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Categoria: Laicidade

3 de Setembro, 2009 Carlos Esperança

Desafios da modernidade

Há tempos, durante uma entrevista, um jornalista perguntou-me por que razão, face ao alegado respeito pela diversidade cultural, mantinha a oposição à poligamia e defendia a sua criminalização.

Objectei que admitiria a legalidade da poligamia se a lei consagrasse igualmente a da poliandria. O que está em causa não é uma questão cultural, com a qual me conformaria, mas uma desigualdade no tratamento de géneros que é uma questão civilizacional.
Este é um dos fundamentos para defender que não há guerra de civilizações mas apenas o combate, descurado, aliás, entre civilização e barbárie.

Quando a palavra da mulher vale menos do que a de um homem, quando a liberdade se restringe a um dos sexos ou o acesso ao emprego, à cultura e aos meios de subsistência privilegia um sexo, não se trata de manter a tradição mas de defender a barbárie.

A tortura, o esclavagismo e a pena de morte, para citar apenas algumas iniquidades, são uma tradição que remonta aos primórdios da humanidade, mas não adianta reivindicar a tradição quando colide com os direitos humanos porque, neste caso, deve ser erradicada.
As religiões abraâmicas, judaísmo, cristianismo e islamismo, são altamente misóginas e não é preciso ser particularmente erudito para descobrir a sua origem tribal e patriarcal.

Se a emancipação da mulher se tornou possível e numerosos Estados subscreveram a Declaração Universal dos Direitos do Homem, tal não se deve à bondade de Deus mas à dos homens. Não foram os clérigos que denunciaram as injustiças que pregavam, foram os homens e mulheres que, combatendo o poder eclesiástico, impuseram a separação da Igreja e do Estado. A democracia não nasceu em Jerusalém, Roma ou Meca, é herdeira da separação dos poderes de origem anglo-saxónica e do Iluminismo que conduziu à Revolução Francesa.

O Irão, a Arábia Saudita e o Iémen mantêm a tradição de açoitar e lapidar mulheres em público, mas não é uma tradição que deva ser integrada no âmbito multicultural ou que possa respeitar-se sem vergonha de tamanha tolerância. Imaginamos o que é ser mulher nos países onde vigora a sharia, uma boa razão para não deixarmos que a barbárie entre na Europa sob a capa do multiculturalismo.
As guerras religiosas custaram milhões de vidas aos europeus mas foi possível acabar com a Inquisição, com as monarquias absolutas e com o poder temporal dos papas. Não há xenofobia na proibição da Burka [símbolo da humilhação feminina] com a qual a mulher perde completamente o sentido de orientação.

Uma sociedade democrática não pode permitir que existam no seu seio, a pretexto da fé ou da tradição, ou de ambas, mulheres sujeitas de forma permanente e definitiva à tutela de um homem, que lhes seja interdita a condução de um automóvel ou o direito de se  autodeterminarem. Não vamos criar lugares para homens e mulheres nos transportes públicos nem permitir que as sevícias que extasiam o Profeta e os mullahs islâmicos se exerçam no espaço onde há muito se respeitam os direitos humanos.

Não se trata de xenofobia mas, tão-somente, de tratar o Islão da mesma forma com que é preciso responder ao Vaticano, um bairro de 44 hectares que, graças a Mussolini, goza do estatuto de Estado e obedece a um autocrata celibatário com tiques medievais.

A laicidade é uma exigência ética e necessidade sine qua non para a sobrevivência da civilização. Não pode ser sujeita ao escrutínio eclesiástico.

27 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

O veto e o voto de Cavaco

O veto do PR à lei das uniões de facto é o voto pio de quem foi presidente da comissão de honra para a canonização de Nuno Álvares Pereira, de quem acredita que um herói se transforma em colírio para curar o olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, queimado com óleo de fritar peixe, por intercessão de um guerreiro medieval.

Há argumentos contra a lei das uniões de facto – e referiu-os –, mas não é aceitável a desculpa da oportunidade – e usou-a –, como se coubesse ao PR alterar o período em que se pode legislar.

Se Guterres, com outra dimensão cívica, não foi capaz de resistir aos amigos do peito e da hóstia, na questão do aborto, por que motivo seria capaz este PR, ressentido com a dispensa do pio Conselheiro João Lobo Antunes de uma escusada comissão Ética, de desistir do veto a uma lei que os padres condenam e a Esquerda defende?

A lei vetada, aprovada em Julho com votos contra do PSD, CDS e de três ornamentos pios com que a bancada do PS se matiza, reforçava a protecção jurídica em caso de morte de uma pessoa em situação de união de facto e  criava maior protecção do domicílio da família, além do direito à pensão de sobrevivência. Isto é uma abominação para um crente calejado em jejuns e orações.

Aparentemente, Cavaco transformou o PSD e o CDS em instrumentos de uma qualquer ambição política que não augura nada de bom para o País. No PSD tem uma pessoa de confiança sem ideias e, no CDS, um líder com ideias a mais e sem escrúpulos.

O silêncio perante a torpe insinuação do PSD sobre alegadas escutas aos seus assessores contribuiu para o clima de intriga e desconfiança que mina as instituições democráticas, em nítido benefício do partido de que foi líder.

Ao recusar esclarecer o mecanismo e as circunstâncias da compra e venda das acções do BPN, de que beneficiou ele próprio e a filha, Cavaco destruiu a alegada superioridade moral do cavaquismo.

Restava-lhe a isenção e o sentido de Estado. Prefere cuidar da alma e das indulgências. Interpretou bem o desejo dos bispos. É uma opção mas, se continuar a ser oposição à maioria dos eleitores, em sintonia com a direita mais obsoleta, abdica do respeito a que tem direito e da consideração inerente ao exercício do cargo.

24 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

Brasil – laicidade ameaçada

O Estatuto Jurídico da Igreja Católica, em tramitação no Congresso Nacional, é um “retrocesso” no que se refere à separação entre Estado e religião, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), Daniel Sottomaior. O estatuto é um acordo diplomático assinado entre a Santa Sé e o governo brasileiro no final do ano passado, regulamentando as atividades da Igreja Católica no país. O documento tem 20 artigos e trata de pontos como os bens da Igreja e o ensino religioso em escolas públicas.

10 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

Laicidade e tolerância exigem-se

Evo Morales fez duras declarações ao qualificar a Igreja católica como um «símbolo vivo» do colonialismo europeu e, demasiado impertinentes, ao declarar que segundo a sua nova política de governo, a ICAR deve desaparecer da Bolívia. As perseguições de que os povos foram vítimas não legitimam desforras nem actos de vingança. Morales comporta-se como inquisidor e deve merecer a condenação geral.

A excessiva politização das Igrejas na América do Sul, nomeadamente da ICAR, a sua cumplicidade com as ditaduras e o factor de atraso e de obscurantismo que constitui não justifica perseguições ou restrições à sua liberdade. As Igrejas, tal como qualquer outra associação, devem estar sujeitas às leis e ao Código Penal mas não podem ser objecto de qualquer discriminação.

É verdade que Bento 16 está a reconduzir a ICAR ao tempo pré-conciliar, que afirmou ter sido pacífica a evangelização dos índios, sabendo que é mentira, que vive em lua de mel com a seita de monsenhor Lefevbre, que protege e se identifica com os Legionários de Cristo e o Opus Dei, que é capaz de se comportar como um mullá islâmico, mas a liberdade religiosa não é dogma católico é um imperativo democrático.

Sabemos das malfeitorias de que a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) é capaz , da intolerância sectária do Islão, do fervor imperialista dos judeus ortodoxos, da demência obscurantista do protestantismo evangélico, mas não aceito outro combate que não seja o democrático, outra forma de eliminar o obscurantismo que não seja pela ciência e outra arma contra a religião que não seja a liberdade.

O Estado tem de ser laico para permitir a crença, a descrença e a anti-crença. Doutro modo voltamos à loucura das guerras religiosas.

9 de Agosto, 2009 Carlos Esperança

Extinga-se o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida» (CNECV) é uma instituição cuja utilidade não é clara. É composta por um conjunto de personalidades designadas pelo primeiro-ministro, AR, Governo e outras entidades.

Cabe ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida dar pareceres em matérias tão diversas, como são aquelas em cuja reflexão a bioética se debruça: transplantes de órgãos, reprodução assistida, invenções biotecnológicas, final da vida, distribuição de recursos em saúde, genómica e tantas outras.

Dado o facto de conhecer pessoalmente vários dos seus membros e ser amigo de alguns, há algumas reflexões que a comissão que terminou o mandato me suscitam:

1 – Como é que pessoas tão ocupadas ainda têm tempo para estudar e fundamentar os pareceres que são da sua competência?

2 – Que estranha coincidência faz reunir neste grupo uma significativa percentagem de crentes conhecidos pela seu proselitismo religioso?

3 – Que legitimidade assiste a qualquer deles para reivindicar a prorrogação do mandato à entidade a quem cabe a designação?

4 – Que necessidade têm o Governo e/ou a AR de pedir pareceres em matérias sobre as quais todos os cidadãos devem ter opinião formada e ninguém melhor do que os deputados está em condições de a interpretar e, sobretudo, de legislar com legitimidade?

5 – Finalmente, a extinção da CNEVC parece-me não trazer qualquer prejuízo e tem o benefício suplementar de evitar o tráfico de influências e chantagem sobre as entidades a quem cabe proceder às nomeações.

Extinga-se, pois, a CNEVC. O país fica livre de um foco de tensão com forte odor a incenso.

30 de Julho, 2009 Carlos Esperança

A laicidade em perigo

Declaração de interesses: sou laico, republicano e cidadão particular.

Mas mesmo um leigo não deixará eventualmente de se chocar com o título de um jornal de ontem: “Estado vai contratar padres a recibos verdes”. Mesmo que não se benza, nem bata com a mão no peito, o cidadão não deixará de se impressionar que a assistência religiosa, para quem a queira, passe ao regime de prestação de serviços. Por este andar, o Estado poderá entender que a confissão dos pecados seja remetida para um ‘call center’, a penitência convertida em multa, os sacramentos ministrados em ‘outsourcing’, a salvação das almas alcançada através do ‘leasing’ e a vida eterna conquistada através do contrato de Aluguer de Longa Duração.

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joaopaulo.guerra@economico.pt