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  • 20 de Junho, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • Religiões

Até amanhã, se eu quiser

Habituei-me há muito a diversificar a forma como saúdo ou me despeço das pessoas com quem convivo. É tão frequente usar um simples aperto de mão, um caloroso abraço ou um pudico beijo, em silêncio, como dizer de forma exuberante: até ao dia tal, se eu puder, se eu quiser ou se nós pudermos.

A  beata missionação que corrói a vontade e mina o sentido crítico reduz a língua que falamos à vacuidade litúrgica das frases feitas.

O cumprimento entre pessoas deixou de ser a expressão de um sentimento para se tornar na declamação ritualista que exonera a consciência e exclui os afectos. Não se exprime o pensamento, recorre-se ao bordão que evita ao cérebro o uso de neurónios e à pessoa o incómodo de revelar a sua natureza.

Até os locutores das televisões, incapazes de adicionar ao texto do noticiário que lêem o cumprimento que devem aos ouvintes, se refugiam no «até amanhã, se deus quiser».

As frases inúteis não chegam a ser partículas de realce, são remendos de um pano de pior qualidade no tecido da prosa que debitam.

Quando os vejo com aquele ar ausente, a recitar o «até …, se deus quiser», lembro-me dos relógios parados, com a corda quebrada,  que todos os dias estão certos duas vezes. Deus só acerta uma vez na vida.

5 thoughts on “Até amanhã, se eu quiser”
  • Ricciardi

    Caro Carlos Esperança,

    Quando conseguir provar que deus não existe (OXALÀ que o consiga) terei o maior prazer em sauda-lo da forma que quer… até lá fiquemo-nos pelo cumprimento a que a tradição e cultura nos habituou.

    'Provavelmente' Deus existe.

    RB

  • Bentoangela

    Carlos, revejo o meu dia-a-dia nas suas palavras. Além dos cumprimentos, essa expressão tão ambígua substitui um Felizmente ou um “graças a mim”

  • Carlos Esperança

    Ricciardi:

    Não o impediria, mesmo que pudesse, de usar a expressão que queira. Pelo contrário, bater-me-ia para que pudesse continuar a usá-la.

    Mas os ateus merecem que os crentes não os fustiguem com expressões do marketing religioso.

  • ajpb

    eu, que sou ateu, concordaria para deleite dos crentes, que essa expressão ( se … quiser) se transformasse em lei…
    MAS, POR FAVOR, PRIMEIRO PROVEM A EXISTÊNCIA DE UM DEUS, QUALQUER QUE ELE SEJA, MESMO QUE MUITO PEQUENINO…
    não fica bem, andar aqui a fazer tropelias durante toda a vida humana à custa de um deus que vocês defendem mas não conseguem sequer aplicar…
    até lá fiquemo-nos por dar liberdade a todos para se cumprimentarem conforme quiserem e sem que as tradições se transformem em amarras…

  • anónimo

    Tu podes crer, mas se Deus não quiser, a tua vontade nada vale.

    Se Deus quiser, porque, por mais que te esforces, tu só queres se Ele te deixar!

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