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Categoria: Política

13 de Junho, 2018 Carlos Esperança

A menina do cartaz e a eutanásia

Vera Guedes de Sousa é uma aluna de medicina que se tornou conhecida por empunhar o cartaz onde se exonera a inteligência e se apela ao medo. Pode vir a ser uma razoável médica, mas será uma medíocre cidadã e excelente rata de sacristia.

Quando um assunto tão sério, em que se trata da morte, não é discutido, e apenas serve para assustar os incautos, como outrora se aterrorizavam os crentes com as labaredas do Inferno, não estamos no domínio do racional, entramos no terrorismo psicológico.

É tão legítimo defender uma posição como a sua contrária, embora, no que diz respeito à eutanásia, se confronte um direito individual, que não obriga ninguém, com a decisão de quem impõe a todos a sua própria convicção.

O chumbo legislativo, em que pesaram mais os cálculos eleitorais e as guerras internas do ainda maior partido parlamentar, do que as convicções individuais, não extinguiu o problema nem tornou irreversível a solução.

Raras matérias são tão transversais a todo o espetro político e tão diversas as posições dentro de cada partido, e não se pode honestamente dizer que a eutanásia não tenha sido amplamente discutida nos órgãos de comunicação social, nas missas e na sociedade.

Os que negam o direito que, repito, não obriga quem quer que seja, hão de sempre dizer que o assunto não está suficientemente discutido ou assimilado, e confundir o direito à vida com a proibição de escolher a morte quando aquela se torna de todo insuportável.

Há sempre uma Vera, uma Isabel e um Aníbal à espera de fazerem prova de vida e de intolerância, mas a sociedade, cujos costumes evoluem, deixará os moços de recados a falar sozinhos enquanto os legisladores acautelam abusos e aceitam os direitos de quem nunca pensou passar pelo desespero de escolher “antes a morte do que tal vida”.

É o ruído das sacristias contra a voz da laicidade.

8 de Junho, 2018 Carlos Esperança

Duvido da bondade da medida

El Gobierno austriaco lanza una ofensiva contra el “islamismo político” y cerrará siete mezquitas

La coalición de conservadores y ultraderechistas amenaza con expulsar a decenas de imanes financiados por Turquía.
Madrid / Viena El Gobierno austriaco ha lanzado este viernes una ofensiva contra el “islamismo político” y ha anunciado el cierre de siete mezquitas acusadas de difundir ideas extremistas. El Ejecutivo se plantea, además, la deportación de hasta 60 imanes que reciben salarios desde Turquía, una decisión calificada por Ankara de “islamófoba” y “racista”.
4 de Junho, 2018 Carlos Esperança

Laicidade

O niqab e da burka, proibidos em França desde 2010, em lei que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou não contrária à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, foram agora, em 31 de maio, igualmente proibidos em locais públicos, pelo parlamento dinamarquês, por uma lei aprovada com 75 votos a favor e 30 contra.

A Dinamarca, que acaba de juntar-se a outros países europeus, teve a reação adversa da Amnistia Internacional à aprovação da proposta de lei, afirmando que a medida é uma violação ao direito das mulheres.

É difícil fugir das nossas próprias contradições e exonerar das tomadas de posição todos os preconceitos. Neste caso, agora, como no passado, apoio a posição dinamarquesa e discordo da AI, convencido de que a referida lei defende a liberdade.

Contrariamente a muitos dos meus amigos e leitores, não sou apenas contra a exibição dos adereços pios de natureza islâmica, sou igualmente contra a exposição das vestes de freiras, padres, bispos, frades, etc., em espaços públicos onde apenas as fardas militares, policiais ou de bombeiros devem ser as exceções e, eventualmente, músicos das bandas. Não aos médicos e enfermeiros de bata, advogados de toga ou juízes de beca.

Ignoram muitos, ao que parece a própria Amnistia Internacional, que, por cada mulher que deseja usar o niqab ou a burka, há dezenas constrangidas a fazê-lo, incitadas pelos maridos, muitas vezes com fins provocatórios. O vestuário religioso não é um adereço da moda, é apanágio de sociedades tribais que subjugam e humilham a mulher.

Discordo dos juramentos para cargos públicos sobre livros ditos sagrados, e defendo a liberdade de ordenação de padres ou a sagração de bispos, que os torna funcionários de um Estado estrangeiro, sem obrigação de jurarem a Constituição da República. Respeito a liberdade religiosa.

A razão por que as repartições públicas não devem ostentar símbolos religiosos é a que permite celebrar nos templos a liturgia, sem bandeira nacional ou foto do PR, e encerrar os ritos sem o hino nacional. É a separação do Estado e das Igrejas.

Enquanto os países não assimilarem que a laicidade é uma necessidade de sobrevivência civilizacional, a chantagem religiosa é uma espada de Dâmocles aguçada nas madrassas e sacristias.

Não tenho o monopólio da verdade, mas a necessidade da laicidade é a minha convicção mais profunda e consolidada. A neutralidade religiosa não permite chantagens pias nem subsídios do erário público às religiões.

Não venham com a limitação dos direitos das mulheres em países civilizados, perante as comunidades que os restringem. O Estado deve impor a vacinação e o ensino, e limitar o acesso à compra de armas, e o exercício desse direito não pode ser considerado como limitação das liberdades individuais.

Há quem invoque a liberdade para oprimir a mulher e esqueça que houve escravos que recusaram a liberdade, mas a abolição do esclavagismo foi um avanço civilizacional.

2 de Junho, 2018 Carlos Esperança

Laicidade – Dar a César o que é de César

Pedro Sánchez tornou-se, neste sábado, primeiro-ministro de Espanha, numa cerimónia presidida pelo rei Felipe VI onde prescindiu da Bíblia e do crucifixo, num gesto inédito em 40 anos de Estado laico.

O que devia ser a regra de um Estado laico, foi um ato inédito carregado de simbolismo, três anos depois de, em 2 de junho de 2014, o primeiro-ministro Mariano Rajoy receber de Juan Carlos, rei de Espanha pela graça de Franco, a sua carta de abdicação.

Pode ser um ato que não frutifique ainda na Espanha que o genocida Franco legou com um rei que educou nas madrassas romanas do catolicismo, que abençoou os seus crimes, mas é um exemplo que fica a envergonhar quem se genuflita perante o clero ou oscule o anelão de um bispo.

Pedro Sánchez deu um exemplo de rara salubridade política transformando o Palácio da Zarzuela num símbolo do poder laico.

28 de Maio, 2018 Carlos Esperança

O referendo da Irlanda e a IVG

A chegada de Trump à presidência dos EUA não foi apenas uma catástrofe para a paz, o ambiente e a ordem internacional, é um estímulo ao retrocesso civilizacional, com riscos acrescidos por um indivíduo impreparado, narcisista e imprevisível.

Não há campo onde a influência deletéria do país mais poderoso da Humanidade não se faça sentir. A escalada da extrema-direita, a explosão de nacionalismos agressivos e o recuo dos direitos humanos são a face visível de ressentimentos ocultos que explodem agora numa apoteose reacionária que augura os piores receios.

Enquanto a fome, a guerra e a miséria produzem milhões de mortos e de deslocados, por todo o mundo, as ditaduras ameaçam os países que julgavam perpétuas as democracias, e assiste-se, nos costumes, à progressão das forças mais obscurantistas.

Dos EUA aos países sul-americanos, da Ásia à Europa, há uma escalada misógina, que se abeira da patologia islâmica ou do fundamentalismo de Malta. Na Eslováquia e na Polónia reforçam-se grupos que se opõem aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, num ataque à sua autodeterminação sexual e ao retorno à criminalização da IVG.

É por isso que o referendo da Irlanda, com a massiva participação e expressiva maioria, favorável à liberalização do aborto, foi uma vitória histórica no país onde a IVG, mesmo nos casos de malformações fetais, incesto ou violação, é punida com penas de prisão próximas das dos homicídios.

A vitória da modernidade, onde ‘mulheres caídas’, leia-se ‘prostitutas e mães solteiras’, eram votadas a um aviltante ostracismo, é o triunfo de uma nova mentalidade nascida na ruína de uma Igreja ferida por sucessivos escândalos, e o triunfo dos direitos da mulher.

A mobilização sem precedentes do eleitorado e a amplitude do SIM à despenalização do aborto foi a resposta irlandesa à ofensiva ultraconservadora que grassa contra os direitos reprodutivos da mulher.

O resultado deste referendo, sendo um alívio para as mulheres irlandesas, é a vitória da igualdade de género, num percurso longo e doloroso que devia envergonhar os homens.

Quando uma religião exulta com a castidade e exalta a virgindade, execra a sexualidade e transforma a fonte da vida na fossa do pecado.

8 de Maio, 2018 Carlos Esperança

A vitória sobre o nazi/fascismo – 73.º aniversário

A 8 de maio de 1945 a Alemanha capitulou perante os aliados ocidentais, após uma tentativa gorada do Alto Comando alemão para negociar a paz com os ocidentais. Foi o dia em que os nazis, antecipando em 1 dia a rendição à URSS, se renderam em Berlim, e 1 milhão de pessoas festejou em Londres o fim da II Guerra Mundial, com a paz a voltar à Europa, destroçada, ferida e ensanguentada, ainda a preceder a rendição do Japão.

Na euforia da vitória e na cumplicidade de vários países vencedores, puderam continuar vivos e impunes os dois regimes fascistas da Península Ibérica, Espanha e Portugal.

Há 73 anos findou o mais cruel e demente plano genocida da História. Hoje, esquecidos a data, o pesadelo, o racismo, a xenofobia e os milhões de vítimas, parecem ressurgir os demónios que causaram a maior tragédia do século XX. Já se pressente, na deriva neoliberal, na sedução da extrema-direita, até em episódios antissemitas, a trágica repetição das circunstâncias que conduziram à devastadora guerra.

Com grupos económicos e financeiros a dirigirem a política e a recriarem as monstruosidades passadas, o ano de 2017 viu a extrema-direita avançar nos EUA e na Europa, atingindo níveis preocupantes na França, Alemanha, Áustria, Holanda, e a consolidar-se no poder na Hungria e Polónia, ainda que formalmente de forma democrática, já com desprezo dos direitos humanos.

Celebrar o dia 8 de Maio é condenar a violência de Estado, repudiar o antissemitismo e honrar as vítimas, todas as vítimas, de várias origens e de diferentes algozes, que ao longo dos séculos foram perseguidas por preconceitos religiosos, étnicos e culturais.

24 de Abril, 2018 Carlos Esperança

25 de Abril, Sempre!

Amanhã é dia de comemorar o dia maior da liberdade num país de quase nove séculos de História.

Daqui a uma dúzia de horas começa a noite da primeira madrugada em que a liberdade veio na ponta das espingardas embrulhada em cravos vermelhos, com balas por disparar e sonhos para cumprir. Há 44 anos.

Nunca tantos devemos tanto a um exército que deixou de ser o instrumento da repressão da ditadura, para se transformar no veículo da liberdade conduzido, por jovens capitães.

Foi a mais bela página da nossa História e o dia mais feliz da minha vida. Abriram-se, por magia, as prisões, neutralizou-se a polícia política, acabou a censura e não mais se ouviram os gritos dos torturados nas masmorras da Pide.

Há 44 anos, daqui a poucas horas, ainda os coronéis e os padres censores empunhavam o lápis azul da censura já sem efeito nas palavras e imagens cortadas. O dia 25 de Abril nasceria límpido e promissor com a guerra para acabar e a promiscuidade entre o Estado e a Igreja a ser interrompida.
Os exilados e os degredados viriam juntar-se aos que saíam das prisões. O fascismo era já um cadáver que sobrevivia com a mais dura das repressões. A Pátria não era o país de um povo, era o lúgubre reduto de onde os fascistas oprimiam o próprio povo e as pátrias de outros.

Amanhã é dia de ouvir canções, de sair à rua e de gritar, «fascismo nunca mais!»

O Povo Unido Jamais Será Vencido! Viva o MFA! Viva o 25 de Abril, que aí vem na idade madura dos seus 44 anos.

Para os heróis desse dia, de todos os dias e de sempre, para os que ainda vivem, não há cravos que cheguem para agradecer a vida que cumpriram num só dia.

Obrigado, capitães de Abril! Amanhã, como então, as lágrimas são de alegria incontida, e é forte e comovido o abraço que aqui deixo a todos os que amanhã lembrarei.

A Igreja já anda aí de novo. É preciso lembrar que a separação da Igreja e do Estado é desígnio do 25 de Abril que não podemos deixar trair. Por enquanto, ainda podemos ser ateus, sem risco de prisão.


11 de Abril, 2018 Carlos Esperança

Macron traiu a laicidade

União das Famílias Laicas (que publicou estes desenhos), o Grande Oriente Francês (GOF) e a Associação Internacional do Livre Pensamento (AILP), de cujo Conselho Internacional tenho a honra de ser membro, repudiaram a participação do PR francês na reunião da Conferência Episcopal Francesa e a sua insólita declaração de querer, ao arrepio da Constituição, estabelecer ligações com as Igrejas.

Quando se trai a laicidade, abre-se a porta à sacristia e quebra-se a neutralidade do Estado.

«L’État chez lui, l’Église chez elle»

(Victor Hugo, 14 de janeiro der 1850, no Parlamento)

10 de Abril, 2018 Carlos Esperança

França – O ataque à laicidade está em curso

Macron é, depois de 1905 o primeiro traidor à separação da Igreja e do Estado.

Pode julgar que salva a alma (seja isso o que for), mas compromete a laicidade que é um paradigma da democracia e de que a lei francesa é o mais eloquente exemplo.

Vale a pena ver como se trai a República.