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A diferença é ser treta.

Não concordo que o Estado gaste dinheiro a contratar padres para os hospitais, a subsidiar a vinda do Papa ou a pagar professores de religião nas escolas públicas. Mas quando digo isto muitos apontam que o Estado também gasta dinheiro em futebol, cinema e música. Se as pessoas gostam de padres e missas, dizem-me, então o Estado deve investir nisso também.

Não me parece. Admito que preferia menos futebol e mais programas de ciência. Ou de ilusionismo. Ou de praticamente qualquer outra coisa, que o futebol é um bocado seca. E acho que gastar oitocentos mil euros em concertos do Tony Carreira (1) é pior que deitar dinheiro ao lixo. Do lixo sempre podia ir parar a quem tivesse mais necessitado. Mas nestes casos a minha opinião é meramente subjectiva. Objectivamente, a mestria do drible ou da música pirosa é tão legítima como a da astronomia ou dos truques com cartas. Sendo o critério apenas a preferência pessoal, só posso exigir que o Estado não descure ninguém e tenho de aceitar que a fatia maior seja ao gosto da maioria.

Mas artistas e desportistas, como o Tony Carreira, o Cristiano Ronaldo e o Luís de Matos, fazem algo fundamentalmente diferente do que faz a Maia, a Alexandra Solnado e aquela amiga da Júlia Pinheiro que fala em inglês com mortos portugueses. O Tony Carreira pode fazer playback, o Ronaldo fingir que levou uma canelada e o Luís de Matos esconder uma data de coisas na manga, mas toda a gente sabe que é assim. Faz parte do espectáculo e sabê-lo não tira o prazer de os ver actuar. Em contraste, só gosta da Maia, dos livros da Alexandra Solnado ou do pessoal que fala com os mortos quem enfiar o barrete e julgar que aquilo é mesmo verdade. Quem sabe que é tudo inventado não acha piada nenhuma.

E nessas coisas o Estado não deve participar. Não digo que o proíba. Se a TVI quer dar programas de gente que fala com os mortos, que se lixe. Mas astrólogos na RTP1, pagos dos nossos impostos, não está certo. Porque o que leva as pessoas a ver a Cristina Candeias a prognosticar isto e aquilo é a convicção de que ela consegue mesmo ver o futuro na posição dos planetas. E disso não há quaisquer evidências. Nem é preciso provar a negativa, que a Cristina Candeias não prevê o futuro. Basta não haver nada que justifique assumir que aquilo funciona, porque o Estado não deve contribuir para que convençam as pessoas de coisas sem fundamento.

Foi este o problema da missa na Praça do Comércio. Pode haver quem goste de ver o Ratzinger a actuar de vestido branco e sapatinhos encarnados. Eu não acho piada, mas gostos não se discutem. O problema é que a maior parte das pessoas que lá esteve só quis assistir ao espectáculo porque estava convencida que o Joseph Ratzinger é o representante oficial do ser omnipotente que criou o universo, que com um gesto do Joseph Ratzinger esse ser omnipotente abençoa a multidão e que com umas palavras do Joseph Ratzinger altera a substância da hóstia, que deixa de ser água e farinha para se tornar o corpo de um carpinteiro que morreu há dois mil anos (mas, felizmente, sem alterar o sabor). Este espectáculo só pode ser apreciado por quem se convencer de muita coisa que as evidências não justificam.

A assistência “espiritual” nos hospitais e o ensino religioso nas escolas públicas sofrem do mesmo problema. Nestes casos não podemos considerar apenas as preferências das pessoas porque esses juízos de valor que fazem assentam em informação incorrecta ou em premissas infundadas. Mesmo que muita gente goste da Alexandra Solnado não se deve financiar do erário as suas conversas com Jesus. Nem as consultas do professor Mamadu, os prognósticos do Paulo Cardoso, a transubstanciação da hóstia ou o ensino de rezas a pedir favores menino Jesus.

1- I, Tesourinhos das adjudicações directas

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3 thoughts on “A diferença é ser treta.”
  • antoniofernando

    As ” evidências” têm muito que se lhe diga. Já o Einstein, na conhecida polémica com o Niels Bohr, sobre a problematização do princípio da incerteza, em física quântica, esteve insatisfeito com a interpretação de Bohr e Heisenberg. Segundo estes, o princípio de incerteza proibia que uma partícula tivesse, ao mesmo tempo, valores exactos de posição e velocidade; e o princípio de complementaridade proibia que, num fenómeno ondulatório, pudesse-se afirmar que o “quantum” detectado seguira uma trajectória bem definida, passando por uma fenda cabalmente determinada. Prevaleceu na comunidade científica a tese de Borh e Heisenberg. Mas significará isso, para todo o sempre, a ” evidência” que a tese de Einstein estará definitivamente condenado ao insucesso? Num espaço cósmico, todo ele curvo, linhas rectas não existem. Porém, nos meus tempos de escolaridade, ensinaram-me que a distância mais curta entre dois pontos seria uma linha recta. Se eu dissesse que não era, estaria, segundo os ensinamentos científicos tradicionais ” errado”. No entanto, se afirmasse que, só abstractamente, se poderia considerar esse postulado como cientificamente verdadeiro, pois, na prática, é impossível traçar uma linha recta em qualquer plano da curvatura do espaço, estaria certo. Segundo António Damásio, a mente é um mero produto da organização biológica do cérebro, que não existe para além dele. Porém, outros estudos na área das neurociências, como a das experiências de quase – morte parecem apontar noutra direcção. Onde está a ” evidência” científica? Em Damásio ou, por exemplo, nos estudos de Manuel Domingos? E será o limite da velocidade da luz uma constante intransponível, mormente para as viagens espaciais, como apregoava Einstein? Ou poderá haver zonas no espaço sideral que permitam o ” encurtamento” teórico dessas viagens como outras cientistas sustentam? O Universo progredirá indefinidamente ou regredirá? Onde está a ” evidência” ? Durante muito tempo, a Ordem dos Médicos não reconhecia a acupunctura como método científico de tratamento, enquanto a classe médica ainda não detinha o conhecimento mais competente da sua aplicação. Hoje, já é considerada credível no âmbito da chamada medicina ocidental. Onde estava a ” evidência” científica? Na falta de aptidão terapêutica da acupunctura ou na sua certificação no âmbito da ” leges artis” ? E quanto ao reiki, que dirá Ludwig Krippal? Que não é ” evidente” a sua validade científica ou que é? Mas, em relação a algo que for intrinsecamente válido, deixa de o ser só porque a Ciência ainda o ignora e não sabe explicar? A Ciência, nas mais diversas áreas da sua intervenção, também nos tem dado sobejas provas de desorientação. De que o infeliz caso da talidomida foi apenas um trágico caso, a somar a muitos mais, pretensamente aureolados de “ autoridade científica”. Por isso quando Ludwig Krippal vem falar de ” muita coisa que as evidências não justificam”, sorrio…

  • 1atento

    Saíu hoje no Diário da República, 1.ª série — N.º 111 — 9 de Junho de 2010

    Portaria n.º 309/2010
    de 9 de Junho
    Manda o Governo, pelo Secretário de Estado Adjunto,
    das Obras Públicas e das Comunicações, ao abrigo das
    disposições do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 360/85, de
    3 de Setembro, que seja lançada em circulação, cumulativamente
    com as que estão em vigor, uma emissão de
    selos alusiva ao tema «Visita de Sua Santidade o Papa a
    Portugal» com as seguintes características:
    Design: Francisco Galamba;
    Dimensão: 40 mm × 30,6 mm;
    Picotado: 13 × Cruz de Cristo;
    Impressor: INCM;
    1.º dia de circulação: 10 de Maio de 2010;
    Taxas, motivos e quantidades:
    € 0,68 — Visita de Sua Santidade o Papa Bento XVI —
    250 000;
    Bloco com três selos de € 2,40 — 80 000.
    O Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas
    e das Comunicações, Paulo Jorge Oliveira Ribeiro de
    Campos, em 2 de Junho de 2010.

    Portaria n.º 310/2010
    de 9 de Junho
    Manda o Governo, pelo Secretário de Estado Adjunto,
    das Obras Públicas e das Comunicações, ao abrigo das
    disposições do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 360/85, de
    3 de Setembro, o seguinte:
    1.º Que, no âmbito da deslocação a Portugal de Sua
    Santidade o Papa Bento XVI, sejam criados sobrescritos,
    com franquia incorporada e assinalada no canto superior
    direito «taxa paga — postage paid».
    2.º Que tais sobrescritos, com tiragem ilimitada, tenham
    o modelo DL, C6, C5 e C4, para o correio normal — serviço
    internacional Europa e modelo DL para correio normal
    — serviço internacional resto do mundo.
    1.º dia de circulação: 25 de Maio de 2010.
    Motivo: imagem de Sua Santidade o Papa Bento XVI em
    primeiro plano, tendo como fundo a Igreja da Santíssima
    Trindade (Fátima).
    O Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas
    e das Comunicações, Paulo Jorge Oliveira Ribeiro de
    Campos, em 2 de Junho de 2010.

  • Pedro

    -|- -|-
    M MA

    Isso somente mostra falta de sentido politico, de afabilidade, cordialidade e mesmo sendo de uma religião contrária o “ateismo prático” creio que as pessoas devem respeitar de uma certa forma lá por terem ideias opostas e não andar a criar rivalidades de religiões e confelictos de religiões entre si próprias.

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