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ICAR – Como se faz um milagre

Imagine, caro leitor, que um pobre diabo, sem emprego nem casa, sem pão e sem futuro, combinava explorar a superstição popular com um dos muitos doentes a quem o médico coloca no processo «doença incurável», para lhes serem pagos os transportes do local de residência até ao hospital.

Imagine que o doente «incurável», depois de curado, se metia na Igreja a agradecer à avó do primeiro, defunta há muitos anos e devota em vida, por tê-lo curado, alegando que lhe beijou a foto a preto e branco e que rezou duas ave-marias enquanto lhe pedia a cura.

Imagine que era numa dessas aldeias onde a luz chegou há pouco e a fé se instalou há muito, que sendo grande o analfabetismo não lhe faltou o padre, que não tinha telefone mas lhe sobravam devotas e que a população se transferia para casa da miraculada (os milagres são mais frequentes em mulheres) armada de terços e sôfrega de ave-marias.

Quando começassem a ficar as primeiras peças de ouro e as velas a enegrecer o tecto da casa, não faltariam devotos vindos de longe nem o padre a sugerir que a Igreja não se pronunciava. A paróquia seria referida pelo bispo com ar de quem punha em dúvida o prodígio para mais tarde poder dizer que não foi a Igreja que impôs o milagre mas o milagre que se impôs à Igreja.

Se, então, os brincos, cordões de ouro e outras jóias ou euros dos crédulos começassem a ser distribuídos entre os dois conluiados, a miraculada e o que teve a ideia, a Igreja logo denunciaria a tramóia e ameaçaria os crentes com as perpétuas penas do Inferno se persistissem no culto. Se, pelo contrário, a paróquia conseguisse arrecadar o pecúlio, não faltariam vozes que apregoassem o milagre e nunca mais escasseariam flores na campa da defunta avó nem mimos e promessas do Paraíso na casa da miraculada.

Só o desgraçado da ideia teria de ir tentar outro expediente.

Um milagre reconhecido pela Igreja é uma fonte de rendimento, caso contrário é um assunto de polícia.

12 thoughts on “ICAR – Como se faz um milagre”

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  • antoniofernando

    A Lei da Conservação da Massa de Lavoisier veio demonstrar que, em qualquer sistema, físico ou químico, nunca se cria nem se elimina matéria, apenas é possível alterá-la de forma. Filosoficamente falando, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Claro que aquilo a que chamamos ” matéria” é apenas uma parte da realidade. Porque, ao nível sub- atómico das partículas elementares, a noção de “matéria” dá lugar à de “energia”.Um átomo é formado por cerca de 90% de “vazio”. Mas o ” vazio” também não existe, apenas por simplificação de linguagem assim é caracterizado. Quando os físicos quânticos começaram a analisar a “matéria” elementar, verificaram que ela constantemente se subdividia. E, a partir de um certo nível de subdivisão, já se começa a falar na ” teoria das cordas”, segunda a qual as partículas primordiais são formadas por energia que, vibrando em diferentes níveis, assim formaria distintas partículas. De acordo com essa teoria, todas aquelas partículas que considerávamos como elementares, como os quarks e os electrões, são na realidade filamentos unidimensionais vibrantes, a que os físicos deram o nome de “cordas”. Ao vibrarem, essas cordas originariam as partículas subatómicas juntamente com as respectivas e diversificadas propriedades. Para cada partícula subatómica do universo, existirá um padrão de vibração particular das “cordas”. Essa teoria é, no entanto, ainda meramente especulativa, embora chegue ao ponto de admitir a existência, não de quatro dimensões (três eixos espaciais e um temporal) mas 26.O Universo ” parece” ser um ” bocadinho” complicado, não? Mas a Lei de Lavoisier já demonstrou cientificamente que a Eternidade existe. Não estou a falar de Céu, no conceito divino do termo. Mas de Perpetuidade do Universo, no seu sentido científico. É algo impressionante, não é? Que nem um só átomo seja possível verdadeiramente aniquilar, mas, quando muito, desagregar em novas formas de energia. Será esta Eternidade passível de ser perspectivada como Milagre? Ou seja, como algo extraordinariamente maravilhoso, independentemente de acreditarmos ou não em Deus? Milagres, segundo o conceito teológico, são aqueles eventos da dimensão material que parecem sobrepor-se às leis da Natureza? Mas alguém sabe o que são as “leis da natureza” ? Pela teoria das cordas já vamos em 26 dimensões. Sabe-se lá que mais surpresas o Futuro nos reserva no domínio da Ciência. Convém sermos por isso um bocadinho prudentes, e já agora modestos, quanto a asseverarmos que nenhum acontecimento pode contrariar as ” Leis da Natureza”, quando ainda estamos a anos-luz de entendê-las. Os primeiros homens que viram a água, a ferver, volatilizar-se diante dos seus olhos também devem ter tido dois tipos de atitudes. Uns disseram que era milagre. Outros que devia ser alucinação alguém afirmar que vira a água desaparecer por aparente magia, quando era “ por demais evidente” que a água “não podia” evaporar-se. Afinal, no seu desconhecimento, ainda os homens primitivos pouco sabiam das verdadeiras Leis da Natureza.Hoje,a moderna ignorância quanto ao conhecimento da totalidade dessas leis mantém-se, mas os homens são, no entanto, mais auto-convencidamente arrogantes…

  • Pedro

    -|- -|-
    M MA

    Obviamente que as coisas poderão não ser bem assim como aqui é descrito aqui neste post com descrições de zombador mas como se costuma dizer eu não acredito em bruxas mas que elas existem, existem.

  • JoseMoreira

    Gostei, António Fernando! A sério.Apesar de crente, conseguiste demonstrar que essa estória de milagres é isso mesmo: estória. Tal como a “eternidade” que as igrejas andam a trocar por dízimos, óbolos e outras dádivas.

  • antoniofernando

    José Moreira:

    Não retires conclusões precipitadas que o Povo é sereno. Olha que os tipos da ” Teoria das Cordas” já vão em 26 dimensões cósmicas e sabe-se lá o que é que eles ou outros cientistas ainda vão descobrir em termos de ” Leis da Natureza”. Por enquanto, ainda a procissão positivista vai no adro.É preciso ter calma…

  • jovem1983

    Caríssimo antoniofernando:

    Não concordo consigo quando escreveu que os trabalhos de Lavoisier demonstraram cientificamente que a eternidade existe, porque essa é apenas uma hipótese. O que ficou demonstrado foi a transformação da matéria sobre determinadas condições.

    Apreciei a sua pertinente distinção entre Ciência e Religião relativamente ao conceito de perpetuidade, pois as abordagens são distintas, contudo não partilho de uma interpretação sobre a arrogância do lado da Ciência.
    Explico melhor, a produção científica, a demonstração das hipóteses previamente enunciadas, segundo a identificação dos limites e condicionantes das experiências, não podem ser classificados sob essa premissa, pois são o resultado inerente ao facto demonstrado. Todavia reconheço que há promotores de hipóteses que ainda não foram demonstradas que adoptam posições impermeáveis a outras hipóteses de outros domínios, mas esse sentimento não é de modo algum apanágio do campo cientifico, assistimos posições similares do campo religioso.

    Tenho grande admiração pelo campo científico, sobretudo pelos preceitos metodológicos que encerra. Quando devidamente aplicados, as hipóteses fundamentadas são alvo de investigações e, posteriormente, quando confirmadas, podem ser revistas e replicadas por outras pessoas, e assim aumentar o conhecimento produzido pela humanidade, abrindo outros campos para novas investigações. Tudo o que se mantenha no domínio da teoria é por mim considerado como tal até ser devidamente demonstrado e, como já tive oportunidade de escrever, também reservo esse cepticismo para o que aparentemente pode não ter actual explicação. E assim partilho da sua afirmação que estamos longe de entender as ditas “leis da natureza”, mas aquelas que compreendemos são um dado adquirido de valor para as nossas vidas, e aquelas que actualmente não compreendemos, paulatinamente vamos ainda compreender.

  • Josecamoreira

    “… sabe-se lá o que é que eles ou outros cientistas ainda vão descobrir em termos de ” Leis da Natureza”.
    Tens toda a razão mas, como sabes – e melhor do que eu, pelo que leio – os “milagres” nada têm a ver com as “leis da natureza”. De contrário, não seriam “milagres”.
    Penso eu de que…

  • antoniofernando

    Caro Jovem 1983:

    Grato pela sua intervenção. Discordar é o que há de mais natural. Até hoje, nenhum cientista repito, nenhum pôs em causa a Lei de Lavoisier. E isso, a meu ver, significa o princípio da não destruição da matéria. De toda a matéria e de todos os átomos existentes, desde o início do big bang ou dos sucessivos big bangs, se for o caso. Claro que a matéria se desagrega, se divide, recompõe e reorganiza. Mas, das duas uma: ou a Lei de Lavoisier está certa ou errada. Se estiver cientificamente certa – e volto a repetir: nunca nenhum cientista a pôs em causa – então ” na Natureza nada se cria ,nada se perde, tudo se transforma”. Os postulados científicos são válidos enquanto não forem refutados através de outras avaliações que os ponham em causa. Já aqui dei o exemplo de que a asserção, segundo a qual ” a distância mais curta entre dois pontos é uma linha recta” está cientificamente errada. Sendo todo o Universo curvo, nenhum geómetra consegue traçar uma linha recta num espaço curvo. E isto não é ficção, nem palpite, mas realidade. Ou então demonstrem-me que o espaço não é curvo e que é possível traçar uma linha recta num espaço que o não é. Similar situação se passa com a Lei de Lavoisier. Se a matéria é intrinsecamente indestrutível – e, volto a frisar, a sua indestrutibilidade não significa que não possa ser desagregada, em novas combinações atómicas ou energéticas – então é correcto, sim, afirmar que a Eternidade já existe, nos exactos termos em que circunscrevi essa definição, no meu primeiro comentário. Se considerarmos que a Ciência é critério de referência, então também é para se extrair os consequentes corolários. Aquilo que é válido para a Lei de Lavoisier também pode ser válido, por exemplo, para a possibilidade de existência da mente, dissociada do corpo, como alguns estudos neuro-científicos sobre as experiências de quase morte podem indiciar. Se essa dissociação existir, a tese biológico-organicista de António Damásio estaria errada. E poderia significar que cada um de nós tem uma essência que perdura para além do domínio estritamente físico dos nossos corpos. O Budismo não é teísta nem ateísta. Não afirma nem nega Deus. Simplesmente não discute a questão teológica. Mas os budistas enfatizam a existência da mente ou da consciência para além dos corpos físicos. O que levanta, a meu ver, um outro e bem interessante tema. Poderemos existir para além da dimensão física, num estado mais etéreo de inteligência racional, independentemente de acreditarmos ou não em Deus. Quando a água se evapora, deixamos de vê-la. Mas isso não significa que a sua essência desapareça. Apenas significa que mudou de forma. Pode retorquir-me, contrapondo que os seres humanos não são água, apesar de sermos compostos por uma enorme percentagem dela. É verdade. Mas nós temos a capacidade de irmos progressivamente deslindando as Leis da Natureza, onde e como quer que estas se manifestem, independentemente do actual estado da nossa ignorância e das nossas preconceituosas visões…

  • antoniofernando

    José Moreira:

    Consegues correr 100m em 10 s ? Não consegues.1 bilião de pessoas consegue correr 100 m em 10 s? Não conseguem. Alguns, muito poucos, indivíduos conseguem correr 100m em 10 s ? Conseguem. Isso contraria as Leis da Natureza, pelo facto,de, em todo o planeta, muitos raros serem capazes de o fazer ? Não contraria, por muito invulgar que o seja. Tu não és capaz de realizar proezas dessa dimensão. A maior parte dos seres humanos também não. Segundo os relatos dos Evangelhos, Cristo teria andando sobre as águas do mar. Realidade ou ficção ? Tudo depende de saber se a levitação é possível, apesar de, aparentemente, contrariar a conhecida Lei da Gravidade.Mas tenhamos calma que o Povo é sereno e os físicos teóricos da ” Teoria das Cordas” ainda ” só” descobriram 26 dimensões cósmicas e homens verdadeiramente excepcionais há muito poucos…

  • jovem1983

    Caríssimo antoniofernando:

    A Lei de Lavoisier está provada, nesse aspecto não discordo consigo, referi apenas que a análise realizada sobre a matéria permitiu verificar unicamente essas suas características, sendo a perenidade uma hipótese que tem apenas validade no campo teórico. Em teoria, segundo os atributos da matéria, existem condições para essa perenidade, contudo esse aspecto não foi demonstrado nas experiências, pois certamente será algo que apresenta grandes dificuldades de demonstração.
    Como escreveu, os postulados científicos têm validade até serem refutados, mas a demonstração dos resultados não é de modo algum invalidada, mas sim reformulada segundo os novos desenvolvimentos. Por exemplo a Teoria do Big Bang, em vários aspectos conheceu diferentes reformulações teóricas, precisamente porque os dados progressivamente recolhidos abrem o espectro do debate científico para outros níveis, contudo os resultados das investigações anteriores que foram demonstrados não são de modo algum invalidados, mas reapreciados no contexto de outra(s) definição(ões) teórica(s).
    Em relação aos outros exemplos que mencionou, como se resumem a hipóteses enunciadas que ainda não foram demonstradas, mantenho a minha posição céptica em relação à sua validade e consequente veracidade, reconhecendo apenas o seu valor enquanto princípios de uma dada teoria até à sua devida demonstração.

    Cumprimentos.

  • JoseMoreira

    António Fernando:
    Continuo a concordar contigo. O contrariar as leis da natureza é, no fim de contas, tão humano como obedecer a essas mesmas leis. Jesus teria andado sobre as águas… eu já vi patinar sobre elas. Só que, no meu caso, as águas estavam geladas. Há quem afirme que também as águas sobre que Jesus caminhou o estavam. Não sei, não estava lá para ver. Os evangelistas também não. Nenhum deles.

  • Tripalio2008

    Há muita ignorância neste blogue!
    Um pouco mais de cultura!
    A ICAR merece ser criticada com mais profundidade!
    Já escrevi e volto a escrever em portugal não há ateus, mas pessoas que não sabem do que falam!

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