10 thoughts on “Morreu o ditador e torcionáio Jorge Videla”
democrata
“Não sou católico, sou orgulhosamente ateu, e ao longo da minha vida
tenho conhecido e conheço alguns padres que muito pouco têm a ver com O
Vaticano & Company. Um deles chamou-se Gaspar García Laviana, um
padre asturiano que pegou em armas na Nicarágua, deu a sua vida pelos
pobres e caiu combatendo, com o posto de Comandante Guerrilheiro. Gaspar
– Comandante Martín na história dos oprimidos – foi dos padres
consequentes com o cristianismo, mas com um cristianismo que não está,
que nunca esteve no Vaticano.”
De facto é uma injustiça este blog nunca referir os milhares de padres presos e mortos a lutar pela melhoria da vida do povo.
O facto das camarilhas conservadoras que pactuaram com as ditaduras deterem o poder nas igrejas devia ser mais uma razão para reconhecer e apoiar as minorias que lutam por uma igreja melhor.
Mas aí entra a tese infundada dos ateus radicais de que é a religião em si a origem de todos os males do mundo.
Ora, como todas as teses infundadas, para serem defendidas precisam de se apoiar na omissão – para ser muito suave nas palavras…
Diálogo entre Monsenhor Romero e o PAPA João Paulo Segundo
Desde San Salvador e com o tempo necessário para salvar os
obstáculos das burocracias eclesiásticas, Monsenhor Romero havia
solicitado uma audiência pessoal com o Papa João Paulo II.
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– Compreenda-me, eu necessito ter uma audiência com o Santo Padre…
– Compreenda você que terá que esperar sua vez, como todo mundo.
Outra porta vaticana se lhe fecha nas narinas.
Desde
San Salvador e com o tempo necessário para salvar os obstáculos das
burocracias eclesiásticas, Monsenhor Romero havia solicitado uma
audiência pessoal com o Papa João Paulo II. E viajou a Roma com a
tranqüilidade de que ao chegar tudo estaria sob controle.
Agora,
todas suas precauções parecem desvanecidas como fumaça. Os curiais lhe
dizem não saber nada daquela solicitação. E ele vai suplicando essa
audiência por despachos e escritórios.
– Não pode ser -lhe diz a outro-, eu escrivi faz tempo e aqui tem que estar minha carta…
– O correio italiano é um desastre!
– Mas minha carta a mandei em mãos com…
Outra
porta fechada. E no dia seguinte outra mais. Os curiais não querem que
se encontre com o Papa. E o tempo em Roma, a onde foi convidado por umas
monjas que celebram a beatificação de seu fundador, se lhe acaba.
Não pode regressar a San Salvador sem ter visto o Papa, sem haver-lhe contado tudo o que está ocorrendo lá.
– Seguirei mendigando essa audiência -se alenta Monsenhor Romero.
É
domingo. Depois da missa, o Papa baixa ao grande salão de capacidade
superlativa onde lhe esperam multidões na tradicional audiência geral.
Monsenhor Romero madrugou para conseguir colocar-se na primeira fila. E
quando o Papa passa saudando, lhe agarra a mão e não a solta.
–
Santo Padre -lhe reclama com a autoridade dos mendigos-, sou o Arcebispo
de San Salvador e lhe suplico que me conceda uma audiência.
O Papa consente. Finalmente conseguiu: no dia seguinte será.
É
a primeira vez que o Arcebispo de San Salvador vai se encontrar com o
Papa Karol Wojtyla, que faz apenas meio ano que é Sumo Pontífice. Lhe
traz, cuidadosamente selecionados, informes de tudo o que está se
passando em El Salvador para que o Papa se intere. E como passam tantas
coisas, os informes se avolumam.
Monsenhor Romero os traz guardados numa caixa e se os mostra ansioso ao Papa não mais iniciar a entrevista.
–
Santo Padre, aí poderá você ler como toda a campanha de calúnias contra
a Igreja e contra um servidor se organiza desde a mesma casa
presidencial.
Não toca um papel o Papa. Nem roça a pasta. Tampouco pergunta alguma coisa. Só se queixa.
– Já lhes disse que não venham carregados com tantos papeis! Aqui não temos tempo para estar lendo tanta coisa.
Monsenhor Romero se estremece, mas trata de encaixar o golpe. E o encaixa: deve haver um mal entendido.
Em
um envelope aparte, levou também ao Papa uma foto de Octavio Ortiz, o
sacerdote o qual a guarda matou faz poucos meses junto a quatro jovens. A
foto é um enquadre em primeiro plano da cara de Octavio morto. No rosto
amassado pelo tanque se percebe os traços indígenas e o sangue os borra
ainda mais. Se percebe bem um corte feito com facão no pescoço.
–
Eu o conhecia muito bem a Octavio, Santo Padre, e era um sacerdote
cabal. Eu o ordenei e sabia de todos os trabalhos que ele fazia. Naquele
ele estava dando um curso de evangelho aos moços do bairro…
Lhe conta tudo com detalhes. Sua versão de arcebispo e a versão que deu o governo.
– Veja como lhe amassaram a cara, Santo Padre.
O
Papa olha fixamente a foto e não pergunta mais nada. Olha depois os
ofuscados olhos do arcebispo Romero e move a mão para trás, como
querendo-lhe tirar o dramatismo ao sangue relatado.
– Tão cruelmente como o mataram e dizendo que era um guerrilheiro… – relembro o arcebispo.
– E acaso não o era? -contesta frio o Pontífice.
Monsenhor Romero guarda a foto da qual tanta compaixão esperava. Algo lhe treme a mão: deve haver um mal entendido.
Segue a audiência. Sentados frente a frente, o Papa lhe dá voltas a uma so ideia.
– VocÊ, senhor arcebispo, deve esforzar-se para conseguir uma melhor relação com o governo de seu país.
Monsenhor
Romero o escuta e sua mente vôa para El Salvador recordando o que o
governo de seu país faz ao povo de seu país. A voz do Papa o traz de
volta à realidade.
– Uma harmonia entre você e o governo salvadorenho é o más cristão nestes momentos de crisis.
Segue
escutando Monsenhor. São argumentos com os quais já se acostumou a
ouvir em outras ocasiões, por outras autoridades da Igreja.
– Se você supera suas diferenças com o governo trabalhará cristãmente pela paz.
Tanto insiste o Papa que o arcebispo decide deixar de escutar e pede que o escutem. Fala tímido, mas convencido:
– Mas, Santo Padre, Cristo no evangelho nos disse que ele não veio trazer a paz sinão a espada.
O Papa crava fixamente seus olhos nos de Romero:
– Não exagere, senhor arcebispo!
E se acabam os argumentos e também a audiência.
Tudo
isto me contou Monsenhor Romero quasi chorando no dia 11 de maio de
1979, em Madrid, quando regressava apressadamente a seu país,
consternado pelas noticias sobre uma matança na Catedral de San
Salvador.
Testemunho de María López Vigil, autora do livro PIEZAS PARA UN RETRATO, UCA Editores, San Salvador 1993.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.
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