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Desventuras de S. Victor

Havia muito que S. Victor ouvia as preces dos devotos e as deferia na medida das suas disponibilidades, de acordo com a modéstia dos mendicantes. Afeiçoaram-se os créus ao taumaturgo e este aos paroquianos que o fizeram patrono da maior paróquia da Arquidiocese de Braga.

No ano de 2004 foi retirado do «Martirológio» – o rol da Igreja católica que arrola todos os santos e beatos declarados desde o início da ICAR. O argumento é pouco persuasivo e deveras injusto. Não se retira do catálogo um santo por ser apenas uma lenda. Que o tenham feito a S. Guinefort, cão e mártir injustamente morto pelo dono, aceita-se porque a santidade não se estende aos animais domésticos. Duas mulas, que o rudimentar conhecimento do grego pelos padres confundiu com duas piedosas mulheres, aceita-se que fossem apeadas dos altares, que não são feitos para solípedes.

Mas um santo com provas dadas, clientela segura, devoção fiel, é uma maldade que não se faz aos pios fregueses, tementes a Deus e cumpridores dos Mandamentos. O padre Sérgio Torres afirmou ao «Correio do Minho» que os paroquianos «reagiram com desagrado e muita surpresa». Não lhe permitiu o múnus e a educação dizer que foi uma patifaria do Vaticano. O séc. IV, em que o jovem Victor foi condenado à morte por se recusar a participar numa cerimónia pagã, segundo a tradição, agora desmentida, foi há tanto tempo! Que importa uma pequena mentira numa religião que vive das grandes?

E agora? Que fazer? Arrancam-se os azulejos que documentam a mentira? Transfere-se a devoção para os santos criados por PP2 e B16, alguns tão pouco recomendáveis e tão detestáveis, apenas com a sorte de terem dois milagres no currículo?

O presidente da Junta de Freguesia de São Victor, Firmino Marques, embora revelando “algum desconforto”, justificou a retirada do orago do calendário litúrgico «somente pelos critérios científicos usados atualmente para a proclamação dos santos e beatos da Igreja Católica». Este autarca é um admirador confesso da ciência.

1 thoughts on “Desventuras de S. Victor”
  • GriloFalante

    Eu acho interessantes, estas entradas e saídas da santalhada. Aqui há uns anos, houve uma cena parecida com uma santa que se fartou de fazer milagres, anualmente atestados em longos e chatos sermões proferidos do púlpito da capela de Fradelos, no Porto. Todos os anos, a capela vestia-se de flores para homenagear a santa. Parece, afinal, que não há provas de que alguma vez tenha existido, não obstante os azulejos ali ainda existentes atestarem o contrário..
    Ora, estas situações deixam-me confuso: se não existiram, de quem é a responsabilidade pelos .milagres obrados? Ou será que, como em Portugal, também aí a culpa morre solteira?
    Cá para mim, se eu mandasse fazia como deve ser: dado que não há prova da existência dos milagreiros, todos os milagres obrados ficavam sem efeito. A não ser que outro santo viesse a terreiro reivindicar a autoria, embora, nesse caso, pudéssemos estar perante casos de plágio ou uso de falsa qualidade. Mas isso já era com os tribunais.

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