11 de Março, 2004 André Esteves
A dança da evolução…
É cool ser primata!
Eu também o sou…
E tu?
Porque é que não sais do armário?
Afinal, quer queiramos, quer não…
Todos os dias fazemos a dança da evolução…
É cool ser primata!
Eu também o sou…
E tu?
Porque é que não sais do armário?
Afinal, quer queiramos, quer não…
Todos os dias fazemos a dança da evolução…
Hoje é dia de luto. Duas centenas de pessoas morreram e muitas mais ficaram feridas. Hoje é um dia sangrento.
Independentemente da validade das ideologias que defende a ETA ou qualquer outro grupo, morte é sempre morte. Não há desculpa, não há perdão possível para os responsáveis.
Este atentado põe em causa a Democracia e a Liberdade e os culpados devem ser trazidos perante a Justiça. Mas, em nome dos mesmos valores que hoje foram barbaramente atacados, não nos podemos esquecer, não nos devemos esquecer que há direitos a respeitar e que não podemos, a todo o custo, os autores de tais explosões. Os fins não justificam os meios, não nos tornemos no próprio monstro que pretendemos combater.
A brutalidade do massacre hoje ocorrido remete-nos aos piores pesadelos com que a humanidade se defronta. A orgia de horror, na estação de Atocha, onde pereceram ou ficaram feridos centenas de estudantes e trabalhadores, só pode ser obra de fanáticos que encontram na barbárie a satisfação da demência.
É precisa demasiada fé para tamanha crueldade.
Quer sejam os suspeitos do costume, a ETA, o bando islâmico Alqaeda ou quaisquer outros, os autores do covarde atentado, não pode ser frouxa a condenação nem débil a resposta – estão em causa a democracia e a liberdade, que não podem ficar reféns do medo e da violência.
Dito isto, espero que espanhóis se não deixem influenciar pelo ruído de fundo com que os facínoras quiseram interferir nas próximas eleições.
A intenção do pio edil de Coimbra, Dr. Carlos Encarnação, de crismar a ponte Europa com o nome de Rainha Santa Isabel (Diário As Beiras, 09/03/04) não pode deixar de estupefazer. O Mondego, o rio Mondego, não é um charco de água benta.
A Europa está condenada ao rapto. Zeus, transformado em touro, levou-a para Creta e fez-lhe três filhos, mas amava-a. Minos, Sarpédon e Radamanto nasceram desse amor. Carlos Encarnação detesta-a e afadiga-se a apagar-lhe o nome.
Assim, em vez de Europa, filha de Argenor, rei da Fenícia e irmã de Cadmo, teremos a filha de D. Pedro III, rei de Aragão, esposa de D. Dinis, a dar nome à ponte.
Talvez a Rainha, que esperou mais de três séculos para ser promovida a santa, repita agora o milagre que obrou com os operários do convento de Santa Clara. Com o desemprego que grassa na região, são precisas muitas moedas de ouro para levar algum conforto aos desempregados que todos os dias crescem em Coimbra.
Mas, convenhamos, a ideia de crismar a ponte Europa com o nome de «Rainha Santa Isabel» é um insulto à cidade que aspira à modernidade e um tributo ao beatério que exulta na paróquia.
A ideia, digna de um mordomo das festas da Rainha, não dignifica o edil a quem falta um projecto para a cidade substituído por um nome para a ponte.
Sabemos que a devoção autóctone é exacerbada como o prova a estátua que se apossou do Largo dos Arcos do Jardim mas o exagero tem limites.
A quem mora numa Praceta com nome de santo, na freguesia de Santo António dos Olivais e já dispõe da ponte de Santa Clara para atravessar o Mondego, perante a onda de santidade que nos ameaça, apetece emigrar antes que a água do Mondego se torne benta e a cidade universitária se converta em paróquia rural.
Tenho de proclamar a minha incredulidade. Para mim não há nada de mais elevado que a ideia da inexistência de Deus. O Homem inventou Deus para poder viver sem se matar.
Fiodor Dostoievsky, in “O Idiota”
Aqui está um texto cuja autoria é de Ricardo Alves.
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O que mais me impressionou no recente incidente com os folhetos distribuídos nas escolas pela associação católica “SOS Vida” foi o desprezo pelos sentimentos das crianças e pela própria verdade factual, e penso que devemos reflectir sobre como é possível defender, como o faz o padre Jerónimo Gomes, que “(…) estas imagens não são chocantes. Tudo se pode dizer às crianças desde que seja científico e de maneira simples” (Público, 6/3/2004).
Qualquer pessoa minimamente sensata considera o panfleto primário, terrorista e objectivamente nocivo para a tranquilidade de qualquer criança, católica ou não. Isto será felizmente consensual na nossa sociedade, mas existe uma associação formada com o apoio do bispo do Algarve que distribui o folheto considerando-o normal. Como é possível existir uma contradição tão grande entre as referências éticas destes católicos e a da maioria da sociedade?
O padre Jerónimo Gomes ajudou-nos a compreender quando declarou, perante as câmaras de televisão, que “não precisa de ver para acreditar”. Referia-se à imagem (comprovadamente falsa) do “taiuanês comendo um feto comprado a 50 euros no hospital local”. Mas a sua frase ecoa o mito do Tomé cristão, o tal a quem o JC da mitologia cristã teria dito que não se deveriam exigir provas tangíveis para crer. Jerónimo Gomes situa-se portanto num sistema de análise da realidade em que a verdade factual é relativizável pela fé, e que permite toda e qualquer operação de redefinição da realidade de acordo com a fé, os dogmas da hierarquia, ou as necessidades evangélico-políticas do dia-a-dia. Este princípio aplica-se igualmente a todas as noções éticas habitualmente aceites. Mentir ou aterrorizar crianças é normalmente considerado errado, mas não o é necessariamente para quem acredita ter “Deus” e os seus representantes terrenos do seu lado. Para os católicos fanáticos (o que felizmente não inclui, longe disso, todos os católicos portugueses nossos contemporâneos) mentir ou causar pesadelos a crianças é éticamente aceitável, desde que feito em nome de “Deus” e com a bênção da sua hierarquia terrena.
Na mente dos fanáticos, se “Deus” existe tudo (lhes) é permitido.
Ricardo Alves, 9/3/2004
Recentemente um bando de bispos portugueses, reunidos sob os auspícios da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), lançou um ultimato à Assembleia da República para que definisse «um conceito de vida em termos jurídicos». Desta vez as vozes dos bispos não passaram do céu.
É verdade que o aborto é uma das poucas bandeiras que resta a estes veneráveis anciões a quem a idade e o múnus tornaram castos e atenuaram o cio sem lhes domar o ressentimento para com a sociedade que progressivamente os ignora.
Os bispos gostariam de renovar o Código de 1886 mas isso já nem os deputados mais beatos e boçais da actual maioria estão dispostos a patrocinar. Nem os trogloditas que ainda em 1984 queriam obrigar as mulheres violadas a conceber e as que tivessem fetos mal formados a completar a gravidez, nem esses se atrevem já a contestar a lei que está em vigor, contra a qual votaram então.
Hoje só o Prof. João César das Neves, na aflição de salvar a alma, se presta ao ridículo de ser o porta-voz das aspirações de João Paulo II.
Esta gente sonha ainda com o miguelismo trauliteiro do séc. XIX, que tinha como húmus a ruralidade e defendia a cartilha de Pio IX, papa que JP2 se apressou a beatificar.
Tal como o adultério – igualmente um mal –, que já não leva ninguém a tribunal ou à cadeia, também o aborto vai deixar de ser crime. A sua legalização (daqui a dois anos) não o torna virtuoso, mas resolve um grave problema de saúde pública.
Se os castos machos da CEP, que dirigem a ICAR em Portugal, representam a vontade de Deus, é razão para dizer que Deus chega sempre atrasado.
A brutalidade da violência contra mulheres, perpetrada por tribunais islâmicos, de que a condenação à morte por lapidação, em caso de adultério, é apenas a ponta do icebergue da crueldade atávica, aparece com medonha regularidade referida na comunicação social.
Entre a indignação e a revolta vêm-me à memória, vá-se lá saber porquê, dois transplantes de órgãos ocorridos nos Hospitais da Universidade de Coimbra, ambos no ano de 2001.
1 – Num qualquer dia de Abril os médicos removeram uma fracção de fígado de uma mulher saudável. Não foi divulgado o nome nem a idade. Foi apenas uma mulher com muito amor, autora de um gesto nobre, paradigma encantador a dar conteúdo à palavra Mãe. Sem hesitações. Sem medo. Determinada. Serena. Abnegada.
Muito perto, noutra cama, esperava o pedaço de fígado da dádiva uma criança para quem a porção de víscera era condição de sobrevivência.
No sofrimento foi possível a generosidade da mãe, na angústia a esperança da filha, na agonia a vida de uma criança.
É uma história de amor verdadeiramente visceral. É um grito de esperança a ressoar numa vida que não desistiu. É um hino de solidariedade escrito por uma mãe que repetiu o parto e renovou a vida, poema de sangue escrito a bisturi com versos feitos de carne cosida com linha.
O tempo não será mais a medida destas vidas. Cada minuto foi uma centelha de eternidade. É preciso que os deuses tenham ensandecido para não recompensarem o gesto.
E nós, embevecidos com o milagre da cirurgia, nem nos damos conta do milagre maior que é o amor, sentimento que julgávamos já perdido algures entre a livre circulação de mercadorias e a acumulação contínua do capital.
Ficámos a saber que na bolsa de valores da consciência humana ainda há acções que valem a pena, porque são imunes aos humores e rumores do mercado, porque resistem à cotação do dólar e ao preço dos combustíveis fósseis, porque não dependem de ciclos económicos nem de jogos de poder.
Foi há mais de dois anos. Que será feito das vidas de mãe e filha esquecidas no turbilhão de escândalos e intermináveis guerras? Exceptuando o arquivo da unidade de transplantes não é fácil que alguém as recorde. A memória regista mais facilmente o que há de pusilânime e fere a inteligência. E a maternidade é um ofício ancestral que se faz de graça e com naturalidade.
2 – Em Outubro outra mulher saudável e ainda jovem doou um rim. Um acto simples, apenas o risco assumido da própria vida na coragem de um gesto decidido. À espera, noutra cama, estava o filho.
Dentro de cada mãe há sempre uma mulher que emerge do estigma das milenárias burkas, qual águia presa ao chão sem poder voar, e que, libertando-se com um simples bater de asas, parte as grilhetas do medo e estilhaça a tradição.
Podem cobrir a cabeça de uma mulher com medo de que o pensamento a liberte, ocultar-lhe o corpo para lhe embotarem os sentidos, mas é a alma que alguns homens lhe querem aprisionada com receio de que desperte para o sortilégio da vida.
Quem é capaz de decidir do seu próprio sacrifício é porque encontrou o amor. Quem sabe do que é capaz o corpo, descobriu antes o que podia o espírito. Uma mãe que dá um rim ao filho doente é uma mulher corajosa.
Se a mulher foi criada a partir da costela de um homem ficou-lhe com a melhor. Quem lhe exige a submissão teme-lhe a inteligência ou duvida de si próprio. E nunca saberá amar.
Em Portugal, há apenas três décadas, a mulher precisava de autorização do marido para transpor a fronteira, a magistratura e a carreira diplomática eram-lhe inacessíveis, os direitos mais elementares eram-lhe recusados. Em nome da tradição e da moral.
Depois, foi uma longa e exaltante caminhada no país de Abril. De mãos dadas com os homens, seus irmãos. A caminho da libertação, homens e mulheres.
Hoje, um pouco por todo o mundo, subsistem sinistros guardiões de uma moral obsoleta, beatos implacáveis que sujeitam as mulheres à mais cruel e infamante das submissões. Quem lhes adivinha o rancor que os devora? Quem continuará a permitir-lhes a crueldade de que a mulher é a vítima predilecta? Só a sofreguidão mística do paraíso pode conduzir à louca ambição de erradicar os infiéis, todos os infiéis, num proselitismo demente que atinge o êxtase na embriaguez da morte.
Em tais sociedades nenhuma mulher doará um rim. Não pode decidir como vestir-se e não lhe é permitido despir-se. Nem para doar um rim. Nem para amar. Nesses lugares a mulher não tem rins. Nem filhos. Simplesmente não existe, acorrentada pela violência da tradição e anulada pela atrocidade dos preconceitos.
Mas se à mulher é negado o direito à vida o homem fica condenado à morte.
É por isso que precisamos de libertar-nos das burkas em que pretendem enclausurar-nos, da genuflexão a que querem submeter-nos, do livro único que querem impor-nos, dos lugares santos para que querem virar-nos. É a liberdade que é preciso conquistar e preservar. Para todos, homens e mulheres. Em todo o tempo. Em qualquer lugar.
Carlos M. tinha sido um imigrante na Venezuela. Formou família no além-mar e encontrou uma nova fé.
Voltou para Portugal porque o seu sonho de oportunidade se tinha demonstrado difícil de realizar.
Um acidente de viação deixou-o em coma durante meses. A sua família que dele dependia,
passou por dificuldades. Voltaram para Portugal, à procura de segurança e refúgio.
Fixaram-se numa zona próxima de Aveiro, terra de origem dos pais de Carlos e com as parcas poupanças
que tinham, construíram uma casa. Encontraram uma congregação onde manter a sua fé, a Igreja dos Irmãos,
protestantes sem denominação e começaram a reconstruir a sua vida.
Carlos M. tinha encontrado conforto e sentido de vida na “palavra de deus” e sentia que devia seguir o
mandamento de cristo “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura.” – Marcos 16:15
e testemunhar a sua fé. Assim começou a dar testemunho aos seus vizinhos e a todos os estranhos que ajudava.
Chamou más atenções… O padre da paróquia falou num sermão: “desses protestantes, filhos do diabo…”.
Carros começaram a passar a alta velocidade pela sua casa, apitando a altas horas da noite. Pedras eram atiradas
contra as janelas da sua casa. Uma das suas filhas, a caminho de casa da escola foi acercada por estranhos de carro.
Refugiou-se numa mercearia.
Um dia, os seus dois cães, que tinham encontrado abandonados, doentes e morrendo de fome na rua, foram mortos. Empalados vivos com paus, do recto á boca. Espetados no jardim da sua casa.
Um aviso…
Hoje, Carlos M. e a sua família vivem no medo. As janelas da sua casa estão permanentemente fechadas.
Carlos acompanha as suas filhas e a sua mulher ao emprego e à escola de carro.
Continua a dar testemunho, mas não no lugar onde vive. Viaja os fins de semana visitando e dando testemunho
nas igrejas dos irmãos de outras terras. Na sua terra, os olhos e ouvidos estão fechados com medo do que possam ouvir.
Desabafou com um jovem anarquista ateu e ex-protestante, depois de discutir a fé e de dar o seu testemunho.
Dos políticos de Lisboa não espera nada. Da direita corrupta e servidora lhe dirão que “não deve confundir uma árvore com a floresta”, na esquerda tecnocrata ou pseudo-revolucionária não confia. Os pastores, anciões e elites das igrejas irmãs abanam a cabeça, mas calam-se.
O estado das coisas deve continuar, na sua católica tolerância.
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A história que leram foi baseada em várias experiências reais. Os lugares, bem como o nome das pessoas envolvidas foram alterados para protegê-las.
Hoje comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Podem surgir dúvidas acerca da razão de ser deste dia: pretende-se que as mulheres atinjam a dignidade inerente à condição de ser humano, mas não será que as estaremos a discriminar atribuindo-lhes um dia especial? Não me parece. Apesar da evolução, a condição feminina continua longe de ser igual à dos homens. É conhecida a situação a que as mulheres estão sujeitas nalgumas partes do mundo árabe: submetidas à vontade dos maridos, pais e irmãos, são obrigadas a seguir um código de vestuário rígido; não têm acesso à educação ou ao emprego; e a Justiça considera-as como partes inferiores, com menos direitos do que a parte masculina.
Na Índia, crianças de tenra idade sujeitam-se a casamentos arranjados pelos pais. Na China, raparigas são vendidas porque são consideradas inferiores.
Em África, grande parte da população feminina encontra-se infectada pelo vírus da SIDA e muitas mulheres são vendidas como escravas.
Mas o problema não se resume a países em vias de desenvolvimento. No nosso mundo ocidental, na nossa civilização de que nos orgulhamos, as mulheres ainda se deparam com a discriminação. No acesso ao emprego, muitas empresas preferem contratar homens uma vez que, naturalmente, uma mulher corre o risco de engravidar. No seio da família, a violência conjugal faz as suas vítimas silenciosas e não são tão poucas como isso. Na rua, está-se sujeita a ouvir impropérios. Na religião, a mulher ainda é vista como a causa do pecado original, um ser vil, traidor, extremamente sugestionável. A nível legislativo continuamos com uma protecção à maternidade insuficiente e com o problema do aborto. Na educação, não há suficiente informação sobre doenças sexualmente transmissíveis e, muitas vezes, as mulheres aceitam a transmissão pelo marido com a maior das naturalidades. O divórcio ainda é visto por muita gente com maus olhos. O adultério feminino é considerado um pecado superior ao masculino (sim, porque é natural que um homem tenha o seu harém).
É por ainda não sermos vistas como iguais aos homens que hoje se comemora o Dia Internacional da Mulher. É para lhes lembrar e para nos lembrarmos de que temos direitos e dignidade que este dia existe.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.