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Confrangedor.

Escreve o Alfredo Dinis que o panorama dos blogs ateístas em português é «confrangedor [porque] os crentes são considerados pouco ou mesmo nada inteligentes, ignorantes, incapazes de pensarem pela sua própria cabeça, sem qualquer espírito crítico, dispostos a acreditar no quer que seja, hipócritas, exigindo que todos respeitem as suas crenças e práticas», o que «não pode estar mais longe da verdade»(1). Eu não descarto os crentes como meros agregados de defeitos mas, por outro lado, também não diria que a descrição está assim tão longe da verdade. Nem que são só os ateus a pensar isto dos crentes. A situação é mais complexa e multifacetada do que aquilo que o Alfredo sugere.

Se o Alfredo não restringir a definição de “crente” a algo como “teólogo católico doutorado em filosofia” e aceitar como crentes todos os que veneram um ou mais deuses, certamente verá muita ignorância e falta de espírito crítico nesse grupo, com criacionistas evangélicos, fundamentalistas muçulmanos, praticantes de vudu, candomblé e xamanismo, e afins. Um grupo, em média, menos tolerante do que os ateus. Há terrorismo religioso, países com penas de prisão ou de morte por apostasia e até a Igreja Católica persegue quem se atreve a desmascarar milagres da treta (2), manda censurar revistas (3) e cancelar campanhas publicitárias (4) por “falta de respeito”. Por cá, temos benefícios legais para as religiões sem nada equivalente para os ateus. Quanto à hipocrisia, também não me surpreende a acusação.

Por exemplo, apesar de, em Julho, o Alfredo considerar confrangedor chamar os outros ignorantes ou pouco inteligentes, em Maio escreveu de Dawkins que «a sua leitura da Bíblia – literalista e descontextualizada – não é a única possível, nem a mais informada e inteligente»(5). Em rigor, o Alfredo chama de ignorante e pouco inteligente à posição de Dawkins e não ao Dawkins em si. É uma distinção importante. Mas é a mesma que muitos ateus fazem. Eu não diria que pessoas como o Alfredo são pouco inteligentes, mas considero uma parvoíce a crença de que o criador do universo encarnou no filho do carpinteiro para morrer por nós. Se esta alegação é confrangedora e a do Alfredo não, então o critério dele é inconsistente.

Pior ainda é a diferença entre o que padres como o Alfredo dizem aos ateus e a doutrina que transmitem ao seu rebanho. Se compararmos uns milhares de pessoas doentes que vão a Fátima pedir curas, com outras, em situação análoga, que não pedem nada a Deus, qualquer diferença significativa a favor dos crentes será favorável à hipótese de Deus. Mas, dirá o Alfredo aos ateus, esta é uma forma incorrecta, e ignorante, de conceber Deus porque Deus não intervém nestas coisas e a sua existência não pode ser testada empiricamente. O problema é que isto classifica de ignorantes as multidões de crentes que vão a Fátima convencidos de que Deus vai intervir para bem deles. Ou seja, fazem o mesmo que o Alfredo diz ser confrangedor nos ateus e ainda encorajam os crentes, recebendo, com satisfação, as oferendas dos ignorantes que lá vão ao engano. Não é estranho que alguns vejam nisto hipocrisia.

Até o diálogo com o Alfredo levanta este problema. Por exemplo, o Alfredo continua a insistir que o universo não pode ter surgido do nada porque o conceito filosófico de nada proíbe que alguma coisa de lá surja (5). Mas, como já expliquei (6), o conceito não importa porque desses inventamos quantos quisermos. Também podemos conceber a combustão como um processo que produz flogisto ou a Terra como estando no centro do universo. O que importa é saber quais conceitos correspondem à realidade, e esse conceito filosófico de nada não corresponde. Por muito filosoficamente que se conceptualize, não há flogisto, o universo não tem centro e o nada não é como o Alfredo julga. É um estado instável no qual surgem partículas espontaneamente. Infelizmente, só vejo três explicações para esta teimosia do Alfredo. Ou não tem capacidade para compreender o assunto, ou lhe falta conhecimentos para perceber a física, ou então percebe bem o problema mas finge o contrário. Conhecendo pessoalmente o Alfredo, não posso aceitar as duas primeiras, mas também me custa aceitar a última. Fico assim de decisão suspensa só para evitar pensar mal do Alfredo. Mas nem todos terão a mesma relutância em formar uma opinião.

Finalmente, há uma recusa sistemática em reconhecer o problema fundamental. Citando um amigo, o Alfredo escreve que «há coisas que não vale a pena explicar. Ou porque são evidentes, e não é necessário explicar. Ou porque não são evidentes e não adianta explicar.» Isto é um disparate. O que não é evidente tem de ser explicado – e bem explicado – para que se perceba. E o que parece evidente tem também de ser explicado porque muitas vezes é falso. Só pela explicação é que percebemos que, ao contrário do que parecia, a Terra afinal não é plana nem a chuva vem dos deuses. Quer para o conhecimento quer para o diálogo, é preciso justificar adequadamente o que alegamos ser verdade. Os crentes também exigem isto dos seus interlocutores, mas isentam-se muitas vezes deste dever. A parábola que o Alfredo publicou a seguir ilustra bem isto (7). Dois fetos conversam na barriga da mãe. Um acredita que vai haver vida depois do nascimento. Que vai haver luz, que vão andar com os pés, comer com a boca, conhecer a mãe e assim por diante. O outro, do contra, diz que não. A mensagem parece ser que o crente acerta em tudo só por crer. Por pura sorte. Acredita e, hocus pocus, é verdade. Se é esta a atitude com que entram num diálogo não se devem admirar da má impressão que causam. Se, a quem nunca tivesse ouvido falar do catolicismo, eu alegasse saber pela fé que o criador de tudo é três pessoas numa só substância, pai, filho e espírito santo, o mais certo seria julgarem que eu não estava bom da cabeça, ou não fazia ideia do que dizia ou estava a aldrabar alguém.

1- Alfredo Dinis, ateísmo (em) português (1)
2- What’s up Finland, Sanal Edamaruku and the Catholic church
3- Spiegel, Pope Takes German Satire Magazine to Court
4- Huffington post, Benetton Ad Withdrawn Same Day As Release
5- Em Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo e insistindo novamente no Prós e contras.
6- Equívocos, parte 14. Filosoficamente nada.
7- Alfredo Dinis, citando um comentador, a vida depois da vida

Em simultâneo no Que Treta!

17 thoughts on “Confrangedor.”
  • Carlos Esperança

    A força dos argumentos contra a obstinação da fé. Brilhante.

  • Citadino

    É difícil estar em desacordo…excepto para o Alfredo Dinis, é claro…

    • GriloFalante


      excepto para o Alfredo Dinis, é claro…”
      E para o cínico/antonio fernando também.

  • antoniofernando

    Ludwig:

    Um pouco mais neste seu estilo e,pelo andar da carruagem, você começa a ficar perigosamente mais próximo dos panfletos estupidificantes do Carlos Esperança e dos posts imbecilóides do Luís Grave Rodrigues. Você anda a deitar muita areia na peneira e já começou a confundir alhos com bugalhos, como aquela sua frase anedótica de que areia deitada numa peneira não é inteligente por passar nos buraquinhos. E olhe que o aplauso entusiástico do Carlos Esperança não augura nada de bom a propósito da pequenez deste seu texto, sobretudo na parte em que a chinela lhe saltou do pé e o Ludwig não se coibiu de proferir este enorme dislate:

    “Eu não descarto os crentes como meros agregados de defeitos mas, por
    outro lado, também não diria que a descrição está assim tão longe da
    verdade.”

    Olhe que, perante este seu dito tão cretino, quase me convenço que afinal é capaz de ser mais fácil encontrar um robô inteligente do que imaginar possível que você descambasse tão baixo. Que grande trambolhão Ludwig. Continue assim e qualquer dia está ao nível do Kavkaz.

    • antoniofernando

      “Por muito filosoficamente que se conceptualize, não há flogisto, o
      universo não tem centro e o nada não é como o Alfredo julga. É um estado
      instável no qual surgem partículas espontaneamente.”

      LK

      É uma anedota, esta do espontâneo surgimento das partículas do nada.
      É ainda pior do que a emergência da organização da vida do cego acaso.Só mesmo para rir, não é Ludwig ? É esse o seu critério de cientificidade ? Robôs inteligentes, vida surgida do mero acaso e agora as partículas que fazem plim-plim, saidas ” espontaneamente” do nada?

      Olhe, sabe que mais, você com essa tirada das partícula espontâneamente surgidas do Nada ( que afinal é quase Nada…), fez-me lembrar o Alexander Ross, com a sua especial vocação para essas teses anedóticas das gestações espontâneas:

      “Então pode ele (Sir Thomas Browne) duvidar se do queijo ou da madeira se originam vermes; ou se besouros e vespas das fezes das vacas; ou se borboletas, lagostas, gafanhotos, ostras, lesmas, enguias,
      e etc., são procriadas da matéria putrefeita, que está apta a receber a
      forma de criatura para a qual ela é por poder formativo transformada.
      Questionar isso é questionar a razão, senso e experiência. Se ele duvida
      que vá ao Egito, e lá ele irá encontrar campos cheios de camundongos,
      prole da lama do Nilo, para a grande calamidade dos habitantes.

      Você, com essa tirada do surgimento espontâneo das partículas,a partir do “estado instável”fez-me lembrar os camundongos do Alexander Ross.

      Mas ao menos este não se atreveu a proclamar que o Nada não é como o Alfredo Dinis pensa, ou seja, que o Nada afinal é um mero estado instável donde provêm as partículas elementares aos pulinhos.

      E andam ai uns cientistas, ao estilo Stephen Hawking, a dizer que o universo pode surgir do Nada e , se não fosse o Ludwig, a estas horas ainda estavam a pensar que o Nada era mesmo Nada.

      Afinal, só anda lá perto…

      • Cristão verdadeiro

        Afinal, fartaste-te de papaguear, e não disseste… nada.
        Para além de seres bom a citar (eu também sou, a Internet é um mundo…), não conseguiste contradizer uma única vírgula do LK..
        És pobrezinho, mas isso nem é defeito. És assim…

        • antoniofernando

          É, o Ludwig é que é um grande sabichão. Acabou de descobrir que o Nada não existe, é Quase Nada, anda lá perto, mas Nada mesmo Nada é apenas Quase Nada. Depois, conseguiu descortinar que desse “local instável” surgem umas partículas elementares aos pulinhos, a fazer pli-plim, perante os olhos encantados dos cientistas. Andava o empenhado do Stephen Hawking a defender a tese de que as leis da física admitem a possibilidade do Universo ter surgido do Nada, mas afinal andou lá perto, no Quase Nada. Coitado do Hawking. Quanto ao Alfredo Dinis vai ter que assimilar a profundidade do pensamento do LK sobre o Quase Nada e podia também aproveitar para receber umas lições do Ludwig sobre a magnificência da inteligência artificial dos robôs, em contraponto à estupidez crassa dos grãos de areia que conseguem passar pelos buraquinhos da peneira. Eu, por mim, farto-me de rir com estes recentes disparates do Ludwig. Deve andar a assimilar o nível intelectual dos diversos kavkazianos que por aqui andam e por isso deu um enorme trambolhão do seu anterior nível discursivo. Isto está a ficar cada vez mais divertido. Até o LK se estatelou com um enorme estardalhaço.Deve estar a precisar de férias, uns mergulhos no mar, algumas sereias para descobrir, que esta maré das partículas a fazerem plim-plim do Quase Nada perturbou-lhe a mente estruturalmente ateísta.

      • Ludwig

        António Fernando,

        «É uma anedota, esta do espontâneo surgimento das partículas do nada.»

        Podes rir-te se quiseres. Não tem mal. Mas é um facto que do nada surgem partículas espontaneamente. É como a natureza funciona. Se te incomoda, podes sempre fingir que não é assim, inventar tu uma versão simplificada e até acrescentar-lhe uns deuses para ficar mais bonita. Mas isso não altera os factos.

        • GriloFalante

          “Uns deuses”, vírgula! O deus dele, se fazes favor. Privativo, para que conste.

        • antoniofernando

          É, Ludwig, fartei-me de rir com a tua concepção de ” nada”, que afinal é apenas de ” quase nada”. Anda lá perto. Olha que ainda te arriscas a que te nomeiem para o prémio Nobel da Física. Afinal és o único ser humano que afirma saber o que aconteceu antes da singularidade do Big Bang, quando, na tua apodítica tese, umas partículas elementares saltaram do Quase Nada instável. Só há uma ligeira dificuldade em relação ao teu palpite: nenhum cientista sabe o que existia antes do momento 0 do Big Bang, exceptuando a tua sapiente pessoa. Ou seja, Quase Nada se sabia desse momento 0 até ao dia em que nos vieste deslumbrar com a tua fina retórica ateísta.

          • Citadino

            Sobre o teu deus de trazer por casa é que ainda nenhum cientista descobriu nada. Por que será?

          • antoniofernando

            Por que será ? Conheces pelos vistos muitos cientistas que andam à procura da ” prova científica” de Deus ? E conseguiram licenciar-se ? Mas por que será que ainda há gente, como tu, que faz este tipo de perguntas tão caricatas ? Esse tipo de debate já não se usa, é pequeno demais para poder ser levado a sério.

            Eu ainda me estou é a rir com a mais recente intervenção do Ludwig, ao tentar refutar que o conceito filosófico do Nada proíbe que alguma coisa de lá surja e ao procurar demonstrar que ” o nada é um estado instável no qual surgem partículas espontaneamente”.

            Ou seja, na nova concepção filosófico-científca do Ludwig, o Nada não é exactamente um Nada, é algo como um estado instável. Porra, é pouco mas é já algo.

            O problema só se complica no momento 0 do big bang, pois aí não se sabe o que materialmente existia ou se algo existia.

            Dizem os cientistas que o início do big bang começou com um átomo primordial, mas antes disso nenhum cientista pode responder à questão sobre se algo existia.

            Então o que havia no momento 0 do big bang ? A melhor resposta é esta: não se sabe.

            Mas o LK, que tudo julga saber, e que chama parvoíce ao que muito lhe dá na real gana, esqueceu-se da sua própria parvoíce:

            Que ninguém pode asseverar se algo existia no momento 0 do big bang…

          • GriloFalante


            Então o que havia no momento 0 do big bang ? A melhor resposta é esta: não se sabe.”
            Claro que se sabe! Para isso a TUA ICAR já tem a resposta, há muitos anos: foi deus. Está resolvido, e a ciência pode, enfim, descansar. Está tudo “explicado”.

          • antoniofernando

            Por mais que tentes não consegues grilinho patarata: não sou católico, podes repetir essa cantilena um milhão de vezes que a mim só me dá gozo ver-te sempre na minha sombra.

          • Citadino

            O teu Deus ou o da ICAR pouca diferença fazem. São dois nabos inventados por nabos e adorados por nabos…

          • antoniofernando

            Fazes-me rir. Tu e o grilinho só sabem dizer umas piaditas pífias. Vocês não têm estaleca para discussões filosoficamente evoluídas, são mesmo uns grandes pataratas.

          • Cristão verdadeiro

            Apoiado, caro antonio fernando. Chega-lhes. Dá-lhe exemplos de discussões filosoficamente evoluídas.
            “És um nojo, grande aldrabão.”
            ou
            “Este texto é o cúmulo da nojice deturpadora.”
            ou
            “A única conclusão a tirar deste nojento texto é que o Kavkaz é um pateta”
            ou
            “És um frustrado e um constante mentiroso.”
            A ver se eles aprendem a discutir filosoficamente…

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