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  • 13 de Abril, 2013
  • Por Carlos Esperança
  • Vaticano

A indústria dos milagres vai manter-se

Na ânsia de fabricar milagres, JP2 convocou centenas de defuntos, sepultados em zonas afetas à ICAR, para curarem uma criança aqui, uma freira acolá, um médico noutro sítio, enfim, uma quantidade enorme de doentes que Deus sadicamente tinha estropiado.

A boa vontade dos defuntos, em péssimo estado de conservação, aliviou alguns cristãos das moléstias enviadas pela divina e infinitamente bondosa providência.

O exercício da medicina é o passatempo desses bem-aventurados, há muito falecidos, cristãos com pecados apagados pelo tempo e virtudes avivadas pelo Papa.

No laboratório do Vaticano certificam-se milagres e criam-se novos beatos e santos que povoam a folha oficial do bairro de 44 hectares. Os milagres, em doses industriais e a respetiva criação de santos foi um lucrativo empreendimento lançado pela Opus Dei.

Antigamente era o próprio Cristo que se deslocava à Terra para ajudar a ganhar batalhas aos eleitos ou que aconselhava os cristãos sobre a forma de matarem os infiéis com mais eficácia.

Depois de alguns desaires, porque a idade e o reumático lhe limitaram as deslocações, Deus deixou ao Papa a tarefa de engendrar os milagres mais adequados à promoção da fé e à estupefação dos crentes. JP2 abandonou o método artesanal de fazer santos para se dedicar à industrialização. B16 seguiu-lhe as pisadas e o papa Francisco já ameaçou continuar.

As curas de cancros foram, em regra, as preferidas da Cúria romana. Problemas de ossos, moléstias da pele, diabetes, paralisias e outras doenças fazem parte do cardápio da santidade. Mas, com tanta clientela para elevar aos altares, o Vaticano já chegou ao ponto de deixar para um imperador (Carlos I da Áustria) a cura de varizes a uma freira.

Foi uma ofensa aos quatro filhos vivos que assistiram à beatificação. Se a um imperador reserva como milagre a cura de varizes, os papas, quando forem sólidos defuntos, terão de curar furúnculo ou verrugas, para chegarem a beatos.

Os medicamentos estragaram os milagres de grande efeito como a cura da lepra, por exemplo. E há milagres que o Vaticano não arrisca: hemorroidas e herpes vaginal por causa do sítio, sífilis, blenorragias e SIDA pela associação ao pecado.

Mas há erros que a ICAR há muito não comete: canonizar, por engano, um cão que julgava mártir ou uma parelha de mulas que morreram exaustas e que a ICAR pensou tratar-se de santas mulheres que sacrificaram a vida pelo divino mestre.

Os milagres são cada vez mais rascas mas a biografia dos bem-aventurados que os obram é progressivamente melhor escrutinada.

4 thoughts on “A indústria dos milagres vai manter-se”
  • kavkaz

    Gostava de saber porque é que os Papas mais antigos deixaram de fazer milagres… Depois de um Papa morrer surgem, segundo o Vaticano, os milagres dele. Canonizam, então, esse Papa por causa dos milagres apontados. A partir daí deixa de haver milagres dos Papas antecessores. Não deveria haver milagres de todos os Papas continuamente?

    • GriloFalante

      “Não deveria haver milagres de todos os Papas continuamente?”
      Não necessariamente. É preciso ver que consoante o envelhecimento, os papas milagreiros vão sendo substituídos por outros milagreiros mais novos. É a lei da vida. Ou será melhor dizer “é a lei da morte?”.
      Depois, há outro problema; a produção de milagres é uma indústria em expansão, que não se compadece com a paragem no tempo. É preciso evoluir, mesmo que a crentalhada abomine a evolução – é mais uma das suas contradições.Os novos acabam por ter uma visão mais moderna da gestão milagreira, embora a pouca experiência acabe por ser prejudicial. Finalmente, é um pouco como a história do pescador e do peixe: nenhum pescador digno desse nome dá isco ao peixe depois de o ter pescado. Com a papalhada é a mesma coisa: depois de serem santos, não precisam de fazer milagres, porque atingiram o topo da progressão na carreira. É preciso é dar lugar aos novos.
      Assim seja.

  • AZ

    “A lucidez e a mestria com que o Carlos Esperança escreve não precisa de comentários. É como virarmo-nos para o mar apenas para o contemplar”

    David Ferreira

    E será que o David já tomou o seu banho de contemplação hoje ou é segredo muito bem guardado?

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