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Desventuras de S. Victor e da Freguesia que tem o seu nome (Crónica)

Durante muitos anos S. Victor ouviu as preces dos devotos e atendia-as na medida das suas disponibilidades, de acordo com a modéstia dos mendicantes. Afeiçoaram-se os créus ao taumaturgo e este aos paroquianos que o fizeram patrono da maior paróquia da Arquidiocese de Braga.

Há uma década foi retirado do “Martirológio”, o rol da Igreja Católica que regista todos os santos e beatos reconhecidos ao longo de vinte séculos, desde que a Igreja católica se estabeleceu. O argumento foi pouco convincente e deveras injusto. Não se exonera do catálogo um santo por ser apenas uma lenda. Que o tenham feito a S. Guinefort, cão e mártir, morto injustamente pelo dono, aceita-se, porque a santidade não se estende aos animais domésticos. Duas mulas, que rudimentares conhecimentos dos padres da língua grega confundiram com duas piedosas mulheres, compreende-se que fossem apeadas dos altares, interditos a solípedes.

Mas um santo com provas dadas, clientela segura, devoção fiel, foi a maldade que não se fazia aos pios fregueses, tementes a Deus e cumpridores dos Mandamentos. O padre Sérgio Torres afirmou ao «Correio do Minho», em janeiro de 2005, que os paroquianos «reagiram com desagrado e muita surpresa». Não lhe permitiu o múnus e a urbanidade dizer que foi uma santa patifaria do Vaticano. O séc. IV, em que o jovem Victor foi condenado à morte por se recusar a participar numa cerimónia pagã, segundo a tradição agora desmentida, foi há tanto tempo! Que importa uma pequena mentira numa Religião que vive das grandes?

Ainda hoje, nove anos volvidos, a Junta de Freguesia de São Victor, sita na Rua de São Victor, n.º 11, afirma com orgulho, no sítio da Internet, que, «segundo reza a lenda» o seu patrono foi “martirizado pelos romanos, através do fogo e da degolação, por afirmar as suas convicções”. E acrescenta, em jeito de propaganda eleitoral: “Ainda hoje, este exemplo serve de mote ao executivo desta freguesia”.

E agora? Que fazer? Arrancam-se os azulejos que documentam a mentira? Transfere-se a devoção para os santos fabricados por João Paulo II, alguns tão pouco recomendáveis e tão detestáveis, quase todos espanhóis, e apenas com a sorte de terem dois milagres no currículo?

Era presidente da Junta de Freguesia na altura da despromoção, Firmino Marques, que embora revelando “algum desconforto”, justificou a retirada do orago do calendário litúrgico «somente pelos critérios científicos usados atualmente para a proclamação dos santos e beatos da Igreja Católica». Esse autarca era um admirador confesso da ciência.

O atual, Ricardo Silva, de sua graça, prefere apelar para o exemplo glorioso de um santo falsificado a procurar um novo taumaturgo cujo nome não acertaria com o da Freguesia e de que não obteria garantias mínimas de ser mais santo e de ganhar tão dilatada fama.

O bom senso do autarca Ricardo valeu-lhe decerto a eleição.

6 thoughts on “Desventuras de S. Victor e da Freguesia que tem o seu nome (Crónica)”
  • Tolo_Mor

    S. Carlos Esperança, santo subito. Merece pelo milagre de conseguir manter este diário aberto.

  • Molochbaal

    Não gozem que isto é dramático.

    Já com o fecho oficial do limbo foi a mesma coisa. Andaram durante gerações a pagar missas e a rezar para que al alminhas saissem depressa do limbo e afinal, depois, dizem-lhes que aquilo nunca existiu.

    O mesmo do inferno. Duarante milénios, foi um lugar de sofrimento pelo fogo, agora (alguns) dizem-nos que afinal não é um lugar, nem há fogo.

    isto assim não dá. não é bom para a economia, porque não se pode fazer planos a longo prazo.

    • GriloFalante

      Há uma estória parecida, mas esta com St.ª Filomena. Durante anos foi venerada na Capela de Fradelos (Porto), fartou-se de “milagrar”, até que o Vaticano descobriu que, provavelmente, a santa nunca existiu ou, a ter existido, era tão santa como o idiota nosso conhecido. Pelo sim pelo não, a capela de Fradelos deixou de cultuar o mamarracho de terracota, e creio (não posso confirmar) que deu o seu lugar, no altar de honra, a outro mamarracho qualquer.

    • carlos cardoso

      “Andaram durante gerações a pagar missas…”

      Quando a Igreja católica reconheceu finalmente a não existência do limbo não me lembro que tenha proposto devolver o dinheiro pago por todas essas missas injustificadas…

      • GriloFalante

        Esquecimento, meu caro. Esquecimento…

      • Molochbaal

        Vocês não percebem nada de contabilidade sacra criativa metafórica.

        Os recibos das missas celebradas para nada, podem ser descontados em pontos, na compra de rifas de acesso ao céu.

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