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De onde vem a ética?

O Jónatas Machado comenta regularmente no meu blog, como “Perspectiva” ou “Criacionismo Bíblico”. Infelizmente, os seus comentários são tão repetitivos e desligados dos posts que comenta que deixei de olhar para eles. Mas chamaram-me a atenção para uma excepção, no post sobre a igualdade de direitos, que é um bom ponto de partida para algo que me interessa. Escreve o Jónatas que «ficamos sem saber porque é que o facto as pessoas sentirem, desejarem, planearem, sonharem e pensarem lhes confere dignidade e direitos iguais. Especialmente quando se acredita que as pessoas são um acidente cósmico», pondo em seguida as seguintes questões: «Como é que um acidente cósmico pode reclamar dignidade intrínseca? […] E reclama dignidade diante de quem? Que norma obriga um acidente cósmico a reconhecer a igual dignidade de outra acidente cósmico?». Finalmente, alega que «O princípio da igualdade não faz sentido à luz de uma visão ateísta» e que «O princípio da igualdade é, na realidade, uma doutrina cristã, cuja origem está em Génesis. Ele baseia-se no facto de homens e mulheres terem sido criados à imagem e semelhança de Deus.» (1) Penso que quem não for fundamentalista religioso percebe que estas alegações são falsas. Mas, como de costume, o que me interessa mais é detalhar o porquê.

Comecemos pelo mais fácil. Se alguém me pisa eu digo “Au! Está a pisar-me!” É fácil perceber que a minha capacidade de sentir, pensar e falar bastou para que reclamasse dessa violação da minha integridade. É também natural que eu dirija a minha reclamação a quem me pisou. Este mecanismo é comum nos animais. Se o Jónatas pisar a cauda de um cão grande, o animal irá reagir sem dificuldade em saber contra quem e facilmente lhe ocorrerá como persuadir o Jónatas a não repetir a brincadeira. É verdade que isto não tem nada de ético, mas já lá vamos. O importante primeiro é perceber que o mecanismo para identificar estes conflitos, reclamar deles e coagir para que não se repitam é consequência natural de capacidades sensoriais, motoras e cognitivas comuns em várias espécies.

Quando animais destes vivem em grupos, a pressão para reduzir conflitos e maximizar benefícios condiciona padrões colectivos de comportamento. Assim, em galinheiros, matilhas de lobos e grupos sociais de golfinhos, por exemplo, surgem normas implícitas, aprendidas por cada nova geração pela socialização com os mais velhos, e que regulam comportamentos que vão desde quem pode dar bicadas em quem até estratégias complexas de caça e reprodução. Na nossa espécie, a capacidade de codificar estes padrões em linguagens e ritos cria a moral, um conjunto de normas e de regras explícitas que condicionam o comportamento de indivíduos em cada cultura. É comum invocar-se deuses para ameaçar infractores ou justificar as regras mas, em rigor, isso seria dispensável. Talvez dizer “se roubas cortamos-te as mãos” não seja tão eficaz como dizer “roubar é pecado aos olhos de Xumbundu, por isso se roubas cortamos-te as mãos e Xumbundu condenará a tua alma ao inferno das mil diarreias”. Mas a diferença, se houver, será meramente quantitativa. A ideia é a mesma: as normas surgem pela interacção dos elementos do grupo, esses elementos encarregam-se de coagir o respeito pelas normas e a moral que daí advém é apenas a representação simbólica de padrões que cristalizaram sem plano nem propósito. Com isto já se faz leis, religiões, costumes, castas, tradições e regras sociais complexas. Mas, como há muitos pontos de equilíbrio nestes sistemas complexos, a moral de uma sociedade pode ser muito diferente daquela que surge noutra e pode incluir racismo, escravatura, tortura, despotismo e outras injustiças terríveis, conforme calhe. Quanto a isto, a religião de nada adianta.

A ética é um bicho diferente porque não é feita de comportamentos, nem de normas, nem de regras, direitos ou obrigações. A ética é feita de perguntas. Quando Sócrates perguntou o que é a virtude, todos os seus contemporâneos julgavam que a resposta era óbvia. Mas não era. Nem é. Porque não devemos roubar? Quando é legítimo matar? Viver é um direito, um privilégio ou uma obrigação? Estas perguntas são importantes porque impedem uma adesão cega ao sistema moral que nos tenha calhado e permitem uma abordagem consciente e racional dos problemas. Eu considero que homens e mulheres têm direitos iguais porque considero que são equivalentes naquilo que importa para ter direitos, como sentir, pensar e dar valor à sua existência. O Jónatas acha que é por «terem sido criados à imagem e semelhança de Deus» mas essa premissa não tem fundamento factual, não passa de uma interpretação possível para a rábula da costela e nem sequer é consensual no cristianismo. Também não permite estender a noção de direitos a animais de outras espécies que, apesar de não serem semelhantes ao deus do Jónatas, partilham connosco muito daquilo que justifica ter direitos.

A ética serve para substituir os mecanismos cegos de estabilização de comportamentos pelo debate consciente e as racionalizações do status quo por justificações racionais. Os princípios que daí advêm depois podem ser transpostos para normas, como leis, formas de governo e afins, corrigindo gradualmente os erros do passado. Ao contrário do que o Jónatas defende, a religião não traz benefícios nisto porque é apenas mais um legado desses mecanismos primitivos que dominaram as sociedades até há poucos séculos. Os mesmos mecanismos que governam galinheiros e matilhas. E a ética não pode vir de Deus porque a ética não é algo que nos dão. É algo que temos de fazer por nós, pois exige questionar, reflectir e perceber os problemas de outras perspectivas. O único deus que poderia participar nesta actividade seria um deus filósofo, disposto a dialogar e a justificar as suas posições. Mas como um deus filósofo não é útil aos sacerdotes, as religiões só inventam deuses déspotas, prepotentes e preconceituosos, que nada podem contribuir para esta empreitada.

1- Igualdade e diferenças, segundo comentário.

Em simultâneo no Que Treta!

12 thoughts on “De onde vem a ética?”
  • Oscar

    Curioso que o Ludwig se insurja contra os argumentos repetitivos do Jónatas, quando é certo que o Ludwig não tem feito outra coisa senão repetir os argumentos, meramente metafísicos, da sua filosofia materialista.

    P.S. Deixo-lhe aqui uma pergunta: de onde vem então a consciência, que nos permite reflectir sobre as questões éticas ?

    • Molochbaal

      ACHEI !

      Vem de um super ser que ninguém sabe de onde vem !

      Não se sabe como, nem porquê, porque esse ser é incognoscível, ao ponto de não haver prova de que exista.

      Isto explica tanta coisa…

      Sou tão inteligente. Já estou doutorado em ciências fifescas.

      • Molochbaal

        Agora que a origem da consciência está claramente estabelecida, tendo-se provado que, sem se saber como, nem porquê, um ser que ninguém sabe de onde veio e de que não há provas de que exista, a criou não se sabe como, nem para quê, tendo-a transmitido também sem que se saiba porquê, nem como, nada disto podendo ser provado, nem se faça a mínima ideia de porquê nem como tudo isto possa ser justificado.

        Mais claro que isto é impossível.

        Ficaram facilmente a perceber a origem da consciência, não ficaram ?

        Como podem constatar a crença responde fácilmente a todas as vossas dúvidas.

        Passem à pergunta seguinte, por favor.

    • Ludwig K

      Como é óbvio, a consciência caiu do acaso aos trambolhões.

      • Molochbaal

        Ná. Foi dada não se sabe como nem porquê, por um super ser vindo não se sabe de onde, nem com que intenções e do qual não há prova de que exista.

        Isto explica muito melhor as coisas.

    • Molochbaal

      Caro fifi.

      Já que estamos a falar de ética, e que mandas sempre bocas, gostava que aproveitasses o embalo e respondesses á pergunta que te ando a fazer.

      Em que é que é ético e desejável o teu deus, por exemplo, vir a matar a tua mãe, enventualmente com grande sofrimento.

      Eu penso que não é ético, mas tu dizes que a morte e o sofrimento são bons e desejáveis.

      Por isso gostava muito que explicasses porque é que é tão bom que a tua mãezinha venha a morrrer em sofrimento.

      Aguardo a explicitação dessa tua tão brilhante teoria teológica.

  • Deusão. Diga não à hipocrisia.

    A minha consciência foi ganha em um prostíbulo, quando percebi que a humanidade é extremamente hipócrita. Antes do sexo as prostitutas são mulheres prestando um importante serviço de agregação social; após a trepada são apenas putas.
    Um viva às putas – sem hipocrisia.
    A diferença entre um ateu e um pastuto é que o primeiro não usa a religião para controlar as ovelhinhas. Até acredito que muitos pastutos e padréfilos não acreditam na existência de divindades, mas ainda assim não poderiam ser chamados de ateus; um ateu tem certeza que não existe nenhum deus e não quer que pessoa alguma seja submetida à fantasia. Pastutos descrentes são canalhas, apenas isso.

    • Pedro22,

      “A diferença entre um ateu e um pastuto é que o primeiro não usa a religião para controlar as ovelhinhas.”

      Claro que não. Esse não se importa de usar armas, coação, ameaças e todo o tipo de violência.

  • Pedro21.

    Tanto paleio para não dizer nada.

    Além da relação absurda entre humanidade, animalidade e valores, e também da ofensiva tentativa de dar humanidade a “outros animais… partilham connosco muito daquilo que justifica ter direitos” (uma rebuscada forma de tentar humanizar irracionais), é só treta que acaba por dizer o óbvio: sou ateu e não aceito Deus, ele até deve existir mas eu quero mostrar-me como superior a tudo, logo nego o óbvio.

    • Alfredo Carpinteiro

      E o óbvio é?

      • Molochbaal

        O óbvio é que devemos ter confiança absoluta num ser de que não existem provas que exista e que, mesmo que exista, como será incognoscível, não podemos fazer a mínima ideia se será de confiança.

        Basicamente porque sim.

        E se lhes pedires explicações, porque a teoriadeles não faz qualquer sentido, ao invês de explicitarem a sua tese (impossível), fogem, com a estupidez de que a culpa é do deus dos ateus. Seja lá o que isso for.

    • Molochbaal

      Já várias vezes aqui atacaste os direitos dos animais.

      És mesmo bronco meu. Não tens nada que se aproveite.

      Mentiroso, falsificador de nicks, ainda por cima és a favor dos maus tratos a animais.

      Devias estar numa jaula.

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