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O olho esquerdo de D. Guilhermina

O olho esquerdo de D. Guilhermina é património nacional.

Que o Sr. Duarte Pio, estribeiro-mor do reino, escreva um opúsculo sobre a devoção dos cavalos de D. Nuno que, antes da batalha de Aljubarrota, se ajoelharam no sítio onde séculos depois o Sol daria cambalhotas, um anjo aterrou e uma virgem viria dar recados a três pastorinhos, é um arrojo pio que se espera do especialista em solípedes e milagres.

Que bispos, cónegos, monsenhores, arciprestes, párocos, sacristães e outros empregados da fé se regozijem com o lançamento do novo produto e usem o cavaleiro medieval como elixir para queimadelas de olhos esquerdos, é uma decisão bem ao jeito de quem julga aumentar a clientela e fazer prosperar o negócio.

Que os desiludidos da sorte, os infelizes e supersticiosos vejam nos fritos, não um risco para o aumento do colesterol e das taxas sanguíneas dos triglicerídeos, mas um perigo para o olho esquerdo da cozinheira, é uma crença respeitável.

Mas que o Estado reconheça oficialmente, por intermédio do PR, do presidente da AR, de ministros e condestáveis do reino, a cura do olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, queimado com salpicos de óleo fervente de fritar peixe, é uma atitude que arruína a laicidade da República e a sanidade mental dos portugueses.

O acidente ocorreu na cozinha do restaurante medieval do Castelo de Ourém onde D. Guilhermina fritava peixe. Foi em 29 de Setembro do Ano da Graça de 2000 que a visão se interrompeu pelos ressaltos do óleo. Os médicos consideraram os danos irreversíveis mas a D. Guilhermina e os familiares sabem que há um médico no Universo capaz de fazer o que nenhum outro consegue. Na noite de 7 para 8 de Dezembro de 2000, duas novenas depois de os amigos e familiares suplicarem a cura, D. Guilhermina foi para casa e, já no quarto, antes de se deitar, evocou D. Nuno com uma oração mental e beijou a imagem do beato. Benzida, certamente. De repente passou a ver. Ligou a televisão para se certificar. E viu. Confirmou-o o filho, Carlos Evaristo, um estudioso e devoto dos milagres de Fátima, director da Fundação Histórico-Cultural Oureana, que também explorava o restaurante, agora fechado porque o ramo dos milagres está florescente e o negócio da restauração vai mal.

Que sorte não ter apanhado um filme com bolinha pois a devota preferiria a cegueira às cenas da TV.  Assim, foi bom para todos. D. Guilhermina vê, o filho pode apresentar uma tese de mestrado em milagres, a Igreja aumenta o turismo religioso e a Região de Turismo de Leiria/Fátima amplia a oferta taumatúrgica.

Só perde D. Nuno que tinha milagres no foro da oncologia à espera do atestado médico e o País que anda de rastos e vai continuar de joelhos.
A vingança do Vaticano, contra a Espanha laica, serve-se em forma de milagre, alçando aos altares quem dizimou 36.000 castelhanos. O novo santo é a espada que Bento XVI esgrime contra o país que já foi dos Reis Católicos (devem estar em estágio para beatos) e que, agora, sucessivamente aprova a lei do aborto, os casamentos gay, as aulas de Educação Cívica a substituírem as de Religião e Moral e, finalmente, o programa de Memória Histórica sobre a guerra civil onde a Igreja esteve mais empenhada a apoiar os assassínios de Franco do que a divulgar o martírio do seu deus.

Assim, um dos 26 filhos conhecidos do prior do Crato, Álvaro Gonçalves Pereira, por sua vez filho do bispo de Lisboa, D. Gonçalo Pereira, chega aos altares no escalão máximo.

Fontes:
– O Mirante de 09-04-2009 (enviado pelo meu amigo M.P.M.)
– Jornal de Leiria de 16-04-2009, Moisés Espírito Santo
– Comunicado da AAP

9 thoughts on “O olho esquerdo de D. Guilhermina”
  • António Parente

    Saudações Republicanas e Laicas, Presidente Carlos Esperança.

    Permita-me chamar-lhe a atenção para um pequeno detalhe: os 36 mil espanhóis que vieram a Portugal não o fizeram por razões filantrópicas nem vieram passar férias. Vinham massacrar portugueses. Digamos que D. Nuno actuou numa acção de legítima defesa. Sem D. Nuno talvez hoje ainda fossemos uma monarquia e não teria existido primeira república nem o Carlos teria a certeza do Zapatero ser hoje o seu primeiro-ministro.

    Um grande abraço do

    António Parente

  • Olhar Ateu

    Caro António Parente

    “D. Nuno actuou numa acção de legítima defesa”

    A intervenção militar castelhana pretendeu fazer valer os tratados estabelecidos entre os reis D. Fernando, de Portugal, e D. João I, de Castela.
    Esse D. João I castelhano tinha exigido o casamento com a infanta portuguesa D. Beatriz, então com 11 anos, no quadro da assinatura da paz, numa cerimónia havida em 17 de Maio de 1383, em Elvas.
    Quer se goste quer não a pretensão castelhana era pois legítima.
    Cordialmente

  • Carlos Esperança

    António Parente:

    Já reparei que o Olhar Ateu lhe respondeu de forma idêntica à que eu poderia ter feito. Acrescento-lhe ainda que o conceito de nação não existia nessa altura e, muito menos, o de Pátria.

    Sendo um santo, para a ICAR, santo em todo o mundo, não sei se o Vaticano irá promover a adoração do novo santo em Castela.

    E, a propósito, acredita que foi D. Nuno que curou o olho esquerdo de D. Guilhermina?

    Diz o António Parente:

    «Sem D. Nuno talvez hoje ainda fossemos uma monarquia e não teria existido primeira república nem o Carlos teria a certeza do Zapatero ser hoje o seu primeiro-ministro».
    RE: Não é isso que está em causa. Esse facto faz de D. Nuno santo?

  • António Parente

    Carlos Esperança

    Há milhares de santos, felizmente. Não os conheço todos, nem sequer todos os santos portugueses. Não creio que haja necessidade de promover santos portugueses em Castela dado que os castelhanos têm belíssimos santos.

    Por norma não adoro santos. Nem eu nem nenhum católico porque adoração está reservada a Deus. Apenas os veneramos.

    Quanto ao milagre em concreto, não tenho opinião. Acredito piamente em todos os milagres do Novo Testamento praticados pelo Senhor mas fora do Novo Testamento não tenho necessidade de acreditar e não me interesso por milagres, seja de que natureza forem. A minha espiritualidade não assenta em milagres e não necessita deles para alimentar a fé.

    A frase que citou do meu comentário é para mostrar que o que está em causa é a política e não a religião, conforme discuti esta tarde com o Ricardo Alves na caixa de comentários doutro blogue.

    Cordiais saudações

    Quanto

  • António Parente

    Caro Olhar Ateu

    Pelo seu raciocínio posso concluir, sem faltar à verdade, que o 25 de Abril foi ilegítimo e que se algum titular do regime deposto viesse reivindicar o poder teria toda a legitimidade para o fazer e os actuais detentores do poder deveriam apear-se sem demora. Aliás devíamos entregar Portugal a Castela dado que em 1385 e 1640 fomos contra a legalidade da altura. Posso também deduzir, que a primeira república foi ilegítima pois derrubou um regime legítimo. Posso concluir, finalmente, que o amigo Olhar Ateu é contra qualquer revolução ou revolta dado que coloca em causa a legitimidade do poder.

    Dado o exposto, não entendo como o Olhar Ateu critica (?) o poder em geral e o voto do Parlamento em particular dado que o dito tem toda a legitimidade para aprovar o que aprovou, sendo poder e ainda mais poder democrático.

    Cordialmente.

  • Olhar Ateu

    Caro António Parente

    Parece-me mais curial chamar antes acto revolucionário à acção de Nuno Álvares e companheiros. Foi nesse sentido que contestei a sua frase, que lida fora do contexto pode provocar leituras diversas, e nada mais, uma vez que a “legítima defesa” estava do lado castelhano.

    Importa ver que naquele tempo não se imaginava sequer a ideia de revolução que não fôsse depois legitimada pela ascensão ao trono de alguém de sangue real.

    Constatar Isso não é pôr em causa o patriotismo de Nuno Álvares, que inicialmente até apoiava as pretensões, também legítimas, do outro príncipe D. João, que estava detido pelo rei castelhano. Apenas a inércia ou incapacidade deste é que provocou o surgimento do outro D. João, também principe mas bastardo, que depois se tornou rei.

    Note-se que a época em que ocorreu a essa revolução foi particularmente fértil em reviravoltas politicas, tanto em Inglaterra, França, Castela e também Roma e Avinhão, reviravoltas precisamente baseadas em pretensões de “legitimidades”.

    Cordialmente

  • António Parente

    Caro Olhar Ateu

    Fiquei perfeitamente esclarecido. Só por curiosidade, experimente fazer um pesquida no google sobre D. Nuno e descobrirá que há bastantes referências à canonização em sites militares e sobre defesa. Isto acontece porque D. Nuno foi, reconhecidamente, um militar brilhante.

  • João Marques

    Eu também sou Ateu, mas não sou parvo, e sei que:
    a) tenho muito orgulho em ser português;
    b) se os franceses têm orgulho na sua Joana de Orleães, porque não podemos ter nós vaidade no nosso Nuno;
    c) os espanhóis (castelhanos e afins) não vão muito à bola com o nosso Condestável – o que por si é, quanto a mim, motivo para o elevarmos aos altares dos templos em Portugal;
    d) embora tenha cometido os excessos que se lhe conhece, a vida do Nuno Álvares Pereira, foi, depois de se ter recolhido ao Convento do Carmo, um exemplo de virtude, pelo que me parece lógico que a Igreja Católica queira fazer dele um exemplo para os restantes fiéis.

    João Marques

  • João Marques

    Eu também sou Ateu, mas não sou parvo, e sei que:
    a) tenho muito orgulho em ser português;
    b) se os franceses têm orgulho na sua Joana de Orleães, porque não podemos ter nós vaidade no nosso Nuno;
    c) os espanhóis (castelhanos e afins) não vão muito à bola com o nosso Condestável – o que por si é, quanto a mim, motivo para o elevarmos aos altares dos templos em Portugal;
    d) embora tenha cometido os excessos que se lhe conhece, a vida do Nuno Álvares Pereira, foi, depois de se ter recolhido ao Convento do Carmo, um exemplo de virtude, pelo que me parece lógico que a Igreja Católica queira fazer dele um exemplo para os restantes fiéis.

    João Marques

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