qualquer tentativa de doutrinação, uma vez que o que a disciplina propõe é que os alunos reflitam sobre o conteúdo e apresentem os seus próprios argumentos. O objetivo será preparar o aluno para a vida em sociedade levando-os a refletir sobre conceitos como igualdade, tolerância, respeito pela diferença e fornecer ferramentas para que os alunos compreendam o mundo do trabalho assim como as instituições e a participação na vida democrática, de modo a que possam ser cidadãos em pleno e terem um papel ativo e racional enquanto adultos.
Parece que por detrás desta movimentação está uma questão ideológica e doutrinária de Artur Mesquita Guimarães e da sua mulher – aquilo que acusam a escola e o Ministério da Educação de promover. Artur Mesquita Guimarães, em entrevistas anteriores, assume-se como conservador e é membro da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas. Estas lutas ideológicas de Artur não são de agora, uma vez que no passado já se mobilizara contra o ensino de educação sexual nas escolas, foi contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e contra a despenalização da morte assistida. O advogado que o apoiou juridicamente é o João Pacheco Amorim do Partido Pela Vida (PPV), partido que se pretende aliar ao Chega. Assim se compreende que o que está em causa é mais uma movimentação política do que um real interesse pela educação das crianças. Aliás, ao contrário do que fora veiculado, o Ministério da Educação está empenhado em resolver a situação sem prejuízo nem penalização para os alunos, como já explicou João Costa, Secretário de Estado Adjunto e da Educação.
Vivemos tempos conturbados de intolerância e de desrespeito para com os outros, de atropelos aos direitos humanos, de inação relativamente aos problemas ambientais e de sucessivas crises económicas e financeiras que aumentam as desigualdades sociais. Neste quadro, a disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento, que visa a preparação dos jovens para uma intervenção informada na sociedade, através da reflexão, debate e exposição de ideias, revela-se da maior importância para a construção de uma realidade mais igualitária, justa, tolerante, ecológica, participativa e humanista. Assim, esta disciplina deve continuar obrigatória e a ser defendida por todos nós.
O PR tem obrigação de, à semelhança do que fez com a Festa do Avante, manifestar as suas preocupações e pronunciar-se.
O sítio da Presidência da República é omisso quanto às legítimas preocupações e, certamente, repúdio, pela falta de bom senso e risco para a saúde pública.
121Fernando Martinho, Anisabel Damásio e 119 outras pessoas23 comentários29 partilhas
A Europa, sob pena de renegar os valores, cultura e civilização que a definem, não pode deixar de socorrer e tentar integrar as multidões que fogem de países falhados, Estados terroristas e regiões que o tribalismo e a demência dominam.
A Europa, tantas vezes responsável por agressões devastadoras, cujas consequências ora a confrontam, não pode renunciar ao dever de solidariedade para com os acossados, não por expiação de culpas mas por imperativo ético.
Nunca a metáfora da bicicleta, caindo quando para, foi tão certeira como aplicada à UE, que não soube ou não quis federar as nações que a compõem com o aprofundamento da política comum, nas suas vertentes económica, social, fiscal, militar e diplomática, para quem, como eu, acredita num projeto europeu.
Mal dos europeus se o medo os paralisa e preferem abandonar os náufragos a assumir o risco de salvar um terrorista, mas, pior ainda, se descuram o perigo que a exigência ética comporta, se não souberem distinguir os crentes, que precisam de ajuda, das religiões que exigem combate.
A Europa civilizada morre se renunciar à solidariedade que deve e suicida-se se não se defender da perversão totalitária de culturas exógenas que vivem hoje o medievalismo cristão e o pendor teocrático do seu próprio passado que o Iluminismo erradicou.
A civilização europeia será laica ou perece. Não pode ceder a poderes antidemocráticos, permitir a confiscação de espaços públicos por quaisquer religiões que incitem ao crime, em nome de Deus ou do Diabo.O Islão, na sua deriva sectária, é puro fascismo a exigir contenção. Enquanto não aceitar a igualdade de género, o livre-pensamento e as liberdades individuais não pode ser tratado como as religiões cujo clero se submeteu ao respeito pelas regras democráticas e à aceitação do Estado laico.
A laicidade, paradigma da cultura europeia, é a vacina que salva o pluralismo religioso, preserva a sua civilização e evita a xenofobia que alimenta a direita antidemocrática que pulula nas águas turvas do medo e da demagogia.Não se exige mais a quem chega do que a quem já estava, a submissão às leis do Estado laico e democrático.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.