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Categoria: Política

9 de Novembro, 2013 Carlos Esperança

O peregrino D. Aníbal e a laicidade traída – Crónica de 23-04-2009

No próximo dia 26, parte para Roma um luzidio séquito chefiado por Sua Sereníssima Majestade D. Aníbal I, acolitado pelo presidente das cortes, D. Jaime Gama, o ministro dos Negócios Exteriores e da Propagação da Fé, D. Luís Amado, o Condestável D. Valença Pinto, o cardeal do reino D. José Policarpo, o Superior da CEP e portador do hissope, D. Jorge Ortiga, o Superior da Ordem do Carmo em Portugal, padre Agostinho Marques de Castro, e o estribeiro-mor, Sr. Duarte Pio, especialista em solípedes que se ajoelham – autor, aliás, de um opúsculo de referência sobre a devoção dos cavalos de D. Nuno –, de quem se reclama familiar. De D. Nuno, claro.

O cortejo é composto por devotos que exaltam D. Nuno e exultaram quando ele, na paz da longa defunção, acudiu ao olho esquerdo de D. Guilhermina, atingido por salpicos ferventes de óleo de fritar peixe. Era o prodígio que faltava para a canonização de quem foi mais destro a matar castelhanos do que a pôr pensos. Após o milagre, por prudência e pela idade, D. Guilhermina trocou os fritos pelos cozidos.

A embaixada é inferior à que D. João V enviou a Clemente XI mas D. Aníbal I não é esbanjador nem procura de Bento XVI o título de «Senhor Fidelíssimo», ainda que o mereça no que se refere à fé e à constância matrimonial.

O reino anda aturdido com a honra da canonização do taumaturgo com provas dadas na especialidade de oftalmologia. É pena continuar morto, mas sendo uma ofensa para a razão é um orgulho para a fé que continue a pelejar, agora no ramo dos milagres.

Falta D. Guilhermina na peregrinação, para contar aos fidalgos como, perante a dor da queimadura, não se lembrou de Gil Vicente com palavras que, não sendo adequadas à salvação da alma, aliviam a dor, e se lembrou de evocar o bem-aventurado Condestável que o clero autóctone ansiava canonizar desde os tempos da Cruzada Nun’ Álvares.

Os ilustres peregrinos não vão a Roma bajular o Papa, vão agradecer a deus a cura do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus.

Quando a luzidia embaixada regressar à Pátria, com os joelhos doridos das genuflexões, a pituitária irritada do incenso e os corpos enegrecidos pelo fumo das velas, espera-se que o país rasteje de júbilo por mais uma farsa pífia e tantas genuflexões pias.

Publicado no Jornal do Fundão, em 23-04-2009

Apostila – Em 26 de abril de 2009 estava prevista a presença do PR, presidente da AR, MNE, CEMGFA, além de altas figuras do clero autóctone e do ornamento monárquico, Sr. Duarte Pio, no Vaticano. Aqui fica a crónica que publiquei no JF.

6 de Novembro, 2013 Carlos Esperança

6 de novembro

1936 – Há 77 anos principiava o cerco a Madrid pelas tropas franquistas, enquanto o Governo republicano se mudava para Valência.

Os demónios nazi-fascistas, que andavam à solta pela Europa, tinham ali a sua primeira e decisiva batalha, de muitas que iriam ganhar na orgia de sangue que rasgou a Europa e alastrou pelo mundo.

O golpe militar que começara em 17 de julho, em Marrocos, era já um impetuoso ajuste de contas contra a democracia e a República. Hordas de militares e de sotainas, ávidas de sangue, esperavam às portas de Madrid. No céu travou-se a primeira batalha aérea. A Legião Condor, constituída na Alemanha, experimentava as novas armas de destruição.

Em Portugal, a ditadura salazarista servia de retaguarda ao fascismo espanhol. O Rádio Clube Português era o instrumento de propaganda dos sediciosos. Os Viriatos, em zelo fascista, emigravam ao encontro do franquismo numa aventura cruel que terminou com a vitória fascista, em 1939, e continuou com fuzilamentos sistemáticos ordenados pelo genocida Francisco Franco.

Nunca a aliança entre as mais brutais forças fascistas e as mais horríveis hostes clericais tinham dado origem a semelhante violência, a tamanho morticínio, a tão cruel vingança.

3 de Novembro, 2013 Carlos Esperança

Foi há 103 anos – A lei do divórcio de 1910

Faz hoje 103 anos que foi decretada a primeira lei do divórcio que seria publicada, no dia seguinte, no Diário do Governo nº26, de 4/11/1910, p. 282.

O decreto de 3 de novembro decidiu no seu Artigo 1º que o casamento se dissolve:
1º – Pela morte de um dos cônjuges;
2º – Pelo divórcio.

O segundo ponto, sendo um avanço civilizacional de notável alcance, agitou as mitras, ergueu báculos, adejou sotainas e, sob as tonsuras, rangeram dentes, enquanto a acidez gástrica aumentava e crescia o ódio à República.

«Marido e mulher terão desde então o mesmo tratamento legal, quanto aos motivos de divórcio, aos direitos sobre os filhos». Já não bastava o divórcio pôr em causa a ordem divina, interpretada pelo clero, veio ainda a igualdade de género a contrariar preceitos pios que a parenética de séculos tinha defendido.

A paz e a ordem só voltariam com Salazar, graças à Concordata, que extinguiu abusos contra o sacramento do matrimónio e a vontade celibatária dos avençados do divino.

Ateo gratias. Viva a República!

30 de Outubro, 2013 Carlos Esperança

A Turquia, a República e a laicidade ameaçada

Ontem, dia 29 de outubro, a República comemorou 90 anos. Esse dia é, naturalmente, o feriado identitário do País que deve a Mustafa Kemal Atatürk, não apenas a República, mas o ensino primário gratuito e obrigatório e um país laico a caminho da modernidade.

Sabe-se como foi difícil combater os preconceitos e como o Islão é avesso à liberdade. Não foi fácil nem meiga a luta de Atatürk contra o carácter totalitário da religião. Não obstante a violência que usou, hoje inaceitável, continua a ser visto como pai da Turquia moderna que o atual presidente, o Irmão Muçulmano disfarçado de moderado, quer ver virada para Meca.

Ontem, Dia da República, feriado que nem o devoto Erdogan ousou suprimir, foi aberto o túnel ferroviário que liga as duas margens do canal que divide Istambul e separa dois continentes, a Europa e a Ásia.

O túnel é um símbolo da modernidade sonhada por Ataturk que via no Islão o principal adversário de uma República moderna, secular e democrática, a ponto de ter proibido o uso público do véu islâmico e de quaisquer outros símbolos religiosos.

Ontem, o túnel ferroviário serviu ao devoto Erdogan para a sua promoção política e aos defensores da laicidade para comemorarem os 90 anos da República secular, herdada do grande militar, estadista, primeiro presidente e fundador da moderna Turquia.

A gigantesca manifestação de protesto contra a reislamização turca ombreou com a devoção de Erdogan.

29 de Outubro, 2013 Carlos Esperança

As Forças Armadas e o seu bispo

Um Estado estrangeiro nomeia um oficial-general para as FA portuguesas que apenas têm obrigação de o sustentar. Eu sei que a Concordata, um documento saído da cobardia do Governo, com fundadas suspeitas de atraiçoar a laicidade que a Constituição impõe, é a responsável.

Francisco Sá Carneiro, que viveu e morreu em concubinato com uma grande mulher, Snu Abecasis, perguntou para que era precisa uma Concordata. Ele sentiu na pele, pelo escândalo que a sua situação representava, à época, a proibição do divórcio, prepotência que a Igreja católica impunha com a força da aliança clerical-fascista do salazarismo.

Foi Salgado Zenha, católico, uma referência ética da democracia e da luta contra a ditadura que ameaçou o Vaticano e legalizou o divórcio sem interferências pias.

A Concordata, tratado de um Estado com a Igreja católica, é um instrumento que existe há séculos mas que Pio XII instigou com todos os Estados fascistas onde o catolicismo era a religião dominante. Não faltou a Concordata assinada com Mussolini, que impôs a obrigatoriedade do ensino católico nas escolas do Estado e lhe valeu, do papa de turno, o apodo de «enviado da Providência». Hitler, Franco e Salazar foram outros dos que assinaram concordatas sob os auspícios do denominado Papa de Hitler, Pio XII, cujo passado o Vaticano se esforça por branquear.

A atual Concordata, assinada pelo governo de Durão Barroso, alargou as capelanias militares às forças policiais, juntando-se às capelanias hospitalares e prisionais. O Governo descura a assistência do Serviço Nacional de Saúde mas não deixa que falte a assistência religiosa. A comparticipação nos medicamentos baixa mas as mesinhas para a alma são comparticipadas a 100%.

Portugal não é apenas um país que perdeu a soberania, com a dívida externa, é um país que está de joelhos perante o Vaticano, um protetorado sob vigilância das sotainas.

21 de Outubro, 2013 Carlos Esperança

Deus, religião e crentes

Há quem não aceite que Deus é uma criação humana, a muleta para as nossas fraquezas, a explicação por defeito para as respostas que não sabemos, no fundo, uma necessidade para quem se habituou a uma dependência que, quase sempre, lhe foi incutida desde que nasceu e preservada por constrangimentos sociais.

A perversão das crenças reside na origem, na perversão dos homens que as inventaram e que lhes transmitiram a marca genética dos seus preconceitos e superstições.

O humanismo foi construído quase sempre contra as religiões, contra os deuses sedentos de sacrifícios, sofrimento e conservadorismo, defeitos que têm profissionais zelosos ao serviço da sua divulgação.

Ninguém se permitiria condenar à morte quem deixa de acreditar numa lei da física ou num axioma, mas não faltam clérigos a exigir a eliminação física dos apóstatas ou dos hereges, estes meros crentes divergentes na interpretação das alegadas mensagens de um deus imaginário.

A História ensinou-nos a relativizar as ideias na sua permanente evolução, quase sempre influenciadas pelo avanço das ciências e a apoteose de novas descobertas, mas as ideias religiosas resistem até ao absurdo, com polícias dedicados, sempre prontos a castigas os réprobos e a aplicar uma jurisprudência da Idade do Bronze.

A paz não pode ser conseguida com verdades absolutas e imutáveis. É por isso que os Estados modernos, devem tratar as religiões como quaisquer outras associações em que a plena liberdade de formação não as exime ao Código Penal e os seus atos ao escrutínio da lei.

Não percebo por que motivo uma religião possa ter normas jurídicas próprias no Estado de direito, ter conventos de cuja inspeção o Estado se demita, para avaliar se as pessoas estão ali de livre vontade ou se se trata de cárcere privado e, sobretudo, conseguir furtar-se aos impostos sobre as fortunas e ao escrutínio sobre a forma da sua aquisição.

17 de Outubro, 2013 Carlos Esperança

Curiosidades – O Papa e Cavaco

Tarcisio Bertone, de 78 anos, deixou o posto de secretário de Estado, o segundo mais elevado na hierarquia do Vaticano – uma espécie de primeiro-ministro – , depois de ter sido acusado de inépcia para evitar os escândalos morais e financeiros do pontificado de Bento XVI.

O arcebispo Pietro Parolin, de 58 anos, diplomata de carreira do Vaticano, será o seu substituto. Curiosamente, na sequência de uma operação cujo motivo se desconhece, Parolin não esteve presente na cerimónia da sua própria posse.

O Papa Francisco acabou por lhe dar posse apesar da ausência. Deve ter-se baseado no precedente aberto por Cavaco Silva que deu posse à atual ministra das Finanças em um Governo que não existia. Faltava Paulo Portas, irrevogavelmente demissionário, e todos os ministros do CDS.

Acaba por ser honroso para Cavaco ver o Papa a presidir a uma cerimónia igualmente vazia de conteúdo.

17 de Outubro, 2013 Carlos Esperança

A GUERRA CIVIL ESPANHOLA E A IGREJA CATÓLICA (2)

Por

João Pedro Moura

1- Em Tarragona, na Catalunha, no passado domingo, 13 de outubro de 2013, 522 “mártires da perseguição religiosa do século XX” – quase todos padres, freiras e seminaristas mortos durante a guerra civil espanhola – foram proclamados beatos.

Tal recenseamento denota um trabalho enorme, de muitos anos de investigação canónica e histórica, para se apurar tão grande número de pessoas, afectas à mesma conjuntura histórica.

Denota também um intuito pertinaz de valorizar certos padres e monges da Igreja espanhola de antanho, que se aliou à insurreição franquista contra a periclitante democracia republicana…

2- Primeiramente, convém assentar que a violência dum dos contendores poderá estar em proporção com a violência do outro…

Isto é, a violência duma libertação poderá suscitar-se dialeticamente consoante a violência duma opressão.

A Igreja Católica espanhola, desde sempre e, pelo menos, até à Guerra Civil, foi uma Igreja profundamente reacionária e fortemente mancomunada com os poderes monárquicos. A aliança entre o trono e o altar, por excelência…

Durante a vigência da Inquisição, mormente a do inquisidor-mor, o frade dominicano Tomás de Torquemada, pensa-se que teriam sido executados, em fogueiras e outros tormentos atrozes, cerca de 300 mil desgraçados, tornando tal inquisição a mais mortífera da cristandade.

3- No século XX, a Igreja espanhola tinha uma enorme quantidade de bens, nomeadamente terras (latifúndios), em regime equiparado ao dos latifundiários civis, e onde viviam camponeses pobres, intensamente explorados.

Era também da Igreja uma grande quantidade de colégios, em suma, de boa parte da educação pública, pela qual a Igreja procurava garantir e manter o domínio tradicionalista sobre as novas gerações, contra a progressiva secularização da sociedade.

Com a crescente politização das massas populares, decorrente da ascensão  republicana ao poder, em 1931, e o subsequente decreto sobre a separação entre o Estado e a Igreja, mais a lei agrária de 15 de Setembro de 1932, que expropria os latifundiários, entre os quais a Igreja, os ânimos começam a acirrar-se entre, por um lado, Igreja, monarquistas, fascistas e patronato, em geral, todos corporizados, politicamente, pela Falange e pelas JONS (Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalista), e, por outro lado,  o partido socialista, o comunista, os anarquistas e os trotsquistas.

4- A coisa começa a descambar a partir de Fevereiro de 1936, com a vitória eleitoral da Frente Popular (coligação republicana de socialistas, comunistas e uma facção colaboracionista anarquista).

A laicização aumenta e desencadeiam-se ocupações ilegais de grandes propriedades agrícolas, em tumulto imparável e incontrolável pelo governo. No meio da confusão, 170 igrejas foram incendiadas.

Em toda esta movimentação tumultuosa, destacaram-se os anarquistas, que tinham uma enorme força (a Espanha tinha mais anarquistas que o resto do mundo todo junto!) e controlavam a CNT, Central Nacional dos Trabalhadores.

Os anarquistas, com as suas depredações, foram dos maiores responsáveis pela avançada franquista e clericalista, que, com o “pronunciamiento” de 18 de Julho de 1936, marca o início da guerra civil.

5- É claro que, durante uma guerra, há exageros de ambos os lados…

Em Cádis, em 8 de Março de 1936, foram incendiados 5 conventos, devido a tiros que foram disparados do seu interior contra manifestantes…

Mais tarde, em plena guerra civil, os insurretos franquistas estabeleceram-se em 4 conventos de Barcelona, bem situados estrategicamente, em 1936.

Aqui, na Catalunha, região dominada pelos anarquistas, ocorreu a maior atrocidade feita contra a Igreja católica, durante a guerra civil espanhola, quando, no castelo de Montjuic, num convento sobranceiro a Barcelona, foram disparados tiros de canhão contra posições anarquistas.

A reação destes foi brutal.

Com a conquista destes conventos pela tropa anarquista, que dominava Barcelona, e com a descoberta doutros arsenais em várias igrejas e conventos, esses anarquistas incendiaram tudo o que puderam de igrejas e mosteiros, na Catalunha, causando também uma grande mortandade entre os clérigos, traduzida por massacres consecutivos da generalidade do pessoal religioso na região, padres, frades e freiras. Devem ter sido uns milhares…

Por toda a Espanha, havia pequenos arsenais em numerosos edifícios religiosos, e, dalguns desses edifícios, foram disparados tiros contra os soldados republicanos e a multidão, por parte de padres e monges de armas na mão, propiciando um agastamento mortal do povo republicano contra os membros da Igreja.

Também houve bastantes padres, sobretudo, bascos e catalães, dizimados pela tropa franquista, devido a revoltas anticentralistas e veleidades regionalistas.

6- Querer realçar a beatificação de domingo, como sendo aplicada necessariamente a pessoas impolutas, que teriam vivido um martírio sem nexo e como vítimas duma suposta sanha anticlerical, apenas odienta e cruenta, sem motivação válida, é querer ofuscar e ratificar todo o apoio que a Igreja Católica espanhola deu aos insurretos e, antes, aos opositores do regime republicano democrático e laico.

Termino com esta citação do dramaturgo alemão Bertold Brecht:

“Todos chamam caudaloso e violento ao rio que tudo arrasta, mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.”

16 de Outubro, 2013 Carlos Esperança

A indústria da santidade ao serviço do fascismo

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Para vergonha da Igreja católica, descontados os crimes de eras recuadas, que podem sempre ser atribuídos aos costumes bárbaros da época, mas comprometem a inspiração divina de que se reclama, bastava a cumplicidade e o silêncio perante um dos maiores genocidas da Humanidade – Francisco Franco –, para exigir o pedido de perdão sincero de quem herdou o ferrete da ignomínia.

Todos sabemos que a violência atingiu na Guerra Civil espanhola limites inauditos de crueldade dos dois lados da barricada. Não houve bons e maus, só maus. Não podemos esquecer a violência cruel do anticlericalismo dos anarquistas e liberais e, em menor medida, dos marxistas, cujo ódio à Igreja, implicada com a pior direita, rivalizou com o empenhamento do clero nos crimes mais perversos.

Há, no entanto, duas diferenças capitais entre os que se bateram de um e de outro lado da barricada. Do lado da República, o facto de ter resultado de eleições livres sufragadas pelo povo, e, do lado dos sediciosos, a intenção de derrubar o Governo legal e instalar a ditadura. A segunda diferença, assaz sinistra, resulta do facto de, vencida a guerra, insistirem nas execuções sumárias, perseguições cruéis, assassinatos programados e nas valas comuns, cujos vestígios querem apagar, para onde atiraram as vítimas, fuziladas por divertimento sádico e violência sectária.

As crianças roubadas a mulheres, que assassinavam após o parto, foram distribuídas por casais inférteis de sequazes do fascismo espanhol. Não houve ignomínia, crueldade ou sadismo que os franquistas não cometessem, depois da guerra onde Hitler experimentou o armamento com os aviões da Legião Condor, Mussolini colaborou com submarinos e avões, a Igreja católica concedeu o estatuto de Cruzada aos revoltosos e Salazar apoiou a retaguarda, permitindo o recrutamento dos Viriatos, o abastecimento aos franquistas e impedindo o refúgio das populações leais ao Governo.

Franco teve o apoio entusiasta do Opus Dei, que nunca lhe faltou com bênçãos, missas e ministros para o Governo. Balaguer, além de ter colaborado na guerra, ainda o felicitava entusiasticamente, quase duas décadas depois, em carta de 25 de maio de 1958, carta que a filha do ditador conservou extasiada com a veneração do futuro santo ao déspota.

Depois da dolorosa memória que dilacera Espanha, depois de mais de 400 mil mortos e centenas de milhares de exilados, impede-se a exumação das vítimas do franquismo e exonera-se um juiz corajoso, Baltasar Garzón, que quis identificá-las e reparar a sua humilhação e esquecimento, exumando as valas comuns. Para trás fica o horror galego onde o franquismo instaurou, depois da guerra, o método dos “passeios” , ir às casas das pessoas, buscá-las para as “passear”, isto é, fuzilá-las à noite e deixá-las nas valetas.

Através dos sinistros “passeios”, dos conselhos de guerra contra civis, dos fuzilamentos maciços de prisioneiros e de confrontos armados com a guerrilha, morreram, só na Galiza, 197.000 galegos (fonte “La Guerra Civil en Galicia” edic. La Voz) durante o regime franquista, continuando a grande maioria em valas comuns. Nesse período, cerca de 200 mil galegos exilaram-se noutros países, sorte que não tiveram os que escolheram Portugal e foram entregues, para fuzilamento, pelas polícia de Salazar.

João Paulo II beatificou 233 vítimas religiosas da repressão republicana, ignorando o sofrimento coletivo dos espanhóis e Bento XVI reincidiria com nova beatificação de outras 498 vítimas, a maior beatificação da história da Igreja católica.

A decisão destes dois papas, profundamente reacionários, comprometidos com o Opus Dei, não surpreendeu, apenas indignou os familiares das vítimas republicanas e todos os que ansiavam pelo esbatimento do ódio que dilacerou Espanha.

Com mais de duas mil valas comuns por abrir, surpreende que o Papa atual, de quem se cria que não deitasse mais ácido nas feridas por sarar, eleve cerca de quinhentos beatos ao altar do franquismo, numa manifestação de demência episcopal da Espanha que não perdoa e que não se deixa julgar.

Este Papa, depois da lixivia gasta a limpar as nódoas do Vaticano, maculou as vestes e acabou por recordar as boas relações que manteve com Videla.

16 de Outubro, 2013 Carlos Esperança

A indústria da santidade ao serviço do fascismo

Para vergonha da Igreja católica, descontados os crimes de eras recuadas, que podem sempre ser atribuídos aos costumes bárbaros da época, mas comprometem a inspiração divina de que se reclama, bastava a cumplicidade e o silêncio perante um dos maiores genocidas da Humanidade – Francisco Franco –, para exigir o pedido de perdão sincero de quem herdou o ferrete da ignomínia.

Todos sabemos que a violência atingiu na Guerra Civil espanhola limites inauditos de crueldade dos dois lados da barricada. Não houve bons e maus, só maus. Não podemos esquecer a violência cruel do anticlericalismo dos anarquistas e liberais e, em menor medida, dos marxistas, cujo ódio à Igreja, implicada com a pior direita, rivalizou com o empenhamento do clero nos crimes mais perversos.

Há, no entanto, duas diferenças capitais entre os que se bateram de um e de outro lado da barricada. Do lado da República, o facto de ter resultado de eleições livres sufragadas pelo povo, e, do lado dos sediciosos, a intenção de derrubar o Governo legal e instalar a ditadura. A segunda diferença, assaz sinistra, resulta do facto de, vencida a guerra, insistirem nas execuções sumárias, perseguições cruéis, assassinatos programados e nas valas comuns, cujos vestígios querem apagar, para onde atiraram as vítimas, fuziladas por divertimento sádico e violência sectária.

As crianças roubadas a mulheres, que assassinavam após o parto, foram distribuídas por casais inférteis de sequazes do fascismo espanhol. Não houve ignomínia, crueldade ou sadismo que os franquistas não cometessem, depois da guerra onde Hitler experimentou o armamento com os aviões da Legião Condor, Mussolini colaborou com submarinos e avões, a Igreja católica concedeu o estatuto de Cruzada aos revoltosos e Salazar apoiou a retaguarda, permitindo o recrutamento dos Viriatos, o abastecimento aos franquistas e impedindo o refúgio das populações leais ao Governo.

Franco teve o apoio entusiasta do Opus Dei, que nunca lhe faltou com bênçãos, missas e ministros para o Governo. Balaguer, além de ter colaborado na guerra, ainda o felicitava entusiasticamente, quase duas décadas depois, em carta de 25 de maio de 1958, carta que a filha do ditador conservou extasiada com a veneração do futuro santo ao déspota.

Depois da dolorosa memória que dilacera Espanha, depois de mais de 400 mil mortos e centenas de milhares de exilados, impede-se a exumação das vítimas do franquismo e exonera-se um juiz corajoso, Baltasar Garzón, que quis identificá-las e reparar a sua humilhação e esquecimento, exumando as valas comuns. Para trás fica o horror galego onde o franquismo instaurou, depois da guerra, o método dos “passeios” , ir às casas das pessoas, buscá-las para as “passear”, isto é, fuzilá-las à noite e deixá-las nas valetas.

Através dos sinistros “passeios”, dos conselhos de guerra contra civis, dos fuzilamentos maciços de prisioneiros e de confrontos armados com a guerrilha, morreram, só na Galiza, 197.000 galegos (fonte “La Guerra Civil en Galicia” edic. La Voz) durante o regime franquista, continuando a grande maioria em valas comuns. Nesse período, cerca de 200 mil galegos exilaram-se noutros países, sorte que não tiveram os que escolheram Portugal e foram entregues, para fuzilamento, pelas polícia de Salazar.

João Paulo II beatificou 233 vítimas religiosas da repressão republicana, ignorando o sofrimento coletivo dos espanhóis e Bento XVI reincidiria com nova beatificação de outras 498 vítimas, a maior beatificação da história da Igreja católica.

A decisão destes dois papas, profundamente reacionários, comprometidos com o Opus Dei, não surpreendeu, apenas indignou os familiares das vítimas republicanas e todos os que ansiavam pelo esbatimento do ódio que dilacerou Espanha.

Com mais de duas mil valas comuns por abrir, surpreende que o Papa atual, de quem se cria que não deitasse mais ácido nas feridas por sarar, eleve cerca de quinhentos beatos ao altar do franquismo, numa manifestação de demência episcopal da Espanha que não perdoa e que não se deixa julgar.

Este Papa, depois da lixivia gasta a limpar as nódoas do Vaticano, maculou as vestes e acabou por recordar as boas relações que manteve com Videla.