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Categoria: Política

30 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Os tribunais plenários e a impunidade – Não Apaguem a Memória

Acabada a guerra que destruiu as ambições de Hitler e Mussolini, entenderam os aliados que as ditaduras fascistas da Península Ibérica podiam continuar como reserva ecológica dos sistemas totalitários. A Inglaterra garantira acabar com ditaduras mas a necessidade de reconstrução esqueceu a promessa.

A Península Ibérica manteve um dos maiores genocidas da História, Francisco Franco, apoiado pelo clero com a bênção do Vaticano, até morrer bem ungido e comungado. Em Portugal, a tirania não atingiu a dimensão espanhola mas teve todos os ingredientes e os mesmos apoios. A tortura, o assassinato, a denúncia, o degredo, a violação da correspondência, a prisão sem culpa formada, a censura dos livros e jornais, a invasão domiciliar, a demissão dos opositores, tudo isso se praticou, mas em menor escala.

Para fingir legalidade a Pide tinha uma secção denominada Tribunais Plenários onde os pides julgadores eram juízes de carreira e de cujas sentenças havia recurso para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça que só apreciava «questões de Direito» e onde, não raro, os cinco juízes escolhidos pelo ministro da Justiça, agravaram penas, a ponto de fazerem desistir os advogados dos presos políticos.

Os Tribunais Plenários não se destinavam a julgar, eram meros antros de canalhas que se limitavam a homologar decisões policiais promovidas à categoria de sentenças. Ser advogado de um preso político era um ato de coragem, praticado pro bono, e promotor de cadastro nas alfurjas da Pide.

Ontem foram homenageados os 162 advogados que ao longo de 48 anos defenderam os resistentes da ditadura. Muitos deles pagaram ainda as custas dos processos em que participavam gratuitamente, com pouco êxito, enorme empenho e alguns riscos.

Conheci alguns desses advogados, soube por eles que os presos que denunciavam as torturas de que tinham sido vítimas, em plena sala de audiências, eram agredidos pelos pides, enquanto o juiz fingia consultar os processos para desviar o olhar.

Ontem fez-se justiça aos advogados que foram exemplo de cidadania, muitos anónimos, todos irmanados na defesa dos direitos, na coragem e na abnegação, enfim, na luta pela democracia.

O movimento Não Apaguem a Memória fez justiça aos advogados que combateram pela liberdade, na defesa dos que dela foram privados.

Para quando o julgamento dos juízes crapulosos que se prestaram à farsa das audiências onde o simulacro da justiça precedia as sentenças que devolviam ao cárcere e às sevícias os combatentes antifascistas, tantas vezes com medidas de segurança indefinidamente prorrogáveis que podiam transformar em perpétua a prisão?

É preciso saber o nome de todos os defuntos Florindos dos Tribunais Plenário, de todos os serventuários de toga e de quem os protegeu de um julgamento com as garantias que eles negaram. As famílias das vítimas merecem saber os nomes dos carrascos.

Não Apaguem a Memória. Tudo aconteceu no fascismo que a Igreja católica apoiou.

26 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

A Tunísia, a Espanha e os preconceitos pios

A nova Constituição tunisina, salpicada com referências à religião, escrita em «nome de Deus clemente e misericordioso», assusta quem conhece o deus autóctone e a identidade árabe-muçulmana de que se reclama. No entanto, é das mais avançadas e inovadoras do mundo árabe no que se refere aos direitos da mulher e à liberdade religiosa.

A aprovação, prevista para finais de 2012, só agora irá ter lugar, depois do compromisso difícil e das enormes tensões na discussão de 146 artigos da Lei Fundamental. Para já, é a única que assegura a igualdade entre homens e mulheres e a liberdade de consciência e de culto, em todo o mundo árabe. Esperemos que a consensualização entre islamitas, com maioria relativa, e laicos, abra uma janela de esperança aos direitos humanos e seja a flor que desabroche nos jardins da sonhada primavera árabe.

Em Espanha, o Opus Dei e o franquismo, unidos desde a guerra civil, tomaram o poder, ao colo do PP, e preparam a desforra com o rancor de décadas. Pretendem o regresso ao espírito de cruzada e aos paradigmas da aliança clerical-franquista.

A nova lei sobre a IVG só admite o aborto em casos de violação, até às 12 semanas, e, em risco de vida para a mulher, até às 22. Reunindo a mais refinada hipocrisia e a mais despudorada insensibilidade, até as más formações fetais exclui.

A interrupção voluntária da gravidez (IVG) é um problema de saúde pública. Em nome de valores, respeitáveis, há quem os queira impor a todos os outros. Há, no fundo, uma conceção totalitária e vocação inquisitória que revela a tradição misógina de contornos confessionais.

No futuro, em Espanha, nem um anencéfalo, incompatível com a vida, justificará a IVG. É preciso aniquilar a mãe até que a natureza expulse o feto. Os espanhóis, muitos do PP, pedem a Ruiz-Gallardón, ministro da Justiça, que retire a lei iníqua, beata e malévola.

Apostila – Nos EUA, o juiz do Texas, R.H. Wallace, ordenou ontem que fosse suspensa a vida artificial a uma texana em morte cerebral, com um feto inviável, atendendo o pedido da família que era recusado pelo hospital desde novembro, quando estava na 14.ª semana de gestação.

17 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Os casais homossexuais e a adoção de crianças

Confesso que um psicólogo pode mudar a minha opinião e que não tenho sobre o tema ideias definitivas. Quanto ao casamento entre indivíduos do mesmo sexo não tenho nem tive dúvidas. Respeito a orientação sexual de quem quer que seja.

Não entendo, nesta desvairada tática política, nas traquinices partidárias, os objetivos de um referendo e a negação da legitimidade representativa da A.R. e da liberdade de voto dos deputados em matéria que põe em causa problemas de consciência.

A estranha conceção de família e as alusões à mais retrógrada ideologia clerical-fascista estão longe de me convencerem. Não sei se é útil para as crianças trocarem o abandono pela companhia de um casal gay, se é preferível uma família verdadeira de um agressor alcoólico e de uma mulher sofrida, ambos desejosos de enjeitar a criança, ou confiá-la a um casal homossexual que a deseja, passando pelo crivo de psicólogos, assistentes sociais e, finalmente, pela decisão de um juiz.

O que sei, de ciência certa, é que há homossexuais com filhos próprios ou adotados e que são educados pelo casal legalmente constituído. Nada impede um homossexual ou uma lésbica de adotar uma criança mas, se vier casar, como a lei permite, a criança não pode partilhar legalmente o património afetivo e/ou habilitar-se à herança de ambo/as.

Parece haver uma dose de hipocrisia que joga com as crianças para fins eleitorais e com os preconceitos para envenenar ainda mais a atmosfera política.

15 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Disciplinar as religiões é difícil

14 de janeiro de 1912 – Manifestação anticlerical em Lisboa, promovida pela Associação do Registo Civil, de apoio à Lei da Separação.

9 de Janeiro, 2014 Carlos Esperança

Afonso Costa – uma referência impoluta da República

Em 9 de janeiro de1913 tomou posse o primeiro governo republicano, liderado por Afonso Costa, efeméride que, pela importância política, personalidade do primeiro-ministro e grande vulto da República, merece ser assinalada hoje, 101 anos depois.

Nascido em Seia, a 6 de março de 1871, Afonso Costa foi um dos mais destacados membros do Partido Republicano e excecional orador parlamentar, em plena monarquia.

O notável ministro da Justiça, ainda no Governo Provisório, seria três vezes primeiro-ministro. Poucos políticos foram tão venerados e odiados como Afonso Costa. Teve contra ele a tralha monárquica, o clero reacionário e o país atrasado que a monarquia legou com o maior índice de analfabetismo europeu e o mais vergonhoso atraso social.

Sidónio Pais, em rutura com a Constituição de 1911, que ajudara a redigir, liderou uma revolta que depôs Afonso Costa em 11 de dezembro de 1917 para iniciar uma ditadura e concentrar um poder pessoal sem paralelo desde o absolutismo monárquico. A sua República Nova, em que o PR era também PM, foi pioneira do Estado Novo de Salazar. Houve concentração de poderes, o contubérnio com a Igreja e o regresso das sotainas. Traiu a laicidade, a democracia e a República numa ditadura travada à bala na Estação do Rossio a 14 de Dezembro de 1918 por José Júlio da Costa, militante republicano.

Afonso Costa, chegou a lente de Direito aos 29 anos. Tinha-se doutorado em 9 de Junho de 1895 com a dissertação “A Igreja e a questão social”, uma obra em que atacou com extrema violência a recente encíclica Rerum Novarum deixando-a em pior estado do que Antero de Quental ao Concílio de Trento, na conferência do Casino.

A cisão do Partido Republicano Português cujo programa político tinha sido anunciado por ele, em 29 de agosto de 1911, tornou-o líder do Partido Democrático para cuja fundação e prestígio foi determinante.

Afonso Costa, o defensor intemerato da laicidade, uma posição hoje pacífica, aglutinou, na altura, o clero, o beatério, os monárquicos e reacionários de vários matizes que iriam desaguar na sargeta do Integralismo Lusitano e, depois, na ditadura clerical-fascista de Salazar, apoiada por Cerejeira.

Devem-se a Afonso Costa a Lei da Separação do Estado das Igrejas, a lei da família, a lei do divórcio, a lei do registo civil obrigatório, a abolição do delito de opinião em matéria religiosa, a legalização das comunidades religiosas não católicas, a privatização dos bens da Igreja Católica e a expulsão dos jesuítas. Foi ele que mandou promulgar todas estas leis de notável alcance para a democracia e a modernidade.

O republicanismo mais genuíno e popular, o sentido de Estado e o patriotismo tiveram neste genial político o mais estrénuo defensor e o mais lúcido governante. Afonso Costa foi o expoente máximo da 1.ª República e o maior vulto político da primeira metade do século XX, em Portugal. O ódio rasteiro e a devoção republicana estão à medida da sua dimensão ética, histórica, política e patriótica.