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O fanático multicultural

 in jornal Público

” Como sempre acontece com atentados terroristas, é só esperar que os corpos arrefeçam para os comentários idiotas e autoculpabilizantes começarem a aparecer. A estrutura repete-se: há uma primeira frase pesarosa, a dizer que aquilo não se faz, e logo de seguida vem um “mas”, um “contudo”, um “no entanto”. Foi assim no 11 de Setembro; não poderia deixar de ser assim com o massacre do Charlie Hebdo.

Com esta diferença: em 2001 o Twitter ainda não tinha sido inventado, e em 2015 ele é terreno fértil para espantosas concentrações de idiotice em 140 caracteres. Ana Gomes tem-se destacado nesse campo. Começou logo a 7 de Janeiro, com uma ligação entre o terrorismo e a austeridade, e continuou com a nova capa do Charlie Hebdo: “Porquê insistir na representação do profeta, que se sabe ofender os muçulmanos? Não estou de acordo. Não em meu nome.” É certo que poderíamos fazer um desenho a explicar o porquê de “insistir na representação do profeta”, mas não vale a pena. Até porque Ana Gomes é o mais próximo que temos de um Charlie Hebdo português: o que lhe sai da boca é exagerado e muitas vezes não faz qualquer sentido, mas é corajosa e dá cor e diversidade à nossa democracia. Há que valorizar isso.

De um campeonato muito diferente são os textos de Boaventura Sousa Santos, o Noam Chomsky do Mondego. Alegadamente, ele pensa, produz obra e tem uma vasta corte de seguidores. Ontem, decidiu dar à estampa um texto no PÚBLICO intitulado Charlie Hebdo: uma reflexão difícil – e ponham difícil nisso. Para Boaventura, o mundo ocidental é uma acumulação de miseráveis defeitos, a sua decadência passeia-se pelas ruas e a Terceira Guerra Mundial está à porta, por sua inteira culpa. Fixe, fixe, é viver na Venezuela e na Bolívia.

Mas o pior não é isso: é a sua argumentação vir acompanhada de uma dose de demagogia e de sonsice capaz de dar cabo dos melhores estômagos. Um professor doutor perguntar porque é que 37 jovens mortos no Iémen não causam “a mesma repulsa” que o ataque ao Charlie Hebdo só pode ser piada. Ao fim de décadas de pesquisa sociológica, Boaventura ainda não descobriu que ele pode chorar mais pela morte do seu cão do que pela morte de mil chineses, sem que isso signifique que o seu cão valha mais do que mil chineses. E também não percebeu que a repulsa se deve tanto à morte dos caricaturistas como ao atentado à liberdade de expressão – e por isso a tragédia no supermercado judeu não nos marcou da mesma forma.

Ou será que Boaventura sabe isto? Eu acho que sabe. Simplesmente, é mais prático enviesar argumentos para poderem encaixar no seu “no entanto”. Até porque é um “no entanto” e peras. Pergunta ele: “A defesa da laicidade sem limites numa Europa intercultural, onde muitas populações não se reconhecem em tal valor, será afinal uma forma de extremismo?” Que caraças, andou a esquerda tão cara a Boaventura a morrer durante séculos pelo direito a gozar com a religião, para agora ele achar que atribuir uma cara ao profeta em 2015 é uma actividade radical. Mas ele está certo quando escreve: “Estamos perante um choque de fanatismos.” Só é pena Boaventura não vislumbrar o seu – um fanatismo multicultural onde a expressão “valores ocidentais” é posta entre aspas e toda a culpa pelas dificuldades de integração e pelo crescimento do jihadismo é atribuída às políticas do Ocidente. O problema é que são estes fanáticos multiculturais que acabam por empurrar muita gente moderada para os braços da extrema-direita. Boaventura e Marine são duas faces da mesma moeda.”

 

Um texto que subscrevo na íntegra.

 

8 thoughts on “O fanático multicultural”
  • Charlies e suicidas

    Olha o que diz um fundador do dito jornal:

    Um dos fundadores do jornal satírico acusa Charb, uma das vítimas do atentado da semana passada, de “arrastar a equipa” para a morte, “exagerando” nos cartoons

    Henri Roussel, 80 anos, contribuiu para a primeira edição do Charlie Hebdo pós-ataque, o número especial que foi ontem para as bancas com uma tiragem de cinco milhões de exemplares. Mas num texto dirigido ao editor assassinado, Stéphane Charbonnier, publicado na revista Nouvel Obs, o fundador afirma que lhe atribui culpas pelo massacre da semana passada.

    E deste, também dizem o mesmo?

  • João Pedro Moura

    O artigo do João Tavares é brilhante.

    A palerma da Ana Gomes e o não menos palerma evangelista Boaventura S.S., enquadram-se naquele quadrante político-social de condenadores do terrorismo, mas… compreensivos dos atacantes islamitas…

    Podia-lhes dar para serem condenadores do islamismo terrorista… e compreensivos dos cartunistas piadéticos e anti-islamitas. Mas não…

    Eu até acho que a AG e o BSS foram antifascistas, “in illo tempore”, ou fustigaram o mesmo Salazar e seu regime…
    Mas era perigoso os antifascistas terem-no feito, porque o Salazar e a sua PIDE reagiam brutalmente com prisões e pancadas…

    Assim, para que é que lutavam contra o fascismo, se este não gostava disso e opugnava-se repressivamente, podendo até matar antifascistas?!

    Não há nada como estar quietinho em casa, assistindo às notícias sobre opressões, repressões, decapitações, bombas e mortandades várias, causadas pela hedionda escumalha islâmica…

    Para que é que há pessoas que se insurgem, reclamam, lutam, manifestam opiniões divergentes e desenhos piadéticos sobre aquilo que lhes desgosta???!!!

    Parafraseando, analogamente, a Ana Gomes e o evangelista Boaventura S.S., para que é que os islamitas insistem em acometer os cartunistas, se estes gostam de os satirizar?!

  • Oscar

    Entre BSS e os adeptos do fanático Breivik, eu prefiro claramente BSS. O canalha que aqui tem defendido o genocídio de todos os islâmicos, prefere claramente o Breiivik.

    Depois, existem os outros canahas, que vertem lágrimas de crocodilo contra os ataques dos jihadistas, mas que, ao mesmo tempo, defendem a mortandade, muitíssimo mais alargada, do fanatismo aborticida.

  • lol

    A verdadeira capa do mais recente “novo” Charlie Hebdo.

    • Lol

      &lol

      • carlos cardoso

        Até os atrasados mentais têm direito a exprimirem as suas abjectas opiniões.

        Como é que se pode chamar heróis àquelas caricaturas de terroristas?

      • H2O

        Post lamentável. Mas tem direito de o publicar. Como também tem o direito de levar duas lambadas no focinho caso saia à rua a defender terroristas.

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