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  • 2 de Fevereiro, 2013
  • Por Carlos Esperança
  • Ateísmo

A canonização de Santo Pereira

Uma onda de entusiasmo varreu a Pátria mas não havia necessidade de adjudicar qualquer milagre ao beato D. Nuno, para ser elevado a santo, pois «Urbano II abriu uma exceção para quem há mais de 200 anos fosse prestado culto e reconhecida, pelo povo, a santidade», exceção que o patriarca Policarpo tinha já confirmado aplicar-se-lhe.

Nuno Álvares Pereira renunciou, porém, à prerrogativa que o dispensava do milagre, para não ser acusado de favoritismo. Recusou a passagem administrativa. Iniciou-se no ramo dos milagres e logrou a cura do olho esquerdo da senhora Guilhermina de Jesus, de Ourém, que o havia danificado com óleo fervente de fritar peixe.

Assim, o intrépido guerreiro revelou-se um poderosos antídoto contra as queimaduras e passou por mérito próprio no exame de admissão à santidade, com provas de mérito irrefutáveis e a mesma indómita vontade de subir ao altares que o levou a desbaratar castelhanos em Aljubarrota.

Com quase seiscentos anos de defunção, conseguiu a santidade para maior glória da Pátria, vaidade do clero e euforia dos créus. Durante séculos foi o terror das crianças de Castela que recusavam a sopa, agora passou a ser o orgulho dos portugueses e a cunha sempre à mão para tirar bilhete para o Céu na Agência de Turismo Celeste da ICAR.

Surpreende que os papas anteriores tenham apagado o beato Pereira, que as sucessivas levas de bispos e cardeais tenham esquecido um santo desta dimensão, que desde 1431 os devotos o tenham ignorado nas novenas e que milhares de soldadores a quem caiu um pingo de solda num olho tenham recorrido àquelas horríveis obscenidades, em vez de dizerem «valha-me Santo Pereira», e aliviado a dor em vez de perderem a alma.

Foi preciso o olho clínico de JP II, para diagnosticar milagres e descobrir taumaturgos, para criar este grande santo. Teve várias nomeações no passado mas foi sempre preterido pela bajulação dos papas a Espanha e escrúpulos por alguns milhares de mortos e estropiados em Aljubarrota, minudências que lhe atrasaram a promoção.

Mas, em boa verdade, Nun’Álvares não merecia que lhe ultrajassem a memória com um milagre rasca nem que transformassem um herói num colírio santo.

 

4 thoughts on “A canonização de Santo Pereira”
  • David Ferreira

    De facto, ainda me recordo de ouvir alguém exclamar – O nosso patrono já é Santo! É um feito para Portugal! Temos todos de nos sentir orgulhosos!
    O silêncio que se seguiu apenas se tornou coerente pelo respeito que a pessoa em questão merecia e pela memória dos feitos de um grande guerreiro.

  • deus

    Por aqui, especificamente no Rio de Janeiro – lugar do papasseio do papalhaço – a padaria milagrosa está com os fornos acesos. Foi encontrada uma menina, morta aos 9 anos de idade de tuberculose, para ser a santinha da vez, quiça comemorando a visita do papalhaço, se eu não o pegar antes.
    A pobre criança, Odete – se não estou equivocado -nada tem com os ritos ridículos da icar, mas apenas um cego não percebe a publicidade do negócio.
    Essa icar não tem emenda, como podem existir tantos asnos crentóides ?

  • Artur Falé

    Será que nuestros hermanos que o nosso estimado santinho tanto detestava (à espadeirada!) também têm o direito de, em caso de necessidade por consequência pirótecnica ou afins, apelar às capacidades do dito? Hummm… acho que ele se recusaria a tal. PS: Esse Nuno não é o mesmo da Ala dos Namorados que, reza a história tinha umas tendências prós namorados que a igreja não tolera?

  • João Pedro Moura

    CARLOS ESPERANÇA disse:

    “Iniciou-se no ramo dos milagres e logrou a cura do olho esquerdo da senhora Guilhermina de Jesus, de Ourém, que o havia danificado com óleo fervente de fritar peixe.”

    1- Mas, ó Carlos, se o “Santo Pereira” teve poderes para curar um olho atingido por óleo fervente, não poderia pegar nesses mesmos poderes para evitar que houvesse um salpico oleoso e fervente, poupando o olho da crédula Guilhermina???!!!

    2- Eu não concordo com a atuação destes taumaturgos…
    Primeiro, observam a desdita perigosa e dolorosa; depois, acorrem em socorro dos mal-aventurados, mas só se eles impetrarem a ajuda do morto, que, deveria estar isso mesmo, morto, mas, pelos vistos, existe em reconfiguração ressurreta, algures no jardim da celeste corte, e sempre atento ao que se passa e às impetrações dos vivos…

    Estranhas propriedades físico-químicas têm estes santinhos, que, em vida, não operaram prodígios cirúrgicos de cura, mas, defuntos, fazem prodígios taumatúrgicos…

    3- Faz-me lembrar aqueles bombeiros pirómanos, que pegam fogo, mas depois acorrem, com a sua corporação, para apagar o dito…
    … O que redunda em forte perversidade!…
    … Pois é, também, como alguém ver uma pessoa à rasca, de saúde, estendida no chão, e esperar que a vítima peça ajuda…

    4- São santos pecadores e perversos: primeiro, deixam o mal grassar; depois, ajudam…
    Enfim, têm a quem sair…

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