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A Promessa

Nota prévia: este episódio foi-me relatado na primeira pessoa, e não vislumbro motivos para dele duvidar.

Gervásio, rapaz do norte, tinha regressado de Moçambique. Para trás, tinham ficado vinte e seis meses de guerra. Cumpridas as formalidades da passagem à “peluda”, ei-lo de regresso à cidade natal, onde o aguardavam a família mai-la noiva.

Colocados que foram em dia os assuntos pendentes durante tal período de tempo, e o termo “assuntos” pode ser tudo o que os limites da nossa imaginação permitirem, assente a poeira, acertados os fusos horários, repousado o guerreiro, eis que a doce noiva decide:

– Sabes, temos de ir à Santa Maria Adelaide.

Para quem não sabe, e resumidamente: o corpo de Maria Adelaide de Sam José e Sousa foi encontrado incorrupto, e ainda se mantém, cerca de trinta anos após a inumação. Daí até a o povo a venerar como santa, foi um passo de pardal, embora a ICAR nunca a tenha canonizado, o que, no entanto, não impediu que a venera se faça numa capela, onde está exposto o corpo da “santa” ornamentado com quilos de ouro proveniente de oferendas.

voltemos ao diálogo:

– Desculpa, disseste que…?

– Querido, disse que tínhamos de ir a pé à Santa Maria Adelaide.

– E por alma de quem, posso saber?

– É que eu prometi que lá iríamos, se regressasses são e salvo.

– Duas questões: primeiro, TU prometeste, TU cumprirás a promessa. Segundo, quem te garante que regressei são e salvo graças à “santa”?

– Não me contaste que passaste duas vezes por cima de uma mina e ela não rebentou?

– É verdade.

– E não achas que houve intervenção de alguém “lá em cima”?

– Não. Porque levantei a mina, e verifiquei que  não tinham tirado a cavilha de segurança. Se houve intervenção, foi de alguém “cá de baixo”, que não sabia o que estava a fazer. Se é que se pode chamar a isso “intervenção”.

Mas a jovem não se deixou convencer:

– Seja como for, há uma promessa, e tem de ser cumprida, que eu não gosto de brincar com estas coisas.

– Faz como quiseres, mas vamos ficar assentes neste ponto: eu não prometi nada, portanto, nada tenho a cumprir. Podemos gostar muito um do outro, mas nenhum de nós tem o direito de fazer promessas em nome do outro. Se tu prometeste, cumpre. O mais que posso fazer, como a promessa foi de “ir a pé”, é ir buscar-te de carro a Arcozelo. Mas eu nada tenho de cumprir, já que nada prometi.  E para cumprir o que não prometi, já me bastou o tempo de tropa.

 

 

1 thoughts on “A Promessa”
  • João Pedro Moura

    Ó Zé Moreira, aquele Gervásio era cá dos nossos!…

    Sobre a “santinha” Adelaide e o seu corpo incorrupto, o mesmo resultado: nada se investiga de concreto ou nada se deixa investigar, pelo que, as forças católicas e a sua Igreja encarregam-se de gerir o negócio e pô-lo a render pingues proventos…
    O ideal era haver uma investigação sobre corpos incorruptos, a cargo de escolas médicas e instituto de medicina legal, porque tal situação é digna de investigação científica.
    A ciência tem de conhecer e tentar explicar tal incorruptibilidade.
    O problema é que tal interceta com o fenómeno religioso e os “cientistas” e outros curiosos retraem-se mais. Porque podem incomodar a Igreja e esta é coisa sagrada… do domínio dos mistérios… do incognoscível… das trevas…
    Cuidado! Não se pode mexer…
    Sabe-se que a cal, eventualmente colocada em cadáveres, pode absorver a humidade dos corpos, inibindo a sua decomposição. Os terrenos arenosos também não são favoráveis à corrupção…

    Há mais casos destes:
    – destaco o da mulher de Barcos (Tabuaço), cadáver centenário, que há uns anos foi evocado em notícia mediática, com alusão a pretenso crescimento de cabelo e unhas…
    – Em Beire (Paredes), há um cadáver, também centenário, que eu já observei, exposto numa capela em jazigo de vidro, e com inúmeros ex-votos a emoldurar as paredes. O cadáver tem um revestimento, na cabeça (única parte visível, se bem recordo), que me parece ser cera, conservando-o…
    – Em Azurara (Vila do Conde), na igreja de S. Francisco, também há um cadáver, dum tal S.Donato, que era um bispo romano do séc. IV (!!!…) trazido para aquela igreja, há 250 anos, por um aventureiro fradesco qualquer. Cadáver esse também revestido e preservado com cera ou substância similar…
    Esta caso do “S. Donato” é o mais bizarro que temos em Portugal, pelo desconcerto do relato histórico, que lhe subjaz…

    Enfim, faltando a ciência e a explicação científica ou racional…instala-se a religião… católica… mais o estendal habitual de néscios e crédulos, que pastam na mansuetude ovelhum dos prados terráqueos… do jardim da celeste corte…

    Entretanto, um grupo de investigação científica, referido abaixo, recenseou diversos casos…
    http://www.gifi.pt/portal/programs/ewpview.aspx?codigo=CORPOS

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