25 de Março, 2014 Carlos Esperança
O sexo dos anjos e a política europeia
Constantinopla já estava cercada pelos turcos otomanos, mas, antes da queda iminente, os teólogos discutiam, com ardor científico, a dúvida perturbadora do sexo dos anjos.
Todos sabemos que os zelosos funcionários alados, que a vontade divina distribuiu por rígida hierarquia, não podem ser desprezados, nem que o céu caia em cima dos devotos e eminentes investigadores.
Para os menos versados na hierarquia celeste, decalcada da militar, ou vice-versa, aqui fica por ordem decrescente a fauna que povoa o Paraíso:
– Serafins, Querubins e Tronos (oficiais generais); Dominações, Virtudes e Potestades (oficiais superiores); Principados, Arcanjos e Anjos da Guarda (subalternos). Convém esclarecer que Lúcifer, caído em desgraça, era um Serafim, não um anjo de segunda linha ou mero alcoviteiro, ao nível do arcanjo Gabriel.
A importante discussão não foi interrompida nessa terça-feira, em 29 de maio de 1453, em que o sultão Maomé II destruiu o Império Romano do Oriente e fez de Constantino XI Paleólogo o último imperador bizantino, cuja alma logo enviou para o Paraíso.
Nesse dia, a Idade Média expirou na Europa e apenas o sexo dos anjos e o seu nebuloso método de reprodução continuaram uma incógnita.
Lembrei-me da discussão quando foram anunciados os resultados da eleições francesas. O PCP logo descobriu que o PSF foi o culpado e o PS português emitiu um comunicado a dizer que o maior aliado da direita é o PCP. Independentemente da razão que a ambos decerto assiste, e que a este Diário pouco interessa, preocupa-me o ardor dos teólogos da política, mais interessados na caça ao voto do que nos esforços comuns para conter a extrema-direita que surge apoteótica, católica, esquecida a linhagem fascista e a matriz genética donde provém.
Em 1453 acabou a Idade Média – sei que os historiadores inventaram outras divisões –, e agora pode começar o fim da Idade Contemporânea. A vida é um eterno retorno mas as pessoas serão já outras.