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Deus e deuses (III)

Parece não haver dúvidas de que Deus foi criado pelo Homem, à sua, do Homem, claro, imagem e semelhança: rancoroso, misógino, homófobo, vingativo, assassino, impiedoso, pulha, trafulha, irascível, xenófobo,violento, carregado de ódio, basta abrir um jornal, ligar a televisão ou ouvir a rádio para concluir que, sim senhores, “Deus está em toda a parte”.

Acontece que o Homem, ao criar Deus, entendeu conceder-lhe alguns atributos que o tornassem “superior” ao criador, leia-se “Homem”. Aliás, só assim se justificaria a sua criação, porque para ser igual ao que já existia, já bastava o que bastava. Vai daí, decidiu, juntamente com o “sopro da vida”, atribuir-lhe toda uma parafernália de tudo quanto é omni: omnisciente, omnipotente, omnipresente, omnitudo o que queiramos imaginar. Duas cerejas em cima do bolo: “Justo” e “Misericordioso”. Ao pé desta trapalhada, até o governo do Passos parece competente.

Vejamos: como é que se pode ser, a um tempo, justo e misericordioso? Ou se aplica a lei e pune-se o infractor, ou se é misericordioso e perdoam-se todas as infracções. Podemos remeter-nos, em termos, comparativos, para a Justiça terrena, onde um juiz tem uma escala de valores que lhe permite graduar a pena de acordo com vários factores. Incluindo a misericórdia. Mas isso é no campo do Direito, e a Justiça não tem nada a ver com o Direito. Além disso, um juiz não é Deus. Felizmente, acrescento eu. Então quanto  a “justiça divina”, nem pensar: ou Céu, ou Inferno. Aliás, continuo a não entender as missas “por intenção de” Fulano ou Sicrano: se está no Céu, não precisa de missas para nada; se está no Inferno, não tem salvação possível, pelo que a missa só adiantará alguma coisa… para os cofres da Igreja.

Mas as contradições de construção, digamos assim, não se ficam por aí: Deus é, dizem eles, omnisciente e omnipotente. Como se os dois predicados tivessem conciliação possível… Se Deus sabe que vai acontecer algo, não pode evitar que esse algo aconteça. Porque se o evitar, esse acto vai entrar em contradição com o que ele sabe que vai acontecer. Omnisciência e omnipotência são irremediavelmente inconciliáveis.

Eu sei que os ateus não precisam de deuses para nada; mas, para os que precisam: não acham que está na hora de fazer um “upgrade”?

7 thoughts on “Deus e deuses (III)”
  • manuel januário

    Sou ateu mas não me parece que a conclusão retirada pelo José Moreira seja logicamente válida. Se Deus existisse e fosse omnipotente,poderia tudo. Se fosse omnisciente, saberia tudo. Mas se tivesse conferido o livre-arbítrio às decisões humanas, não deixaria de ser omnipotente e omnisciente, se soubesse que algo vai acontecer, mas não quisesse interferir no humano livre-arbitrio. Também Deus poderia ser simultâneamente justo e misericordioso. O conceito de justiça não tem que ser exclusivamente aferido pela mesquinha justiça humana, normalmente punitiva. Se Deus existisse, poderia logicamente possuir um conceito de justiça que não fosse retaliatório mas que passasse pela justiça do perdão e não pela justiça do castigo terreno. Se Deus existisse, poderia ser uma bela hipótese, se essa hipótese não tivesse sido congeminada pelos critérios mesquinhos da condição humana, nessa parte concordo com José Moreira. E igualmente concordo que, se Deus, o Céu e o Inferno existissem, missas por intenção de fulano ou sicrano seriam logicamente absurdas

    • JoseMoreira

      Admito não ter sido devidamente explícito. Mas vou tentar: eu não quis integrar a alegada omnisciência/omnipotência de Deus no conceito de “livre-arbítrio”. Aliás, o próprio conceito de livre-arbítrio contradiz qualquer um dos, ou ambos os, conceitos. Vamos por partes.
      Vamos supor que Deus sabe que vai haver um terramoto em determinado local. Pode, Deus, evitar esse terramoto?
      Por outro lado, vamos supor o livre-arbítrio “versus” omnisciência. O Manuel sabe onde vai passar férias este ano (2013)? Provavelmente ainda nem pensou no assunto, mas Deus, omnisciente, já sabe. Deus sabe tudo. Inclusivamente, neste momento ele já sabe se você vai, ou não, ter dinheiro para gozar férias algures. Por isso, caro Manuel, pode correr e saltar, pode, inclusivamente, pensar que você é que decide onde e se vai gozar férias. Deus, omnisciente, já sabe tudo, você vai para onde ele “já sabe” que você vai.
      Livre-arbítrio?
      Quanto à justiça: quem lhe disse que ela é, normalmente, punitiva? Como eu disse no texto, a Justiça não tem nada a ver com o Direito. A Justiça resume-se a isto: dar a cada um o que é devido. Para Deus, e consultada a Bíblia, o pecador vai para o Inferno, o Justo vai para o Céu. Onde é que cabe a misericórdia?

      • manuel januário

        Se Deus existisse, sendo omnipotente, poderia evitar qualquer terramoto, sim, como poderia evitar qualquer outro acontecimento natural ou humano. Mas, se Deus existisse, poderia ter optado por não intervir na realidade humana ou natural. Podemos questionar se, existindo, deveria ou não, a cada momento da história natural, evitar qualquer acontecimento, como os terramotos ou tsunamis, ou evitar o mal e o sofrimento humanos. Esta é a tese de Epicuro, para, como o José sabe, colocar em causa a existência de Deus. Mas as catástrofes naturais, o mal e o sofrimento humanos, por si sós, não colocam em causa a possibilidade lógica da existência de Deus, se os homens imaginarem Deus como não interventor. Estou a falar de mera possibilidade lógica repare, não estou a afirmar que acredito na existência de Deus. Se eu fosse passar férias para qualquer local, se Deus existisse e fosse omnisciente, poderia obviamente saber para onde eu iria passar férias, mas isso não retiraria a possibilidade do meu livre-arbítrio para gozá-las onde quisesse e pudesse e também não seria contraditório com a omnisciência de Deus.Quanto ao livre-arbítrio, essa faculdade só não ocorreria se, nessa possibilidade lógica, Deus, a existir, decidisse por mim. Quanto à justiça, coloquei uma ênfase específica na justiça punitiva dos homens, mas reconheço que existem outras formas de justiça, como, por exemplo, a equitativa. Porém, nesse aspecto, concordo consigo. A concepção de Deus, enquanto misericordioso colide com a justiça punitiva do castigo divino e obviamente com a suposta existência do Inferno. Um Deus misericordioso nunca poderia permitir que alguém se auto condenasse ao Inferno e muito menos o criaria, para que os homens, nesse lugar de tormentas, se pudessem auto-condenar. Nesse aspecto estou de acordo consigo. Não é logicamente concebível admitir Deus simultâneamente misericordioso e justiceiro.

        • GriloFalante

          Não concordo, e peço desculpa por meter-me na conversa. O que o José Moreira disse foi que Deus nunca poderia evitar um facto que ele SABIA que ia acontecer. Apenas porque, neste caso, o “poder” entra em contradição com o “saber”..
          Julgo ter percebido que o José Moreira não negou a possibilidade de Deus evitar um terramoto; negou foi a possibilidade de o evitar “sabendo” que esse terramoto ia acontecer. Se o evitasse, saberia que… NÃO iria acontecer.
          Claro, tudo isto na hipótese meramente académica de Deus existir…

        • carlos cardoso

          Aqueles que acreditam na existência de Deus (dos quais, não faço parte) resolvem facilmente a aparente contradição entre a omnipotência e a omnisciência, assim como a questão do livre arbítrio, pondo Deus fora do tempo (quem acredita que ele
          existe também pode acreditar nisso). Deus sabe tudo porque, estando fora do tempo, já viu tudo, inclusive o que para nós, que estamos vinculados ao tempo, ainda não aconteceu.

          Por outro lado ainda nunca vi como se pode conciliar justiça e misericórdia e também estou de acordo quanto à completa inutilidade das orações.

  • Lindinha

    Olá gente do choque de idéias! Estamos aí novinhos em folha, e o mundo cisma de não acabar deixando as profecias últimas ACABADAS por si mesmas. Então, vamos recomeçar com outro enfoque na vida.

    Estão convidados a ler a 3a. entrevista com o Pensador Haddammann acerca de Fé e religião, onde se toca em uma frase de Odilo Scherer … “o quinto mandamento, não roubarás” (sic).

    http://universityprimer.blogspot.com.br/2013/01/as-inequivocas-declaracoes-do-pensador.html

  • Jorge Junqueira

    É verdade José Moreira, a raça humana está precisando urgente de um Deus mais atualizado, sem as incongruências da bíblia. Eu sinto falta! Tem horas que penso aqui com meus botões o tanto que seria reconfortante termos um deus fodidão que muda as leis da física para atender o pedido de um justo. Por outro lado os meus botões me dizem que se tivéssemos um deus, não poderíamos comer um bom bife, pois todos os seres vivos comeriam capim. Infelizmente temos que nos virar sozinhos.

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