Não sei como se sentem os protetores de embriões, óvulos e células correlativas, quando uma alma por erro de navegação ou capricho da natureza se infiltra num feto estacionado fora do parque, em sítio proibido.
Refiro-me às gravidezes ectópicas. Trata-se de asneira de Deus ou produto do acaso, mas, para quem tudo o que acontece de bom é obra de Deus e o mal fruto do Diabo, deve ser um dilema que perturba o entendimento e consome os neurónios.
Para os pios, a ejaculação é um genocídio e o aborto uma alma que se desperdiça. Só assim se percebe a sanha com que os protetores das almas encaram o sexo e a irritação que lhes causa a reprodução medicamente assistida.
Há neste negócio das almas obscuros interesses e perturbações mentais.
Dos caminhos rurais abalaram as caixas de esmolas das alminhas do Purgatório e, lentamente, vão acabando as missas de sufrágio e os lucrativos trintários, moedas celestes para antecipar a vaga no veículo que liga(va) o Purgatório ao Paraíso.
As almas estão à guarda de Deus, que as manda em correio azul aos espermatozoides capazes de atingir os óvulos. Não sei se envia várias para a hipótese de falharem o alvo ou se apenas uma, para não irritar os padres.
Após a morte, a alma viaja para os destinos do costume: Purgatório, Inferno ou Paraíso, pois o Limbo foi extinto por falta de interesse comercial por Bento 16. Só não percebo a obsessão dos padres com a alma dos que se desinteressam do seu destino e desprezam o Paraíso.
Deve ser a vocação totalitária que os consome.
Vítor Julião
Dou as boas-vindas ao novo colaborador do Diário de uns Ateus esperando que a entrada de um ateu militante enriqueça este blogue e inverta o declínio a que a longevidade e o cansaço dos velhos colaboradores o estavam a condenar.
O Paraíso não é um bar de alterne nem um lugar particularmente bem frequentado. A avaliar pelos santos que o defunto JP2 tirou das profundezas do Inferno ou do estágio no Purgatório, há hoje uma multidão de patifes a jogar as cartas com o divino mestre e a servir bebidas ao Padre Eterno. Até o papa Francisco continua a criar santos como os oleiros das Caldas a fazer recordações.
Não sei se é Torquemada que toma conta do armazém das almas de crianças por nascer ou de adultos por batizar, pois sabia-se de ciência certa, com aquela honestidade que se reconhece ao clero, que os não batizados eram destinados ao Limbo, um sítio insípido, sem divertimentos nem crueldades como os que o Deus de Abraão criou como destino dos bem-aventurados ou das almas penadas. No entanto, num ápice, Bento 16 extinguiu o local e não se voltou a falar no destino das almas que ali se tinham amontoado.
No armazém das almas o negócio anda próspero com a explosão demográfica a que se assiste. Mas Deus é um comerciante insatisfeito que quer despachar mais mercadoria.
É por isso que a ICAR é contra o planeamento familiar, a contraceção, o preservativo, a IVG, o DIU e a pílula. No Céu há uma alma para cada espermatozoide e é por isso que tanto o pecado solitário como a ejaculação noturna são uma catástrofe para o negócio.
Os clérigos, encarregados de tratar das almas e olhar pelo negócio, andam estarrecidos com a possibilidade do fim da perseguição criminal ás mulheres que interrompam a gravidez. Na última quarta-feira, na Argentina, o Parlamento votou a legalização da IVG, com os padres a ameaçarem com labaredas as mulheres que comentam tal pecado.
Aliás, para as religiões do livro, a mulher é um ser inferior que deve obediência ao marido e serve apenas para a reprodução e os louvores ao Deus da zona de residência.
Uma velha história pia recreada com um tique jacobino e um toque de humor.
Na sexta-feira, adjetivada de santa, a cristandade chora a morte matada de Jesus Cristo (JC), judeu usado por Paulo de Tarso na cisão com o judaísmo, e às 00H00 de domingo há euforia com a ressurreição, todos os anos repetida. Nos três dias de luto, nunca três dias tiveram tão poucas horas, põem de lado a carne, sobretudo de porco e, presume-se, também aquela que dá origem ao pecado da luxúria.
JC, antes de proceder à sua ressurreição e de ter subido ao Céu com os órgãos intactos, incluindo o santo prepúcio que, só em Itália, chegou a gozar o ouro de igual número de relicários, antes de um papa acabar com as peregrinações e a disputa sobre o verdadeiro, com a alegação de que a subida ao Céu não podia deixar resíduos, JC já tinha treinado o truque da ressurreição num pobre diabo, que referirei adiante, onde se iniciou no truque.
Sabe-se que JC morreu no Gólgota onde o dedicado Cireneu o ajudou a arrastar a cruz e, embora com algumas discrepâncias, o Novo Testamento encarregou-se da narrativa da morte, da ressurreição e das conversas com pessoas das suas relações antes de subir ao Céu. Sabe-se que deu nas vistas nos últimos três anos de vida, em que se dedicou aos milagres e à pregação, atividades frequentes para quem fugia do setor primário. Um dos milagres, quiçá o que lhe valeu a divindade, milagre só repetido para si próprio, foi o da ressurreição de Lázaro. Hoje os milagres são pífios e basta a cura da queimadela de um olho com óleo de fritar peixe, suprindo o colírio, para canonizar um bem-aventurado.
A homilia da ressurreição de Lázaro é, ainda hoje, um comovente exercício da divina omnipotência. Era este sermão que cabia fazer ao pároco de uma aldeia da Beira, num qualquer domingo depois do Pentecostes, quando ficou afónico. Não se atrapalhou o padre e ordenou ao sacristão, inexperiente na parenética, que fosse ele, a substituí-lo.
Depois das peripécias da recusa, que por economia dispenso de referir, o padre garantiu estar a seu lado para emendar algum erro improvável a quem sabia de cor o sermão que tinha ouvido dezenas de vezes. E assim fez.
Tal como combinado, o sacristão advertiu os paroquianos de que ia dizer o sermão pelas razões conhecidas, e começou:
– Queridos irmãos, naquele tempo estava Jesus e alguns apóstolos, com a mesa e a mala, a fazer milagres à beira do Lago de Genesaré, hoje chamado de Tiberíades, e veio junto dele um coxo e disse: «Senhor, curai-me» e o Senhor curou-o; veio depois um cego com igual pedido e o Senhor curou-o; e fez o mesmo com sifilíticos, leprosos e paralíticos. Já Jesus tinha arrumado a mala e ainda vieram junto dele as irmãs de Lázaro, chorosas, e lhe disseram: «Senhor, o nosso irmão morreu; Senhor, valei-nos». O Senhor disse-lhes: ide e orai, e elas assim fizeram.
– O Senhor foi junto da campa de Lázaro e ordenou-lhe: Lázaro, levanta-te e anda. E ele andeu…
-…«andou, estúpido!» balbuciou-lhe do lado o padre, afónico. E o sacristão continuou…
– …andou estúpido algum tempo, e depois curou-se.
Por
ONOFRE VARELA
“Igrejas para Ateus”
Recentemente fui surpreendido com este título de notícia num jornal virtual. Não se trata de associações de ateus, mas sim de igrejas no sentido de templos de fé deística, mas sem o deus dos outros, o que daria ao Ateísmo o estatuto de religião (não me vou alongar agora com a origem do termo “religião” e a sua significação. Para aqui interessa o sentido que tem de fé num deus). No meu entender o Ateísmo será religião quando um sindicato operário for uma associação patronal.
No caso que comento, a notícia começa por dizer: “O declínio constante da Religião no mundo ocidental está actualmente a rever-se no crescimento das chamadas igrejas ateístas”, e refere que, de acordo com o Pew Research Center, os religiosamente não filiados são agora o segundo grupo religioso na América do Norte e na maior parte da Europa.
O professor Stephen Bullivant, da St Mary’s University de Londres, descobriu que mais de metade da população do Reino Unido não se identifica como sendo religiosa, característica que se tem vindo a acentuar desde há 50 anos, e que “ao mesmo tempo tem havido um crescimento do número de igrejas ateístas que visam reproduzir grande parte da atmosfera do serviço da igreja, mas sem religião”. Ora… isto parece-me uma espécie de Metadona para os drogados que se querem ver livres da droga! Pode enquadrar-se no espírito de alguns daqueles que se transformaram em ateus depois de terem passado por qualquer fé religiosa, mas não nos outros, como eu, que nunca entraram numa igreja com sentimento de fé e, por isso, não têm necessidade de um período de desmame, que seria a tarefa a desempenhar pelas “igrejas ateístas”.
No final da notícia dá-se conta da igreja ateísta mais difundida, como sendo a Sunday Assembly, sob o lema “Viva melhor – Ajude com frequência – Admire-se mais” que foi criada em Londres no ano de 2013 pelos comediantes Sanderson Jones e Pippa Evans. Ah!… Assim já se percebe!… É comédia!… Pois então viva a comédia. Eu também gosto de rir, e rio muito.
Em conclusão a notícia diz que a maior parte das pessoas que frequentam estas igrejas ateístas sente uma “maior satisfação com a vida” graças ao poder da participação fortemente estimulada durante as reuniões.
Dentro da Sunday Assembly há quem defenda que nunca se deveria designar aquela instituição, e outras do mesmo género, como “Igreja Ateísta”. Neste entendimento, o filósofo Alain De Botton defende o nome “Humanismo Cultural”, sem qualquer conotação a modelos de religiões deístas, que o Ateísmo, obviamente, não tem. Ora aqui está alguém com cabecinha pensadora!…
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.