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A liberdade de expressão e a pulsão censória

Que a liberdade de expressão tenha limites, que o apelo ao crime e à violência, a calúnia e a difamação sejam criminalizadas, é hoje consensual em países democráticos, mas considerar como apelo à violência abrenunciar um morto, ou um vivo, sem o mais leve intuito de incentivar agressões, que só o vivo sofreria, é censura.

Recordemos os facínoras que mataram os cartunistas do Charlie Hebdo. Estes tinham o direito e a coragem de publicar o que publicaram. Responsabilizar os jornalistas é punir as vítimas e desculpar os algozes. Só compra e lê o Charlie quem quer.

Há na autocensura ou na limitação tolerada, à margem da lei, a interiorização dos tiques que a ditadura inseriu, à guisa de genes, até em democratas. Que fará nos que desprezam a liberdade e defendem que o respeitinho é muito bonito!?

Pode dizer-se mal de Mário Soares? – Claro que pode. E de Moisés, Cristo, Maomé ou Buda? – Porque não? E de Mandela, Gandhi ou Luther King? – Claro que sim.

Dizer que o Antigo Testamento é um manual terrorista ofende milhões de crentes, mas aceitar a sua xenofobia, o racismo, o esclavagismo, a misoginia, o incesto e outras crueldades, é defender a moral das tribos patriarcais da Idade do Bronze. Os cristãos ou não leram o A. T. ou afirmam que o que lá está escrito não significa o que escrito está.

Há criminosos mortos, que nunca deviam ter nascido: Hitler, Estaline, Franco, Salazar, Pinochet, Mao, Pol Pot, Videla, Somoza, Tiso, Enver Hoxha e outros. Sou insensível às suscetibilidades de descendentes e sequazes órfãos. Ou execramos os pulhas ou alguém fará deles modelos. Só faltava haver punição por desrespeito a tão ruins defuntos!

A moral, contrariamente ao que muitos pensam, não é universal e os deuses enganam-se mais do que os homens. Já se engordaram mulheres, em gaiolas, para consumo humano. Há quem abomine a música, a carne de porco, a nudez, a autodeterminação individual e o livre-pensamento. Há 152 anos, Pio IX publicou a ignóbil encíclica Quanta Cura (8/12/1864), acompanhada do famoso Syllabus errorum, o que não lhe tolheu a carreira da santidade ou impediu os seus sucessores de herdarem a infalibilidade papal e o mito da virgindade de Maria, dois dogmas tão desprezíveis como o seu antissemitismo.

Urbano II, Estaline, Pio IX, Mao, Calvino, talibãs e cruzados não se podem comparar a democratas e humanistas.
E Deus, pode ser ofendido? Bem, se fizer prova da sua existência, o juiz deve relevar a importância do cargo, mas não deverá aceitar a queixa de um clérigo, por não ser parte nem exibir procuração.

E se os que me leem me insultarem? Têm esse direito. O insulto não ofende o alvo, mas quem o profere. E a liberdade de expressão dos homens é superior à alegada vontade de qualquer deus.

1 thoughts on “A liberdade de expressão e a pulsão censória”
  • João Pedro Moura

    CARLOS ESPERANÇA disse:

    1- «Dizer que o Antigo Testamento é um manual terrorista ofende milhões de crentes»

    Não ofende nada, nem tem que ofender…
    A ofensa versa sobre algo que atingiu alguém: uma agressão física ou verbal. Neste último caso, acontece, sobretudo, com a difamação.
    O facto de o “ofendido” não gostar que tivessem criticado a sua religião, enquanto religião e não enquanto liberdade de praticá-la ou assumi-la, não tem que o ofender nem sentir-se ofendido, tal-qualmente, ninguém poderá sentir-se ofendido por criticarem o seu clube desportivo ou uma filosofia ou prática de vida.

    A liberdade de expressão decorre da faculdade de cada um ser livre para abordar seja o que for, em tom crítico ou outro…
    …Não para ser cerceado porque criticou uma religião, uma filosofia ou uns atos e ditos, que outros seguem…
    …Senão, não haveria liberdade de expressão, mas sim liberdade condicionada de expressão… que não é liberdade…

    2- «Há criminosos mortos, que nunca deviam ter nascido»

    Mas nós só sabemos do caráter criminal depois de o biltre ter nascido e ter decorrido bastantes anos de vida…
    Pelo que, dizer “nunca devia ter nascido” não tem concordância com a primeira parte do enunciado: “há criminosos mortos”…
    As duas partes não têm sequência lógica nem possibilidade exequível de estabelecer uma causa-efeito…
    Ninguém, progenitor, poderá dizer que vai abortar um feto, porque vai ser um criminoso…
    Logo, é uma frase sem nexo…

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