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A GUERRA CIVIL ESPANHOLA E A IGREJA CATÓLICA (2)

Por

João Pedro Moura

1- Em Tarragona, na Catalunha, no passado domingo, 13 de outubro de 2013, 522 “mártires da perseguição religiosa do século XX” – quase todos padres, freiras e seminaristas mortos durante a guerra civil espanhola – foram proclamados beatos.

Tal recenseamento denota um trabalho enorme, de muitos anos de investigação canónica e histórica, para se apurar tão grande número de pessoas, afectas à mesma conjuntura histórica.

Denota também um intuito pertinaz de valorizar certos padres e monges da Igreja espanhola de antanho, que se aliou à insurreição franquista contra a periclitante democracia republicana…

2- Primeiramente, convém assentar que a violência dum dos contendores poderá estar em proporção com a violência do outro…

Isto é, a violência duma libertação poderá suscitar-se dialeticamente consoante a violência duma opressão.

A Igreja Católica espanhola, desde sempre e, pelo menos, até à Guerra Civil, foi uma Igreja profundamente reacionária e fortemente mancomunada com os poderes monárquicos. A aliança entre o trono e o altar, por excelência…

Durante a vigência da Inquisição, mormente a do inquisidor-mor, o frade dominicano Tomás de Torquemada, pensa-se que teriam sido executados, em fogueiras e outros tormentos atrozes, cerca de 300 mil desgraçados, tornando tal inquisição a mais mortífera da cristandade.

3- No século XX, a Igreja espanhola tinha uma enorme quantidade de bens, nomeadamente terras (latifúndios), em regime equiparado ao dos latifundiários civis, e onde viviam camponeses pobres, intensamente explorados.

Era também da Igreja uma grande quantidade de colégios, em suma, de boa parte da educação pública, pela qual a Igreja procurava garantir e manter o domínio tradicionalista sobre as novas gerações, contra a progressiva secularização da sociedade.

Com a crescente politização das massas populares, decorrente da ascensão  republicana ao poder, em 1931, e o subsequente decreto sobre a separação entre o Estado e a Igreja, mais a lei agrária de 15 de Setembro de 1932, que expropria os latifundiários, entre os quais a Igreja, os ânimos começam a acirrar-se entre, por um lado, Igreja, monarquistas, fascistas e patronato, em geral, todos corporizados, politicamente, pela Falange e pelas JONS (Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalista), e, por outro lado,  o partido socialista, o comunista, os anarquistas e os trotsquistas.

4- A coisa começa a descambar a partir de Fevereiro de 1936, com a vitória eleitoral da Frente Popular (coligação republicana de socialistas, comunistas e uma facção colaboracionista anarquista).

A laicização aumenta e desencadeiam-se ocupações ilegais de grandes propriedades agrícolas, em tumulto imparável e incontrolável pelo governo. No meio da confusão, 170 igrejas foram incendiadas.

Em toda esta movimentação tumultuosa, destacaram-se os anarquistas, que tinham uma enorme força (a Espanha tinha mais anarquistas que o resto do mundo todo junto!) e controlavam a CNT, Central Nacional dos Trabalhadores.

Os anarquistas, com as suas depredações, foram dos maiores responsáveis pela avançada franquista e clericalista, que, com o “pronunciamiento” de 18 de Julho de 1936, marca o início da guerra civil.

5- É claro que, durante uma guerra, há exageros de ambos os lados…

Em Cádis, em 8 de Março de 1936, foram incendiados 5 conventos, devido a tiros que foram disparados do seu interior contra manifestantes…

Mais tarde, em plena guerra civil, os insurretos franquistas estabeleceram-se em 4 conventos de Barcelona, bem situados estrategicamente, em 1936.

Aqui, na Catalunha, região dominada pelos anarquistas, ocorreu a maior atrocidade feita contra a Igreja católica, durante a guerra civil espanhola, quando, no castelo de Montjuic, num convento sobranceiro a Barcelona, foram disparados tiros de canhão contra posições anarquistas.

A reação destes foi brutal.

Com a conquista destes conventos pela tropa anarquista, que dominava Barcelona, e com a descoberta doutros arsenais em várias igrejas e conventos, esses anarquistas incendiaram tudo o que puderam de igrejas e mosteiros, na Catalunha, causando também uma grande mortandade entre os clérigos, traduzida por massacres consecutivos da generalidade do pessoal religioso na região, padres, frades e freiras. Devem ter sido uns milhares…

Por toda a Espanha, havia pequenos arsenais em numerosos edifícios religiosos, e, dalguns desses edifícios, foram disparados tiros contra os soldados republicanos e a multidão, por parte de padres e monges de armas na mão, propiciando um agastamento mortal do povo republicano contra os membros da Igreja.

Também houve bastantes padres, sobretudo, bascos e catalães, dizimados pela tropa franquista, devido a revoltas anticentralistas e veleidades regionalistas.

6- Querer realçar a beatificação de domingo, como sendo aplicada necessariamente a pessoas impolutas, que teriam vivido um martírio sem nexo e como vítimas duma suposta sanha anticlerical, apenas odienta e cruenta, sem motivação válida, é querer ofuscar e ratificar todo o apoio que a Igreja Católica espanhola deu aos insurretos e, antes, aos opositores do regime republicano democrático e laico.

Termino com esta citação do dramaturgo alemão Bertold Brecht:

“Todos chamam caudaloso e violento ao rio que tudo arrasta, mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.”

12 thoughts on “A GUERRA CIVIL ESPANHOLA E A IGREJA CATÓLICA (2)”
  • Tolo Mor

    Tanto paleio para dizer que na guerra civil de Espanha,de um lado e doutro do conflito, exceptuando o meu amigo Francisco Franco, foram todos a mesma merda ?

    • Molochbaal

      O franco era teu amigo ?

      Ah, pois. Tinha-me esquecido que a tua igreja foi a maior aliada de Franco.

      Masi uma prova de que a tua igreja é um antro de aldrabões.

      PS

      Continuo à espera das tuas respostas às questões que te coloquei fifi.

      Podes fugir para os nicks que quiseres, tolomor/renascido, o que quiseres.

      Eu continuo à espera.

      • stefano666

        eis os confrades de Franco….
        diz-me com quem andas…..

        • Molochbaal

          Yap.

          Também estou à espera há vários anos, que o fifi responda a essa.

          Mas ele anda sempre tão ocupado a fazer de palhaço…

  • stefano666

    e sem contar que o clero espanhol prestou altos serviços a Divisão Azul (nazis espanhois)

  • João Pedro Moura

    Por lapso, aparece um “(2)” no título do meu artigo, mas não significa que tenha havido um primeiro artigo. É único.

  • Molochbaal

    “No meio da confusão, 170 igrejas foram incendiadas.”

    Baita confusão.

    “massacres consecutivos da generalidade do pessoal religioso na região, padres, frades e freiras. Devem ter sido uns milhares…”

    Yap. Um bocado chato.

    E não sei porquê, mas tenho um palpite de que nem todas as freiras e seminaristas seriam tropas de choque do franquismo.

    “foram incendiados 5 conventos, devido a tiros que foram disparados do seu interior contra manifestantes…”

    De facto é interessante.

    Em pleno territótioo inimigo, de todos os milhares de edifícios presentes numa cidade, os nacionalistas disparavam, sempre, mas sempre, de dentro dos mosteiros, contra os manifestantes.

    Mosteiros estes, onde, ao mesmo tempo, esconderiam as armas.

    Isto é, davam imediatamente a conhecer os seus “esconderijos” “secretos”.

    Isto de forma insistente e repetida.

    Embora soubessem o que ia acontecer a seguir, repetiam sempre a mesma façanha.

    Vê-se que nunca leram Clausewitz, estes nacionalistas,

    Como tácticos são uma boa bosta, nem se percebe como ganharam a guerra.

    Em compensação, que pretexto ideal para os massacres de religiosos que se seguiam…

    A menos que os tais disparos tenham sido treta, ou simplesmente disparos defensivos, depois de iniciados os ataques aos mosteiros, temos de concluir que os nacionalistas eram uns meninos de coro, que nem dispersar uma manif, sem se fazer matar logo a seguir, eram capazes.

    • Molochbaal

      De qualquer maneira, a questão mantém-se.

      Dos dois lados usaram-se os mesmos métodos, independentemente das razões.

      • stefano666

        mas a Republica… era bem mewlhor que o franquismo.

        • Molochbaal

          Caso os estalinistas não tomassem o poder sim.

          Se o tomassem, francamente, do ponto de vista humanitário, não estou a ver diferença nenhuma.

          Quanto aos anarquistas, não existe nenhuma experiência de regime que permita julgar.

          Mas, pela sua sanha de matar freiras e seminaristas, não estou muito seguro do seu humanitarismo.

          Em relação aos republicanos moderados, sim, já tens toda a razão.

          • stefano666

            Franco fazia miseria nos protestantes… e test. de jeova.

            o Republica era um “mal menor”….

  • Jose F. Silva

    Existe alguma lista com os nomes desses «mártires»?

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