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Do destino

Há quem acredite que uma pessoa só morre quando chega a sua hora, do mesmo modo que há quem acredite no destino.

Tudo bem.

Por mim, até podem acreditar nas promessas eleitorais. Eu é que não acredito – nem no destino, nem na hora pré-determinada para morrer. Nem, naturalmente, nas promessas eleito­rais. Nem em muitas outras coisas que agora não vêm ao caso.

Na verdade, as coisas não são assim tão simples; e o mero facto de acreditar nisto ou na­quilo, tem muito que se lhe diga, torna-se muito complicado, por muito simples que pareça.

Vejamos, por exemplo: eu dou um tiro num freguês qualquer, e mato-o. A minha pergunta é: tinha, ou não, chegado a hora da morte do cidadão? A pergunta parece cavilosa, mas não é. Por­que duas questões se nos deparam imediatamente: se ainda não era chegada a hora de o ca­ramelo morrer então prova-se, sem que reste a menor margem para qualquer resquício de dúvi­da, que a hora da morte pode ser quando um homem quiser, como o Natal. O que põe logo em causa a legiti­midade da crença acima referida; por outro lado, se já era a hora de o ex-cidadão, ora transformad­o, para poder servir de exemplificação, em respeitável defunto, deixar este vale de lágri­mas, eu pergunto por que carga de água há-de a polícia andar atrás de mim, se eu me li­mitei a cumprir os desígnios do altíssimo, seja lá isso o que for? Sim, porque não é de desprezar a hipóte­se de o ho­nesto cidadão se ter esquecido de que era chegada a sua hora ou, mais grave ainda, de se tratar de um cidadão relapso que, mesmo sabendo que era chegada a sua hora, se tenha positivamente borri­fado para o assunto, sem o menor respeito pelo cumprimento dos altos desígnios. Ora, assim sendo, a polícia apenas teria que se limitar a ouvir as minhas explicações e a mandar-me em paz, com dis­pensa absoluta de entrada nos calabouços.

Mas não é isso que acontece; por isso, não me venham lá com as histórias da chegada da hora, e mais não-sei-quê.

 

In “Enquanto As Armas Falavam”  Editora Lugar da Palavra.

7 thoughts on “Do destino”
  • joel

    Tens razão Zeca, tu vês sempre as coisas com uma agudeza de espírito extraordinária. Se não fosses tu mais a tua enorme cultura geral, a estas horas do campeonato, ainda andavam por aí os cristãos a denegrir os respeitáveis imperadores romanos, a difamar os nomes de Nero e Diocleciano, dizendo que eles os perseguiam, que os lançavam às feras e não sei que mais. Essa vai a ser a tua tese de doutoramento na disciplina de revisão histórica, Moreira ? Ou agora estás mais virado para a problemática filosófica do livre-arbítrio ?Podias fazer uma parceria com o Stefano. Enquanto ele mostrava que os comunas e os ateus são sempre bons, tu mostravas que os imperadores romanos sempre foram muito tolerantes com os cristãos. Que tal, não achas que essa obra conjunta iria fazer furor perante a opinião pública mais culta do nosso país ? Portugal o que precisa é de gente atinada e intelectualmente evoluída, como tu e o Stefano.

    • Molochbaal

      Não tem nada a ver com o post.

      Como de costume.

      Olha. desafia-o para um duelo, como fazes comigo.

      Assim, como assim, está ao nível da inteligência que demonstras na tua argumentação – fugir a todos os assuntos como uma lebre.

      • GriloFalante

        O rapaz continua a não perceber patavina. As únicas coisas que sabe é que os grilos são insectívoros e que Zeus é o pai dos deuses romanos. O que significa que nem as coisas mais comezinhas ele percebe.

        Mas tem lata para mandar os outros para a escola. Tem lata como um penico, o raparigo.

  • Agnóstico

    Vá José Moreira, não sejas tão céptico, olha que Deus é um ENIGMA ABSOLUTO, vê se te comportas de forma mais humilde:

    ” SE EXISTE ALGO OU NÃO QUE POSSAMOS CLASSIFICAR DE “DEUS” É
    UM ENIGMA ABSOLUTO E A ÚNICA ATITUDE LÓGICA É CONFESSAR HUMILDEMENTE QUE NÃO FAZEMOS A MÍNIMA IDEIA”

    Molochbaal

    ” Acreditar, saber e afirmar”, DduA, de 24/9/2013

    • Molochbaal

      É verdade.

      Logo, quem diz que deus é bom, só pode ser um mentiroso de merda. Porque sabe perfeitamente que não tem a mínima ideia do que está a falar.

      Entretanto, ninguém conhece deus, mas todos conhecemos o mundo.

      E aí podemos ter uma certeza absoluta.

      O mundo está cheio de sofrimento.

      Logo, é impossível que tenha sido criado por um deus bom.

      Porque ninguém que seja absolutamente bom, pode criar deliberadamente o mal.

      É das poucas certezas absolutas que alguém pode ter.

  • Molochbaal

    Conclusão.

    Os polícias são ateus. 🙂

    A falar a sério, para a sociedade funcionar, mesmo os crentes têm de proceder como se deus não existisse.

    É o típico – fia-te na virgem e não corras…

  • Will.Son

    Credo, o cara não entende um simples raciocínio. O ditado ‘uma pessoa só morre quando chega a sua hora’, ou seja a pessoa morre não por desígnio de Deus, ou altíssimo, por sua trama ou cabala, mas senão pelo momento em que seu corpo entra em colapso e as suas funções básicas são bloqueadas, ou seja na hora, no momento em que isto acontece. Não tem nada a ver com crença…Neste pobre exemplo, o encontro da bala em rotação em alta velocidade com uma parte vital do corpo, num momento, numa hora, provocou sua morte. Ah, e destino é onde vc está neste exato momento. Compreende???

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