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Questões

O programa “Prós e Contras” desta semana pretendeu debater a pergunta “Deus tem futuro?” (1). No entanto, dos seis elementos do painel, quatro pertenciam ao clero, um era ateu mas defendia que os ateus não se devem preocupar com a questão de Deus existir ou não, e o cientista, Carlos Fiolhais, defendeu apenas a posição de que a ciência não tem nada a dizer sobre o assunto. Assim, o painel dedicou-se a discutir quem teria a melhor variante do monoteísmo bíblico, concordando todos no futuro de Deus e discordando apenas acerca de que Deus teria tal futuro. Haveria muito a apontar mas, neste post, vou focar apenas a posição de Carlos Fiolhais porque abordou um problema fundamental. Fiolhais alegou que a ciência foca um tipo de perguntas e não todo o tipo de perguntas. Nisto estamos de acordo. Mas depois, sem esclarecer como divide as perguntas em vários tipos nem como se avalia as respostas, simplesmente afirmou que há perguntas que são respondidas pela arte, outras pela ciência e outras pela religião, e que «a ciência não pode responder à pergunta se Deus existe ou não existe». Disto já discordo e até posso explicar porquê.

Vou categorizar as questões em três tipos em função das respostas que admitem. O tipo menos interessante é o de perguntas como “Existe blrrt?”. Estas não admitem resposta porque só são perguntas na sintaxe. Semanticamente não são nada. É o que acontece com “Existe Deus?” quando não se especifica nada desse “Deus”. Na prática, isto é raro. A menos que alguém esteja rodeado de clérigos de religiões diferentes e queira evitar o confronto a todo o custo, raramente se coloca esta questão sem afirmar algo concreto acerca desse “Deus”.

Outras questões admitem várias respostas correctas. As respostas a perguntas como “Queres jantar?”, “Tens fé em Jesus?” ou “Acreditas que há vida noutros planetas?” dependem da pessoa ou até do momento em que são colocadas. No debate, Anselmo Borges declarou que Deus é objecto de fé e não de ciência. Esta afirmação é vaga mas pode querer dizer que Deus é apenas uma ideia, na mente do crente, onde este foca a sua fé. Se assim for, então a pergunta “Existe Deus?” pode ser correctamente respondida pela afirmativa ou pela negativa conforme a pessoa a quem perguntamos foca a sua fé nessa ideia ou não.

Finalmente, há aquelas perguntas que admitem uma resposta correcta e para as quais as restantes respostas estão erradas, em maior ou menor grau. Perguntas como “Qual é a forma da Terra?”, “Existem electrões?”, “Alguém levou o corpo de Maria para o Céu?”, “O universo foi criado por um ser inteligente?” e assim por diante. São perguntas que fazem sentido e que visam obter uma resposta única que não é função de crenças, escolhas ou opiniões do inquirido. A resposta, presume-se, é algo que “já lá está” e que temos de descobrir. Este é o tipo de perguntas que a ciência aborda.

Aqui costuma surgir outra confusão. É correcto dizer que as religiões dão respostas. É esse um dos seus objectivos principais. Pergunte-se a um religioso algo acerca dos deuses, da origem do universo, do maior mistério e ele, mesmo admitindo que é um mistério, dá normalmente uma resposta. A diferença entre religiões e ciência não está nos tipos de pergunta, porque ambas dão primazia às perguntas que exigem uma, e só uma, resposta certa. A diferença é que o ponto forte da ciência não é dar uma resposta mas sim fazer a parte difícil, que é avaliar, comparativamente, as respostas possíveis. É fácil esquecer isto porque, se se perguntar a um cientista qual o número atómico do carbono ou a idade do sistema solar, ele dá uma resposta. Mas apenas porque a ciência já foi feita. Já se passou séculos a considerar alternativas, a compará-las, a descartar muita coisa até chegar a algo que, provisoriamente, parece ser a melhor resposta.

Num aspecto, Fiolhais tem razão. Se perguntarmos sobre Deus a um católico, muçulmano ou judeu, cada um dará a sua resposta acerca do que Deus é, quer, fez e exige de nós. A ciência, concordo, não faz isto. A ciência não dá respostas tiradas do chapéu, seja por fé ou fezada. Mas se a questão admite apenas uma resposta objectivamente correcta a ciência é a melhor forma de tentar respondê-la porque a ciência procura entre todas as respostas possíveis aquela que encaixa na melhor explicação para todos os dados relevantes. Muitas vezes os dados são insuficientes para que uma resposta seja claramente melhor do que as demais e, mesmo que seja, sê-lo-à apenas provisoriamente. Mas isto é o melhor que se pode fazer e qualquer afirmação ou certeza que vá além disto é mera ilusão.

Outra confusão está em julgar que a ciência decide “provando” o que é verdade. Por isso, Anselmo Borges apontou que não se pode provar que Deus não existe. Mas consideremos a hipótese evangélica de Deus ter criado o mundo em seis dias há seis mil anos atrás. Se Deus é omnipotente, não se pode provar que isto é falso. Um deus assim até poderia ter criado tudo há cinco minutos sem ter deixado qualquer indício disso. Com um deus que tudo pode fazer, até as nossas memórias de infância podem ter sido criadas já nos nossos cérebros. A ciência rejeita esta hipótese simplesmente porque há uma explicação melhor para a origem da Terra que não inclui deus nenhum. E isto aplica-se igualmente ao deus que terá ditado o Corão, ao deus que levou o corpo de Maria para o céu ou ao deus que terá feito o universo num big-bang. Tudo isso a ciência rejeita. Não por “provar” o que quer que seja mas porque a ciência é um processo contínuo de inferência à melhor explicação e, neste momento, essas coisas não fazem parte das melhores explicações que temos.

1- RTP, Prós e Contras.

Em simultâneo no Que Treta

19 thoughts on “Questões”
  • Molochbaal

    De facto, não compreendi aquele painel. Parecia propositado para não haver contraditório.

    Entretanto, quanto á tese do Krippas, gostava imenso que ele explicasse quais são as “melhores” explicações que a ciência aponta para a origem do universo, porque nunca ninguém ouviu falar em nenhumas.

  • Jorge Madeira Mendes

    Uma das coisas que mais me saltaram à vista foi a agressividade (a denotar inquietação e insegurança) de David Munir, o representante da comunidade islâmica residente em Portugal, ao afirmar que não há um único versículo do Corão que avalize a pena de morte para apostasia. Bom, vários versículos ordenam aos «crentes», por exemplo, que armem toda a espécie de ciladas contra os judeus e os cristãos (aparentemente porque qualquer meio, mesmo a mais sórdida traição, será virtuoso se contribuir para o triunfo da «fé» revelada a Maomé). É certo que judeus e cristãos não são propriamente muçulmanos apóstatas, mas quem isto «ordena» estará sempre longe do louvável. De qualquer modo, o problema nem sequer é esse. Por muito benigna, cândida ou até virtuosa que fosse a palavra do Corão, a verdade é que a violência e a morte, inclusive contra a apostasia, foram e são a prática instituída do islão. E esta prática instituída é que conta. Tampouco me consta que a Bíblia avalize a execução de infiéis ou hereges pelo fogo ou preconize a criação de tribunais da fé, mas esse é um detalhe despiciendo, porquanto a prática da instituição que nela se baseia – a chamada «Igreja Católica» – sempre foi (e, por meios mais sorrateiros, continua a ser) o controlo dos atos e pensamentos dos grupos humanos onde lhe permitem exercer mandato.

    • João Pedro Moura

      JORGE MADEIRA MENDES disse:

      “Tampouco me consta que a Bíblia avalize a execução de infiéis ou hereges pelo fogo”

      João 15:5-6:

      “Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim, nada podeis fazer.
      Se alguém não permanece em mim é lançado fora, como o ramo, e seca; tais ramos são recolhidos, lançados ao fogo e se queimam.”

      Ora, aqui está, caro Jorge Mendes, neste versículo bíblico, a inspiração do tribunal da Inquisição para lidar com os “hereges” e os “infiéis”: o fogo “purificador”, preconizado pela personagem Jesus, o “benfeitor”, o “misericordioso”, o “salvador”… que nos ama tanto, a ponto de mandar queimar “quem não está nele”…

      • Ateu Convicto

        Ó camarada, onde é que aprendeste a interpretar literalmente João 15: 5-6 ? Foi com o tribunal da Inquisição ?

        • João Pedro Moura

          É!… Tu, provavelmente, terás outra interpretação…

          • Ateu Convicto

            Pois, bem me parecia que tu e a Inquisição afinam pelo mesmo diapasão…

      • Jorge Madeira Mendes

        Caro João Pedro Moura: Obrigado por esta precisão. Ser-me-á inclusivamente útil quando algum devoto me vier com a conversa de que o Antigo Testamento é que era mau, e cruel, e implacável, etc., etc., ao passo que o Novo teria vindo comunicar a “doce” mensagem de Jesus, com amor, fraternidade, universalidade, enfim, as tretas do costume. E nem sequer se trata de alguma das epístolas do iracundo e intolerante Paulo, mas sim do escrito do próprio João, o “discípulo dileto”, um dos que alegadamente lidaram com Jesus durante a sua chamada “vida pública”. Segundo este João, são as últimas instruções que Jesus terá dado aos discípulos antes de ser executado (coisa que, aparentemente, procurou a todo o custo, apesar de ter sido o coitado do Judas a arcar com a culpa, uma culpa já programada muito antes de ele próprio nascer, para que se cumprisse “a vontade do Pai”). Sobre a “universalidade” e a “fraternidade” da mensagem de Jesus já estava eu bem desenganado, que bem eloquentes a esse respeito são os evangelhos de Mateus (15:21-28) e de Marcos (7:24-30), em que uma pobre cananeia que lhe pede um milagre a favor da filha apanha como resposta que ele só veio salvar as ovelhas da casa de Israel e que o pão destinado aos filhos do Senhor não é para a cachorrada. Agora, fiquei também desenganado quanto à “tolerância” e ao “amor”.

  • João Pedro Moura

    LUDWIG KRIPPAHL disse:

    “Por isso, Anselmo Borges apontou que não se pode provar que Deus não existe.”

    Esta é uma velha treta com que os crédulos intentam desarmar os ateus… mas não conseguem…

    É como os crédulos dissessem, quando se sentem mais apertados: “Está bem, ateus, não é possível “provar” que Deus existe, mas também vós não conseguis “provar” que Deus não existe…”

    Ora, quem afirma a existência de tal entidade, ou do que quer que seja, é que tem o ónus da prova. Se não consegue provar, o sustento de tal ideia também cai pela base…

    Por isso, o prolixo, fútil e inútil Anselmo Borges não tem razão…

    Ao contrário do macrólogo Carlos Fiolhais, que acha que a ciência não se deve meter nas coisas divinais, a ciência tem de se meter em tudo, que é passível de ser verdade ou mentira, existir ou não, senão não haveria investigação histórica, isto é, também, investigação literária e físico-química de textos e de quaisquer vestígios ou matérias, do passado ou do presente…

    Todos os textos religiosos são passíveis de investigação científica, histórica e físico-química, a fim de apurar a validade dos mesmos, a congruência das suas ideias e narrativas.

    Todas as ideias, todos os enunciados do que quer que seja, são passíveis de investigação. E não há parvo nenhum, mesmo que chamado Fiolhais, que possa dizer, procedentemente, que a ciência não pode intervir para apurar isto ou aquilo, porque tal não faria parte do seu campo de investigação.

    Isso é a maneira dos moles de mente se esquivarem aos debates vivos (de resto, à boa maneira portuguesa…), de deixarem a religião e os seus crédulos sossegados, entregues à coleção de inépcias sofísticas onde pastam a sua necedade.

    A religião é a coisa mais estúpida do mundo… e arredores…

    …E isso deve ser denunciado, até por uma questão de higiene e brio intelectuais…

  • Oscar

    Uma só imagem consegue demonstrar como é que estéril e ridícula a tentativa de LK tentar demonstrar que Deus não existe. Para ele, os círculos concêntricos na água formam-se sozinhos, sem necessidade de nenhum impulso originário criador. Tal e qual como o big bang ou os sucessivos big bangs do universo ou dos múltiplos universos. Para LK, a ciência já “explicou” que Deus não existe por detrás desses eventos cósmicos. Agora ” só ” falta demonstrar a sua profissão de fé ideológica…

    • Frei Bento

      Caríssimo irmão em Cristo, finalmente uma voz lúcida neste pântano ateísta. Com uma única imagem, o irmão Oscar-o-sem-acento conseguiu o que a Ciência nunca explicou. Se bem entendi da sua mensagem, meu irmão, aquele menino é Deus, pois se criou círculos concêntricos, mais fácil e rapidamente criaria o Universo. Pronto, ou seja, foi o miúdo que criou isto tudo; e como quem se mete com miúdos acaba sempre borrado, quer dizer que foi o miúdo, ou seja, Deus, que fez esta grande merda.
      O irmão só ainda não explicou foi quem criou o Criador, mas isso é irrelevante. Ainda há dias, noutro local, um lúcido crente afirmava que Deus se fez a si próprio, o que, convenhamos, não é para qualquer um.
      Continue, irmão, com a mesma lucidez, que eu cá continuo a recomendá-lo nas minhas orações. E, pelos vistos, tenho sido atendido.
      Saúde e merda, que Deus não pode dar tudo.

      • Oscar

        Uma única imagem chega para desmontar a conversa de treta do Ludwig Krippahl…

        • Frei Bento

          Caríssimo irmão em Cristo, é como diz: uma imagem vale mais que mil palavras. Repare que o LK nem aparece por aqui, porque sabe que o irmão Oscar-o-sem-acento lhe cai em cima sem piedade nem dó.
          Olhe que ainda hoje me lembrei de si. Eu explico: hoje coube-me a mim limpar o sino da nossa Abadia, pois as filhas da puta das pombas, Deus me perdoe, cagam em tudo quanto é bronze. Ora, acontece que da nossa torre sineira se vê o mar. Hoje estava bravo, com as ondas a bater nas rochas e o mexilhão a foder-se, que Passos Coelho me perdoe. E lembrei-me de si, indirectamente, já que, directamente, lembrei-me da bela e significativa imagem que, em boa hora, publicou. E dei comigo a perguntar: se para haver uma criação tem de haver um criador, quem será o filho da puta do miúdo que está a mexer na água do outro lado do mar?
          Saúde e merda, que Deus não pode dar tudo.

    • Jorge Madeira Mendes

      Para “Óscar” e “Molochbaal”:

      Não tenho, obviamente, procuração de Ludwig Krippahl para falar por ele, mas parece-me que a ambos V.V. escapou algo: não se afirma que a ciência já explicou todos os eventos cósmicos. O que se sabe é que apenas por métodos de investigação científica temos entendido alguma coisa do funcionamento do mundo. Passo a passo, vamos avançando. Talvez um dia a nossa espécie (ou outra dela descendente) logre entender o que hoje está fora do nosso alcance. Mas não o conseguirá através de dogmatismos (como, por exemplo, o ter de haver uma inteligência omnisciente e omnipotente, etc. etc.).

      Até que eventualmente entendamos o que hoje nos parece vedado, consolidemos o que sabemos; e, quanto ao que não entendemos, reconheçamos que não sabemos, mas abstenhamo-nos de “explicações” metafísicas que não passam de fantasias baseadas no temor e na ignorância e, por isso mesmo, nada adiantam. Do mesmo modo que os nossos antepassados não entendiam por que razão o sol e a lua de vez em quando desapareciam durante alguns minutos (atribuindo tal fenómeno, por exemplo, à “ira dos deuses”), mas hoje conseguimos facilmente interpretá-lo (e até lhe damos o nome de “eclipse”), não é de excluir que os vindouros encontrem a explicação racional para o que, por agora, nos é inacessível. Somos uma espécie intelectualmente limitada. O cão parece ser mais inteligente do que a galinha; os cetáceos e os grandes primatas, por sua vez, parecem suplantar o cão. E, aparentemente, a nossa espécie está acima de todas as outras em capacidade intelectual. Mas nada nos garante que tenha alcançado o potencial absoluto, ou sequer máximo, de entendimento. Acresce que a nossa estrutura mental evoluiu em adaptação a um mundo de dimensão “intermédia”, que não é nem a subatómica nem a galáctica (qualquer uma delas com leis físicas que nada têm a ver com as da nossa dimensão). O mundo que julgamos conhecer é, na verdade, uma representação subjetiva, fabricada pela “interface” mental humana com que o “percecionamos”. A nossa impressão de ter de existir uma causa essencial, uma protocausa, uma plenitude inteligente a reger o real, é tão-só consequência da “lógica” que a gera, uma lógica não necessariamente absoluta.

      • Molochbaal

        Quando do assunto em questão não se sabe absolutamente nada é legítimo k se especule, na busca de hipóteses, desde que se reconheça serem hipóteses.

        Aliás, é assim que o pensamento progride.

        Por exemplo, não sabemos nada do como e porquê da existência antes do big bang, ou se existem universos e dimensões paralelas, etc.

        Os crentes só caem no ridículo ao fazer certezas de meras hipóteses, ao ponto de inventarem um série de pormenores cómicos. Como por exemplo, não só afirmarem que sabem que deus existe, o k já é mentira, como ainda garantirem que sabem que ele não quer que se faça pornografia, transfusões de sangue ou k se usem preservativos.

        Aí estão a dar o lombo ás gozações ateias, tipo teoria do bule voador, porque o que dizem é completamente arbirtrárioe cai no ridículo, pelo excesso de pormenores folclóricos.

        Porém, a hipótese, necessariamente vaga, de um eventual ser criador, é uma hipótese como outra qualquer. Platão, Aristóteles e muitos outros filósofos colocaram-na, sem cairem no ridículo ou na superstição..

        • Jorge Madeira Mendes

          Estou inteiramente de acordo com o que diz. A especulação, com recurso à intuição e à imaginação, é fundamental na formulação de hipóteses. A etapa seguinte é submeter tais hipóteses a uma apreciação crítica, a provas e contraprovas, numa perspetiva racional, antes de (eventualmente) se chegar a conclusões e à enunciação de teorias (que devem sempre estar abertas a revisão e até a rejeição).
          O pior é, extamente, quando as fantasias metafísicas se tornam certezas, e a estas se associam mitos, e logo liturgias, enfim, quando se inventam religiões e se criam instituições eclesiásticas, o mais abjeto produto da mente humana.

          • Molochbaal

            Concordo no geral, mas não considero a religião em si como abjeta. É verdade k não é baseada em provas, i.e, na verdade. Mas também muita da arte e cultura não o é, devendo mais à imaginação.

            E é assim k a religião deve ser encarada, como um produto da mente humana, sim, mas não como uma doença, é um produto cultural, uma forma de arte – k pode eventualmente ser sublime.

          • Jorge Madeira Mendes

            Molochbaal:

            Embora compreenda o seu
            ponto de vista, discordo quando compara a religião a uma manifestação de arte.

            Ao contrário do espírito
            místico, as crenças religiosas dificilmente poderão ser vistas como uma
            manifestação espiritual respeitável. No conceito de «espiritualidade» entendo
            todas as manifestações positivas da mente humana, desde o interrogar filosófico
            até às realizações artísticas, categoria na qual não julgo apropriado incluir a
            fé. As fés religiosas são, na origem, fantasias que derivam do medo e da
            vontade irracional de inventar respostas, mesmo imaginárias, para o que se
            ignora, fantasias que rapidamente se elevam ao estatuto de dogmas.

            A religião é irmã do obscurantismo,
            da superstição, da infantilização. Por algum motivo se fala, por exemplo, em
            «Deus-Pai» ou na «Virgem-Mãe». Ficassem os mitos religiosos restritos ao
            domínio do assumidamente mitológico e neles poderíamos, talvez, encontrar
            poesia. Mas não é essa a sua pretensão. Fruto da ignorância e do medo, pretendem-se
            «verdades» indiscutíveis. E isso retira-lhes a respeitabilidade presente nas artes.

            Quando falo na abjeção das
            crenças religiosas, estou a pensar nessa vertente intrinsecamente irracional, estou
            a pensar em conceitos como a «ira de Deus-Pai» (contraditoriamente oposta à «infinita
            misericórdia divina»), conceitos como o «rebanho», a «submissão», o «vale de
            lágrimas» (onde estamos «gemendo e chorando»), o «temor de Deus». Estou também
            a pensar em cúmulos de irracionalidade como a «Ressurreição (da carne)», a «Ascensão»,
            a «Transubstanciação».

            As religiões funcionam na
            base do clubismo, isto é, da pertença a comunidades identitárias. A agremiação faz
            parte da natureza humana. Quando, porém, serve para canalizar o belicismo
            intrínseco da nossa espécie, torna-se altamente rejeitável. Se bem que não a
            única, as religiões são uma das vias pelas quais o homem tem praticado os atos
            mais hediondos contra os seus congéneres. Estou a pensar na «jiade», nos «mujaidines»,
            nos «soldados de Alá», nas «legiões de Maria», no «espírito de cruzada», nas
            inquisições, na glorificação bíblica da crueldade em nome do «povo eleito». Estou
            a pensar nas hordas de hindus e muçulmanos que se digladiam como cães raivosos.

            Antes aderir a clubes de
            futebol, que pelo menos sublimam de forma relativamente inócua o nosso espírito
            de competição bélica.

  • Pinto

    Assisti ao programa com atenção e a vários erros até corroborados pelo padre Anselmo Borges: de que na Europa já não existem países confessionais, ou seja, países com uma religião oficial.
    Existem tantos: Grécia, Malta, Mónaco, Liechtenstein, Dinamarca, Noruega, Islândia.

    À parte este detalhe (entre outros) fiquei espantado ao saber que existia uma associação ateísta. Qual a função da vossa associação?

    Eu não acredito em porcos com asas. Aqui os meus vizinhos também não. Vamos fazer uma associação das pessoas que não acreditam em porcos com asas? Com que finalidade?

    Qual a finalidade de se associarem? Bem, não há melhor que vir ao sítio. Vim e confirmei as minhas suspeitas. Não se trata de ateísmo mas de anti-clericalismo. Trata-se de propagar o ódio às religiões.

    Não, isto não é ateísmo. Conheço ateístas que não acreditam em Deus no entanto reconhecem a importância da religião na história da humanidade. Reconhecem a importância da Igreja Católica no desenvolvimento científico e tecnológico, na disseminação do ensino, na preservação da arte.

    O facto de não se acreditar em Deus não significa necessariamente que – por ignorância ou má-fé – não se reconheça a importância da religião e das igrejas no nosso quotidiano, nas nossas tradições, nos nossos usos e nos nossos costumes.

    Por fim, fiquei especialmente agradado quando o padre Anselmo Borges explicou ao vosso representante que os direitos fundamentais têm matriz na doutrina cristã.

    • Jorge Madeira Mendes

      Caro Pinto:

      A Igreja Católica importante no desenvolvimento científico e tecnológico, na disseminação do ensino, na preservação da arte?! Bem pelo contrário: a ICAR foi sempre um entrave à investigação científica, uma instituição totalitária apostada em subjugar o corpo social às suas crenças obscurantistas. Verdade seja dita que, em regra, sabe adaptar-se manhosamente às circunstâncias históricas. Pelo que, se hoje se apresenta sob uma capa de “humanismo” e “tolerância”, não se deve tal à sua evolução natural, mas sim ao progresso da sociedade civil que, nos países ocidentais, impôs uma demarcação entre o eclesiástico e o laico.

      Quanto às “explicações” do tal padre ao representante da Associação Ateísta Portuguesa, de a doutrina cristã ser a matriz dos direitos fundamentais, deu-me gosto ouvir Joshua Ruah, representante da comunidade judaica portuguesa, lembrar-lhe que um dos principais promotores da Declaração Universal dos Direitos humanos foi René Cassin, filho da comunidade judaica de França (embora assumidamente laico); e, quando o tal padre oportunistamente se apressou a ripostar que se referia à herança cultural “judeo-cristã”, apetecia-me estar no lugar de Joshua Ruah para lhe perguntar se agora a padralhada já não se importa de se associar aos judeus; é que tempo houve em que a padralhada os queimava nas fogueiras da Santa Inquisição.

      E, caro Pinto, por favor não diga que haver uma associação ateísta é comparável a haver uma associação de pessoas que não acreditam em porcos com asas. É que em porcos com asas não deve haver muita gente que acredite. Em deus(es), pelo contrário, há muitos e muitos e muitos que acreditam. Pior: não o fazem inofensivamente, mas sim integrando-se em instituições (eclesiásticas), quase sempre com caráter totalitário, que pretendem (e, ao longo da História, inúmeras vezes logram) condicionar o corpo social.

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