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  • 8 de Dezembro, 2013
  • Por Carlos Esperança
  • Literatura

Areosa – Festas à santa errada (Crónica)

A paróquia da Areosa, que se avista do alto de Santa Luzia, em Viana do Castelo, sofreu com a notícia que o padre João Cardoso Oliveira teve a incumbência de comunicar aos fiéis e, num ato inédito, com a urgente necessidade de sacrificar a santidade por amor à verdade.

A arreliante troca de uma preposição, pela contração da mesma com o artigo definido, pode pôr em causa a devoção, o entusiasmo e a felicidade de quem atribuía à santa as vindimas fartas e a qualidade do vinho.

A santa devia ser a Senhora ‘de’ Vinha mas, vá lá saber-se porquê, obra do demo, quem sabe, por equívoco no nome acabou venerada uma santa que não era a autóctone – uma Senhora ‘da’ Vinha – a quem os devotos passaram a confiar a vinicultura quando a santa da paróquia, a verdadeira, tinha por vocação a pecuária.

Os paroquianos reforçavam com ave-marias a eficácia dos herbicidas e procuravam a sinergia da fé para erradicar ervilhacas, malvas, saramagos, urtigas, gramas, escalrachos e outras dicotiledóneas e gramíneas que retiram força à cepa e comprometem a vindima. A vera santa da Areosa tinha competência veterinária e especialização «ovínea», donde derivou o nome ‘de vinha’, que em latim se refere a ovelhas e originou o adjetivo ‘ovino’ do português atual e, por lapso, rezaram a uma santa errada, padroeira da vinha, que, afinal, protege a pastorícia.

Durante muitas décadas os paroquianos fizeram a festa e a procissão a uma santa que tutelava a pastorícia e veneraram como protetora e padroeira da vinha. Quantos terços, novenas e missas foram rezados par a proteger do míldio as cepas, e a santa a pensar na sarna, nos parasitas, picadas de moscas, claudicações, mamites e outras moléstias que apoquentam o gado ovino!?

Que utilidade tiveram homilias, festas e orações, para fins agrícolas, dirigidas à santa que só tinha olhos para os rebanhos? E as oferendas de lavradores que não tinham ovelhas e pagaram promessas feitas para proteção das vinhas? Quem os vai ressarcir?
A Senhora ‘da’ Vinha dá o nome à igreja da paróquia e a devoção levou os autóctones a homenageá-la com uma escultura em gesso que é, nem mais nem menos, uma videira, imune à filoxera mas não à provação do logro.

Quem sabe se a santa não continuaria a fazer milagres à altura da fé que se vai apagando lentamente sem provocar a comoção geral que o padre Oliveira, prior da Areosa, há 22 anos, terá de gerir!?

Ainda hão de maldizer o professor de História da Universidade do Porto, frequentador da festa, que se pôs a esgaravatar no Louvre, em Paris, e descobriu uma pintura do século XIV com a Senhora ‘da’ Vinha, sem parecenças com a Senhora ‘de’ Vinha, salvo na virtude que as há de igualar e não se vislumbra a olho nu.

Maldito o respeito que a Universidade, o Louvre e os professores passaram a merecer e que ofusca o apreço que às imagens pias era devido, com manifesto prejuízo do maior bem que a gente simples possuía – a fé. Por ora, não se adivinha o efeito devastador da investigação histórica, confirmada pelo pároco, na desorientação de uma paróquia tão piedosa, temente a Deus e orgulhosa da santa que era ‘de Vinha’ e que os paroquianos julgaram ser ‘da Vinha’.

JF – 13-08-09

 

10 thoughts on “Areosa – Festas à santa errada (Crónica)”
  • Tolo_Mor

    A arreliante troca de uma preposição, pela contração da mesma com o artigo definido é asim tão importante para a divulgação do nosso agnóstico ateísmo ?

  • kavkaz

    Eheheheh… Os paroquianos deviam pedir uma indemnização à Igreja Católica pelos anos em que andaram a rezar à preposição errada!

    Grande charutada lhes deram… Mas ao crente tanto fará que seja a “Senhora” da ou de Vinha. Vai tudo andar de joelhos na mesma… Eheheheh…

  • João Pedro Moura

    “Nossa Senhora de Vinha”? Enfim, é mais uma para a minha coleção de heterónimos da “Maria, mãe de Deus”, a Heteronimista Metastática.
    Já vou em 125…

    • GriloFalante

      João Pedro Moura, aqui vai o meu modesto contributo: numas quaisquer obras realizadas na Sé do Porto, uma imagem da senhora deles apareceu numas silvas. Uma alma caridosa (só podia!) voltou a colocá-la no devido lugar, o altar, mas no dia seguinte a imagem voltou a aparecer no silvado.
      Assim nasceu a Senhora da Silva, que se venera na Sé do Porto.

      • João Pedro Moura

        Obrigado GriloFalante! A Nossa Senhora da Silva é a nº 126. Tem confraria (pelo menos, há referência…) e estátua, por isso a registo, mas ignoro a sua atividade. Parece-me ser uma daquelas senhoras vetustas, remetida para relicário morto.
        Isto nunca mais tem fim! Estou com dificuldades em gerir tanta senhora…
        Tenho que começar a fazer restrições a essas senhoras…
        … Ou elas apresentam certificado de vida, isto é, ou se personificam em estátua, amadeirada ou porcelânica, nos nichos parietais de capelas e igrejas, com festa associada ou confraria que a sustente, ou eu não as aceito.
        Já estou farto de tanta senhora!
        Já descobri mais uma ou outra, mas não lhes passo cartão, enquanto não fizerem prova de vida…

  • kavkaz

    «Deus fez os dois grandes luzeiros: o maior para presidir ao dia, e o menor para presidir à noite; e fez também as estrelas.» – Gênesis, 1, 16

  • kavkaz

    «7. O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da
    terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou
    um ser vivente. – Gênesis 2, 7.

  • Jorge

    Conheço bem a Areosa, tal como como conhecia o Padre João, já falecido.

    Acontece que ninguém, na região e entre os interessados, deu qualquer crédito ao assunto.

    Nada indica que este autor tenha razão, ou que o que afirma não seja uma simples especulação.
    O templo em questão, sabe-se agora, é muito recente, portanto nada tem a ver com a presença romana, e a imagem em causa é uma simples substituição da original da qual não se sabe.
    Na sua origem era, efectivamente, a “vinha” estava em causa. Sendo sempre a mesma Senhora, e sabendo que muitas imagens iguais são veneradas com nomes diferentes, não vejo como nem porquê dar ouvidos a tais tretas.
    m

  • carlos cardoso

    Com tanta reza e oferenda, a santa pode ter-se reconvertido e, se calhar, hoje até percebe da poda…

  • António Alves Barros Lopes

    A Santa Maria é de Vinha porque a Igreja era (e ainda é) a Igreja de Vinha assim chamada por causa de “Pagus Ovinia”. A melhor homenagem que podem fazer a Almeida Fernandes é lê-lo!

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