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Categoria: Laicidade

15 de Julho, 2013 David Ferreira

Quando os cães se calam

Não, hoje prometo não açoitar demasiado a abominável lambisgoia de sacristia que deambula existencialmente entre a base do altar e a pia de água benta, num puro reflexo condicionado. Com o excesso de calor, a consistência das neves vai-se derretendo aos poucos até à desidratação mental.

No seu sermão hebdomadário, o luminar abominável translada o seu paliativo fluxo salivar, que o aroma a hóstia faz efervescer, para a língua afiada dos cães raivosos, esses indigentes rafeiros que o infortúnio permitiu multiplicar no anonimato das tabernas, entre minis sempre poucas, dietéticos pires de tremoços e interjeições catárticas endereçadas aos políticos alternantes e seus respetivos familiares. Segundo o abominoso escriba, estes canídeos excedem largamente em produção de perdigotos o que lhes falta em armazenamento de grãos de sabedoria.

O abominável não convive bem com quem se manifesta desagradado pelas miseráveis condições económicas em que nos encontramos, muito à semelhança de alguns Cardeais da nossa praça. Tanto, que vai ao cúmulo de escrever um artigo onde critica o crítico comum. Não o crítico credenciado, o avençado dos Órgãos de Manipulação Social, mas o crítico comum, o Zé da esquina, a Maria do canto, os que falam muito acerca de tudo sem perceberem um pouco acerca de coisa alguma.

Reconheço que ainda tive uma réstia de esperança de ler um comentário da sua parte, por muito lacônico que fosse, ao Reality Show encenado pelas elites governamentais durante a tomada de posse do novo Cardeal patriarca de Lisboa, onde as palmas e as luzes ofuscaram literalmente a propalada doutrina da igualdade entre os homens e do amor aos pobres. Os vendilhões do templo anteciparam-se à chegada de Sua Eminência Reverendíssima, não montado em burro, mas em topo de gama (há que acompanhar os tempos) e montaram um verdadeiro espetáculo de auto veneração a que não faltou a merecida benzedura. Mas não. Não se morde a mão que nos alimenta.

Diz então o soporífero opinante que “Quanto menos se sabe de um assunto, mais se fala dele; e a veemência cresce com a incerteza e a insegurança”. Diz e eu não sei o que dizer à laia de comentário. E continua, estimulado por anos de dedicação extremosa aos dois poderes que adula: “Quando alguém sofre, para mais injustamente, as suas palavras ganham peso especial. Por isso os maiores disparates passam por sabedoria na boca de vítimas.” Zzzzzz…

Acordei já no fim do ominoso artigo ao som de uns longínquos e acanhados latidos: “Nos momentos difíceis, as pessoas sentem uma irreprimível necessidade de falar, normalmente com mais veemência do que juízo. A vantagem desta compulsiva ânsia de dizer disparates é que cão que ladra não morde.”

Foi nesse momento que tive uma epifania! Ouvi bem ouvido, com estes olhos que bem leram o que li, um grito de angústia a cruzar a tarde soalheira:

– Tirem-me os pregos! Tirem-me os pregos!

8 de Julho, 2013 Carlos Esperança

D. Manuel III e a sé de Lisboa

Começou mal a patriarcar a sé de Lisboa o Sr. D. Manuel III, da dinastia dos Manuéis. A missa era a peça de abertura do espetáculo pio que lhe cabia abrilhantar no coliseu da fé – o Mosteiro dos Jerónimos. Bastavam os pios funcionários de Deus a brilhar nas vestes femininas, com que têm o hábito de se travestir, para transmitirem o colorido exótico de que a missa precisava para refulgir na televisão a cores.

O paradoxo esteve na assistência. Eram restos do governo morto, com um presidente em estado terminal. Eram primeiras figuras do Estado laico a tornarem-se as últimas de um regime que teimam em inumar. Eram homens e mulheres que juraram respeitar a CRP, a pôr as mãos, a fazer flexões a toque de campainha, a balbuciar orações ao ritmo da peça, de joelhos, como apraz à fé, e de rastos como gostam os padres e se destrói a laicidade e a honra.

Alguns, de olhos vagos e esgares medonhos, afocinharam junto à patena que protegia o cálice donde saíram hóstias transubstanciadas por sinais cabalísticos do último Manuel, sem que o alegado sangue se visse a pingar da comissura dos beiços ou se adivinhasse a carne a errar pelo aparelho digestivo e a fazer o trânsito intestinal.

O Manuel e acompanhantes foram recebidos com palmas. Foi a primeira vez, depois de tanto tempo, que insultos deram lugar aos aplausos, no ambiente lúgubre que a luz das velas tornava mais tétrico. Quem desconheça os hábitos canónicos há de ter pensado que a joia arquitetónica do templo se convertera numa casa de alterne e que a estrela do espetáculo era a primeira bailarina.

Não foram os incréus que desonraram o espetáculo pífio, foi o bando subserviente que, ao prestar vassalagem a uma religião particular, cobriu de opróbrio o Estado e a Igreja.

À falta de colunas vertebrais salvaram-se as colunas de pedra do esplendor manuelino, a ossatura da joia arquitetónica que, no espetáculo de abertura do novo gerente da Sé de Lisboa, foi convertida num circo para arlequins mediáticos.

8 de Julho, 2013 Carlos Esperança

A primeira missa do Patriarca de Lisboa

Consta que 278 padres e bispos e 65 diáconos foram o ornamento pio do Sr. Dr. Manuel Clemente quando ontem rezou a 1.ª missa como patriarca de Lisboa.

Além dos referidos empregados da diocese estavam presentes, na condição de créus, os Srs. Paulo Portas, Cavaco Silva e Passos Coelho, por ordem decrescente de importância.

Não sei se a missa de um patriarca tem atrativos litúrgicos que aliciem a freguesia mas a presença não deve ser alheia aos pecados dos réprobos e ao peso da consciência.

Se a missa é lixivia suficiente para limpar nódoas a tais personagens, podem continuar a arruinar o País porque não há nódoa que uma confissão bem feita, o arrependimento sincero e a penitência cumprida não limpem.

No Vaticano, as missas e indulgências são a terebentina que na igreja lava os pecados (nódoas da alma) e no IOR o dinheiro de origem suspeita.

A Presidente da Assembleia da República, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Presidente do Tribunal de Contas e o ministro da Segurança Social foram as figuras de Estado que, segundo a comunicação social, se juntaram aos três crentes já referidos no festival litúrgico da primeira missa do novo patriarca.

Os pecadores têm todo o direito às missas e complementos pios que lhes aprouver, mas não podem invocar a qualidade de altos dignitários do Estado sob pena de converterem o país num protetorado do Vaticano. Podem viajar de joelhos e rezar novenas mas não podem invocar uma condição que transforma o país laico numa sacristia.

Talvez não saibam o que é a ética republicana.

7 de Julho, 2013 Carlos Esperança

NOVA REINCARNAÇÃO DO CARDEAL CEREJEIRA

Por

A. Horta PintoD.Clemente

Já conhecíamos a filosofia política do anterior Cardeal Patriarca José Policarpo, traduzida em aforismos tais como: “não se resolve nada contestando” e “Não vos revolteis!”.

Ontem tomou posse o seu sucessor, Manuel Clemente, num momento em que a sociedade portuguesa se encontra profundamente dividida entre a direita e a extrema direita, que querem à fina força recauchutar o atual governo, e o centro e a esquerda, que pretendem eleições antecipadas.

O novo Patriarca, logo no dia em que tomou posse, fez questão de tomar partido: rodeado de um grupo de jornalistas, declarou perante as câmaras das televisões que o atual governo tem legitimidade democrática e que a solução para a crise política deve ser encontrada dentro do atual quadro parlamentar. Nada de eleições, portanto.

Temos, assim, mais do mesmo: a Santa Madre Igreja como sustentáculo da direita reacionária.

Nada que não se esperasse. Mas se dúvidas houvesse em alguns espíritos mais ingénuos, Sua Eminência fez questão de as dissipar logo no primeiro dia.

O espetro do sinistro Cardeal Cerejeira continua pois a pairar sobre a igreja católica portuguesa.

30 de Junho, 2013 Carlos Esperança

Um católico à solta

Tribunal de Contas chama a atenção ao facto de estes subsídios não terem sido publicitados no Jornal Oficial da Região. O relatório do TC foi enviado para o Ministério Público tendo sido detetadas infrações financeiras.

O volume financeiro de seis contratos-programa de cooperação financeira celebrados entre o governo regional da Madeira e as Fábricas Paroquiais (instituições sem fins lucrativos) no âmbito da construção ou conservação do património religioso, atingiu, em 2011, 7,6 milhões de euros. Esta verba foi direcionada para a execução de quatro novas igrejas e complexos paroquiais, entre outras intervenções.

3 de Junho, 2013 Carlos Esperança

Da Galiza a Hakkari, dos bispos espanhóis aos mullahs turcos

 

Da Galiza, situada na ponta noroeste da Europa, até Hakkari, a província do extremo da Turquia, no sudeste da Anatólia, o proselitismo religioso percorre a Europa e a Ásia na sanha demente contra a modernidade e os direitos humanos.

 

A Conferência Episcopal Espanhola (CEE) insiste no desmantelamento da legislação do PSOE sobre o direito de família. O casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito à adoção, a Interrupção Voluntária da Gravidez e o divórcio estão em risco de alterações profundas. Os avanços legislativos esbarram nas sotainas, com os báculos brandidos por bispos onde brilha mais a mitra que ostentam do que a cabeça que a suporta.

 

O franquismo regressa através dos infiltrados no PP com os aliados de sempre, bispos que não desistem de expor o anelão ao ósculo subserviente de devotos e reacionários.

 

Na Turquia, perante a indulgência dos países democráticos, o PM, Tayyip Erdoğan, vai corroendo a herança de Kemal Atatürk. O estado secular, sem religião oficial, com uma constituição que consagra a liberdade religiosa e de consciência, altera-se. A “república constitucional democrática, secular e unitária” está refém do PM e dos mullahs que o apoiam.

 

A Europa e os EUA, na defesa da democracia formal, estimularam a purga aos juízes e militares que cuidavam da laicidade imposta pela Constituição. Protegeram o PM, um devoto cuja mulher não larga o niqab com que esconde o focinho, e ignoraram a odiosa declaração de compreensão pelo assassinato de juízes que subscreveram o acórdão que legitimou a proibição do niqab nas universidades que sobrepunham a ciência e a cultura às orações e homilias. O PM turco disse que percebia a raiva das pessoas que viam limitada a expressão da sua religiosidade, não lhe merecendo a mínima solidariedade a jurisprudência e o martírio dos juízes do tribunal supremo, na defesa da laicidade.

 

A Europa está a descurar a laicidade em nome da caça ao voto pio e a esquerda deixa à extrema-direita, racista e xenófoba, o monopólio do combate ideológico, permitindo que a neutralidade do laicismo se transforme em proselitismo concorrente, como acontece já em França, num desvario islamofóbico de matriz católica.

 

Erdoğan começou por afastar os defensores da laicidade e facilita agora a reislamização que conduz à sharia. Enquanto as pequenas leis limitam as carícias públicas trocadas por namorados e restringem a venda e o consumo de álcool, os talibãs fomentam a explosão do fascismo islâmico e a liquidação da herança de Atatürk.

 

Os europeus, imbecis, vão recitando o breviário do multiculturalismo e aconchegam-se às sotainas.

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26 de Maio, 2013 Carlos Esperança

A laicidade como condição de paz e sobrevivência

laicidade

Repetir é didático. Reitero a minha determinação em defender todos os crentes de todas as religiões e em combater todas as crenças prosélitas, totalitárias, racistas, xenófobas e misóginas.

Os pregadores do ódio que nas mesquitas e madraças acirram os crentes contra os infiéis não fazem mais nem pior do que os cristãos, ao longo dos séculos, contra muçulmanos e judeus, ou estes contra os muçulmanos da Palestina.

Não podemos consentir que todos os crentes de uma ideologia totalitária vivam reféns do medo e da vingança tal como não podemos deixar-nos ficar à mercê dos que julgam ter o Paraíso à espera depois de nos liquidarem.

O primarismo islâmico, exacerbado pelo fracasso da civilização árabe, é terreno fértil para a conversão e espaço assassino para os apóstatas. O fanatismo dos convertidos é hoje tão ardente como o dos primatas que corriam ao apelo dos papas para as Cruzadas ou ao dos monges que ateavam as fogueiras da Inquisição.

É difícil convencer Governos democráticos a abstraírem-se dos votos, a pensarem nos deveres cívicos e de que é intolerável que as crianças cresçam sob a fanatização das crenças, tantas vezes patrocinadas por eles nas escolas públicas, mas é intolerável que qualquer religião goze de privilégios diferentes de outra associação cívica.

Não cabe aos Estados pronunciarem-se sobre as virtudes de um credo ou definir direitos em função do número de fiéis. Tal como acontece com os partidos políticos, que partem em igualdade de direitos para cada escrutínio, assim deve ocorrer com todas as crenças, em cada dia, e serem objeto de vigilância quando a sua perigosidade o justifique.

O racismo é execrável e o respeito pelas minorias uma exigência ética e democrática. Só não podemos conceder a nenhum Deus ou à sua ausência que o apelo à violência ou o direito de impor os preconceitos de uma religião se sobreponha ao Código Penal de um País laico e democrático.

Um incitamento ao crime é um crime em si mesmo, ainda que venha na Tora, Bíblia ou Corão, e não se vê que seja racional aceitar cultos de religiões que nos países onde são poder proíbem as que os consentem.

A paz e a liberdade não podem ser deixadas ao arbítrio de Deus, têm de ser a exigência de quem prefere morrer pela democracia a vegetar numa teocracia.

 

9 de Maio, 2013 Carlos Esperança

Crime, pecado e laicidade

Os meus leitores não precisam de explicações sobre a origem etimológica das palavras «ética» e «moral», conforme a origem, grega ou latina. A moral, por muito que nos doa, é a ciência dos costumes.

O homem é hoje mais tolerante do que o das cavernas e os sedentários mais clementes do que os nómadas. Não é por acaso que os deuses, criados em épocas recuadas, trazem a marca genética das tribos patriarcais que os conceberam.

Há alguns séculos ainda se engordavam mulheres para consumo humano e a escravatura era aceite. O direito de saque, incluindo mulheres, a tortura, as mutilações e execuções, e muitas outras barbaridades, eram morais e, pior, legais. Basta ler o Antigo Testamento para se ter uma ideia do cardápio de crimes que Deus consentia. Ainda hoje, a mutilação e os castigos corporais fazem parte dos códigos penais, sem esquecer pena de morte que países ditos civilizados ainda praticam. E não me refiro a países que fundem a religião e a política, aplicando a sharia, numa demência fascista de sabor medieval.

A igualdade de género, uma exigência ética, o mais elementar dos direitos, é tão recente (e ainda tão periclitante) que nos admiramos como foi possível suportar a iniquidade até aos nossos dias. E falem de igualdade de género em meios rurais ou em países poluídos pela tradição e pela fé!

A gravidade não reside tanto na injustiça cruel que a discriminação pressupõe como na implacável insânia de querer fazer do preconceito uma obrigação universal.

É aqui que entra o pecado. Abandonar uma religião para aderir à «nossa» é heroísmo e sair, para aderir a outra ou a nenhuma, é apostasia, o ato de traição punível com a morte, efetiva ou simbólica, conforme a evolução civilizacional e o grau de secularização.

É irrelevante que alguém acredite num ser hipotético que gosta de espiar pelo buraco da fechadura e abomina a sexualidade, mas é incrível que alguém ameace com as penas do Inferno e queira que os outros se verguem às suas crenças. O proselitismo é a lepra que corrói o espírito ecuménico que alegadamente tantos defendem.

Não é problema haver quem veja um pecado grave no consumo da carne de porco ou do álcool e abomine a heresia, a apostasia ou o sacrilégio, mas é horrível que essas crenças sejam impostas a quem as dispensa e se castigue quem as despreza.

Por urbanidade seria incapaz de ultrajar quem viaja de joelhos à volta de uma capela ou faz maratonas pias até chegar a um santuário onde a superstição localiza fenómenos de natureza transcendental, mas a fé não é um ato da vontade e há cada vez mais pessoas que não distinguem uma procissão do Senhor dos Passos do desfile da queima das fitas, a não ser pelo consumo de cerveja ou cheiro a incenso.

O adultério é reprovável, como qualquer ato de falsidade, e não se admite que o Estado o criminalize, mas Camilo foi preso por adultério e muitas mulheres foram mortas, sem castigo para os assassinos, pelos maridos que alegadamente traíam.
A laicidade, um conceito de matriz republicana, separou o direito penal do canónico. Já ninguém é penalizado (pelo menos, sob o ponto de vista legal) por considerar obsoletas as recomendações canónicas, falsos os milagres e um embuste a transubstanciação.

A laicidade separou o sagrado do profano. Os trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos trouxeram mais felicidade do que todos os livros sagrados, de todas as religiões juntas, em todos os seus versículos.

O desejo de uma vida para além da morte é respeitável, se não tiver em vista a conquista de novos crentes e a fanatização dos que já o são. A transmissão de crenças às crianças reduz a liberdade e coarta o seu desenvolvimento harmonioso. É por isso que hoje, nas madraças e mesquitas, como ontem, nas igrejas e conventos, se criam fiéis capazes de morrerem e matarem, por um mito, em busca de rios de mel e de virgens que aguardam os delinquentes de Deus à chegada ao Paraíso imaginário.

A laicidade é uma exigência sem a qual não há democracia nem direito à dignidade e ao livre-pensamento.