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Categoria: Filosofia

4 de Janeiro, 2010 Ricardo Alves

«Deus» é uma questão estética?

O Alfredo Dinis, como anunciara, resolveu dedicar-se aos «Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo». O que é de saudar.

Comete um equívoco de base quando caracteriza a posição ateísta de uma forma em que muitos de nós não se revêem:

  • «Se uma afirmação é digna de crédito, então ela pode ser formulada como uma hipótese empiricamente testável pela metodologia científica. A existência de Deus não é formulável como uma hipótese empiricamente testável pela metodologia científica. Logo, a afirmação da existência de Deus não é digna de crédito».

O ateu que há em mim não se revê em nenhuma das duas premissas, embora concorde com a conclusão.

Mas a segunda premissa é a que me interessa mais refutar (embora seja totalmente ignorada no texto que refiro).

Anti-premissa#2: a existência de deuses é formulável como uma hipótese empiricamente testável pela metodologia científica. É necessário é saber de que deuses estamos a falar. Porque os cristãos (e outros) supostamente acreditam num «Deus» interventor no nosso mundo, e portanto passível de ser observado pela ciência, como «um campo gravitacional ou uma galáxia». Exemplos: um «Deus» que opera uma ressurreição; um «Deus» que faz parar a Terra; um «Deus» que criou o universo; um «Deus» que criou a espécie humana (tendo ou não criado o universo). Se em cada um destes exemplos «Deus» é uma entidade auto-consciente e interventora no universo em que existimos, as acções referidas são comprovadamente falsas porque impossíveis. Refutar as acções não é refutar a entidade em si, claro: pode existir sem actuar. Mas, nesse caso, não teria relação com o «Deus» dos mitos judeo-cristãos.

O que nos leva à primeira premissa.

Anti-premissa#1: há afirmações dignas de crédito que não podem, por enquanto ou talvez não, ser formuladas como hipóteses empiricamente testáveis. Aqui, é necessário saber muito bem de que afirmações estamos a falar. O Alfredo passa boa parte do seu texto a argumentar que há experiências fora do âmbito da ciência. Por exemplo, experiências estéticas (a arte…) ou afectivas (o amor filial) e… o «testemunho» dos primeiros cristãos. Devo confessar que não estou convencido de que a ciência não possa, um dia, explicar porque preferimos certos padrões estéticos ou cromáticos a outros, ou porque nos sentimos mais atraídos por umas pessoas e não por outras. A ciência já explicou muita coisa que parecia incompreensível ou fora do seu âmbito. Até explica como é possível que algumas pessoas delirem e vejam pessoas que não existem, ou «testemunhem» fenómenos impossíveis.

E sim, é verdade que nos conduzimos, em grande parte das nossas decisões diárias, por decisões emocionais que nada têm de científico. Tomar uma limonada em vez de uma sumo de laranja. Ou ler isto e não aquilo. Mas também é verdade que tentamos tomar decisões baseados em expectativas realistas, e não em impossibilidades. E, se em muitos aspectos da nossa vida confiamos nas informações e conselhos de outros, geralmente perdemos a confiança nesses outros quando descobrimos que fomos enganados, deliberadamente ou não.

Concluindo com o «testemunho» dos cristãos: um facto cientificamente refutável, se for transmitido por pessoas bem intencionadas durante milénios, não se torna mais credível (mas retira credibilidade a quem o repete). E mesmo que todos os cristãos da História tivessem sido pessoas bondosas (e não foram, embora isso agora não venha ao caso), a «ressurreição» não se torna mais possível.

2 de Maio, 2009 Carlos Esperança

Indústria dos milagres

A indústria dos milagres

Seria injusto não reconhecer no actual pontífice a eficácia com que ridiculariza a Igreja e envergonha os fiéis mais urbanos e civilizados. Bastavam as incongruências da bíblia, a história arrepiante da evangelização, a cumplicidade com o esclavagismo, a prática da Inquisição e o apoio às ditaduras, com exclusão das comunistas, para tornar suspeita a bondade da Igreja e a credibilidade do Papa.

No entanto, Bento XVI foi mais longe do que era hábito nos tempos modernos. Fez de João Paulo II, um Papa supersticioso que acreditava em Deus, um caixeiro-viajante da fé e criador de beatos e santos. Foi o artífice da ascensão do Opus Dei e o protector de monsenhor Escrivá. Este sobreviveu ao apoio dado a Franco, ao silêncio sobre centenas de milhares de mortes e aos escândalos financeiros e bastou-lhe morrer para chegar a santo. Na pressa da canonização adjudicaram-lhe três milagres quando lhe bastavam dois.

Não se esperava que B16 conservasse a indústria milagreira para criar beatos e santos como nos aviários se criam frangos, que fabricasse milagres como, antes da crise, se fabricavam recordações nas Caldas da Rainha. B16 habituou-se aos embustes como os toxicodependentes à droga e não consegue fazer o desmame. Na linha de montagem os bem-aventurados aguardam milagres para se submeterem ao exame de santidade.

As pias aldrabices extasiam os crédulos, cada vez mais raros, e estarrecem os crentes que não desistem de intervalos para pensarem. Longa vida a B16. Mais dois ou três papas assim e a religião católica deixa de ser fonte de inspiração da fé e passa a motivo de vergonha para quem a pratica.

Há uma dúvida que persiste. Com que direito canoniza os defuntos sem a sua expressa autorização? À falta de vivos que compareçam à chamada, a Igreja católica convoca os mortos que nunca se recusam.