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A religião, a evolução e a pila do gorgulho.

Infelizmente, tenho tido pouco tempo para acompanhar algumas conversas interessantes nos comentários. Vou tentar remediar a lacuna começando por esta, sobre a origem da experiência religiosa. O Duarte Meira argumenta que a experiência religiosa humana tem de ter causas «independentes do universo espacio-temporal»(1) porque se simplesmente herdámos a nossa propensão religiosa dos nossos antepassados, e estes dos seus, temos uma regressão infinita cuja origem não podemos explicar. Falta aqui uma terceira opção, que me parece bastante evidente. A evolução dotou-nos de um cérebro muito especializado para lidar com seres inteligentes, pela necessidade de lidarmos uns com os outros. Assim, somos especialmente dotados para inferir o que os outros querem, para negociar, para prometer, ameaçar, trair ou ser fiel. Com uma ferramenta dessas, não surpreende que tratemos tudo assim. Que insultemos o computador quando encrava, que expliquemos ao cão porque não deve comer coisas do chão e que roguemos pragas à chuvada que nos apanha à saída do autocarro. Daí a rezar, louvar e bajular deuses, e até sentir que há alguém do outro lado a ouvir, nem sequer é preciso dar um passo. Já temos tudo o que é preciso. Mas a ideia mais relevante, pelas vezes que já a vi proposta, é a de que a religião só pode ter surgido por um processo evolutivo se tiver trazido algum benefício à espécie humana. Esta inferência é inválida e é uma interpretação fundamentalmente errada da teoria da evolução.

A evolução de ideias – os memes – não corresponde exactamente à evolução biológica, mas a nossa propensão para a religiosidade parece ter muito de biológico e algumas ideias, como as das religiões, parecem propagar-se de forma parecida com a dos replicadores que a teoria da evolução descreve. Por isso, não rejeito que se aplique estes conceitos à origem da religiosidade humana e até das religiões em particular. O problema é julgar que a selecção natural só favorece o que é benéfico à propagação da espécie (2). Não é nada disso. Muitas características propagam-se pelo seu sucesso na competição com alternativas mesmo à custa do indivíduo, do grupo ou da espécie. Por exemplo, para optimizar a capacidade reprodutiva da espécie humana bastava um homem para cada cem mulheres ou mais. Isto dava uma taxa de reprodução muito maior e muito menos perdas por violência e guerras. Só que, nessas condições, um filho daria muito mais netos do que uma filha. Isto criaria uma pressão selectiva em favor de qualquer mutação que aumentasse o número de filhos até que a proporção de filhos e filhas fosse aproximadamente a de um para um. O mesmo se houvesse muito mais homens do que mulheres. Nesse caso, a maior parte dos filhos não traria netos, criando uma pressão selectiva para gerar mais filhas. O resultado é gerarmos, aproximadamente, o mesmo número de filhos e de filhas apesar de não ser o ideal para a espécie.

Um exemplo mais dramático é este.

Ouch

Isto é o pénis do gorgulho do feijão, Callosobruchus maculatus (3). Os espinhos, como é fácil de perceber, causam danos à fêmea. Também não devem ser particularmente confortáveis para o macho. No entanto, como parecem servir para eliminar esperma de algum encontro anterior, dão uma vantagem reprodutiva ao macho que os tiver em detrimento do sucesso reprodutivo de outros machos, e eventualmente da fêmea também. Isto acaba por ser prejudicial à espécie, como um todo, mas é uma característica que se propaga pela sua vantagem competitiva. Outro exemplo é o da mosca da fruta, cujo macho produz no sémen uma substância tóxica que desencoraja mais encontros amorosos e ajuda a eliminar o sémen que tenha ficado de outros machos, com a desvantagem de reduzir significativamente a esperança de vida da fêmea (4).

Além de uma característica poder surgir e vingar mesmo sendo prejudicial ao indivíduo ou ao grupo, simplesmente por prejudicar mais os que não a tiverem, também pode propagar-se pela população por estar associada a características de sucesso. Por exemplo, haver muito mais pálpebras de pombo do que de águia imperial ibérica não é evidência da superioridade da pálpebra do pombo. A diferença está noutras características que dão grande vantagem ao pombo na reprodução em habitats infestados com humanos.

No caso da religiosidade e das religiões vemos claramente estes elementos. A facilidade com que adoptamos posturas religiosas surge naturalmente da nossa propensão para ver intenções e inteligência em tudo o que ocorre, e a tendência para inventar narrativas que relacionem, mesmo que de forma fictícia, as nossas experiências. E o sucesso de algumas religiões também está muito relacionado com características que beneficiam a sua propagação, mesmo em detrimento do hospedeiro. Os dogmas auto-justificados do livro que é Verdade porque lá está escrito que é Verdade, a exortação aos pais ensinarem aquela, e só aquela, religião aos filhos, os credos que não fazem sentido e que, por isso, têm de ser memorizados à letra, e assim por diante. Concordo que muito na nossa religião, desde a experiência religiosa em si aos detalhes de alguns dogmas, é fruto da evolução. Quer da evolução biológica, quer da evolução, num sentido mais lato, de ideias em competição por cérebros que as alberguem. Mas é uma grande confusão inferir daqui que há algo de vantajoso ou verdadeiro nestas experiências e nas religiões.

1- Comentários em Não é tanto o que faz mas o que é.
2- Por exemplo, neste argumento do Duarte Meira: «[a religiosidade] ou é favorável, ou é neutra, ou é desfavorável relativamente aos [processos] de selecção natural […] Mas, obviamente, não tem sido desfavorável: o sapiens sobrevive e multiplicou-se. [e não é neutra] Logo, é ( tem sido) favorável.»
3- Not Exactly Rocket Science, Horrific beetle sex – why the most successful males have the spikiest penises.
4- Nature, Cost of mating in Drosophila melanogaster females is mediated by male accessory gland products, via (3).

Em simultâneo no Que Treta!

10 thoughts on “A religião, a evolução e a pila do gorgulho.”
  • Marco

    Este individuo não bate bem da bola. Além de escrever um amontoando de palermices sem nexo, e sempre a partir do principio que “ele é que sabe tudo” e aquilo que ele diz é mais correcto e racional do que os outros dizem, usa uma prosa tão enredada que afasta qualquer leitor sem paciência.

    Além disso, o que me deixa perplexo é o facto de este individuo, seja ele quem for, não ser capaz de pensar por si, ter ideias próprias e ser capaz de as defender. Pelo contrário, não consegue criar um texto sem se suportar naquilo que os outros pensam ou dizem, como se vê pela “bibliografia”.
    Ou seja, ele pensa pela cabeça dos outros e não tem capacidade de estrutura um raciocínio particularizado e individual.

    De forma pouco inteligente, prova ser o contrário daquilo que pretende dizer que é,

    • UmGajo

      Sim Senhor…
      Numa dúzia de linhas, tentas insultar o autor do texto, não rebates uma única ideia apresentada no post, demonstras a tua ignorância quanto às referências num texto bem estruturado e rematas com uma conclusão assente em,,, coisa nenhuma.
      Enfim…

      • Cínico

        Cuidado!!! Olha que o animal ainda te dedica umas linhas no blogue dele. Maior insulto, não pode haver.

        • rei

          por que não te calas ?
          continua a ser a eterna besta. E aí ? continua criando porcos no estábulo ?
          tem grança ser palerma, antolo ?

          • Marco

            Pela forma como tu te referes às pessoas parece que costumas estar sempre de costas. Eu não não jogo nesse clube.

            Não te conheço de lado nenhum, não gosto de reis porque sou republicano e não quero que te cales. Fala. Fala o que te apetecer. Um bobo mudo é um desperdício para a corte.
            Vai rezar e depois anda cá dizer que és ateu.

        • Marco

          O animal a que te referes é de uma espécie muito diferente da tua e, na discussão, só dá atenção a seres humanos com alguma inteligência.

  • antoniofernando

    “Concordo que muito na nossa religião, desde a experiência
    religiosa em si aos detalhes de alguns dogmas, é fruto da evolução. Quer da
    evolução biológica, quer da evolução, num sentido mais lato, de ideias em
    competição por cérebros que as alberguem. Mas é uma grande confusão inferir
    daqui que há algo de vantajoso ou verdadeiro nestas experiências e nas religiões.”
    LK

    É uma grande confusão inferir que daí há algo de vantajoso na experiência religiosa, porquê ?

    “O problema é julgar que a selecção natural só favorece o que
    é benéfico à propagação da espécie. Não é nada disso.”
    Porquê ?
    Por causa do pénis do gorgulho do feijão, quando afinal, como o Ludwig refere, daí deriva uma vantagem reprodutiva ao macho que tiver os mencionados espinhos ?

    “Mas a ideia mais relevante, pelas vezes que já a vi
    proposta, é a de que a religião só pode ter surgido por um processo evolutivo
    se tiver trazido algum benefício à espécie humana. Esta inferência é inválida e
    é uma interpretação fundamentalmente errada da teoria da evolução.”
    Ai sim ? Então por que é que do processo evolutivo, e à escala mundial, todas as culturas possuem sentido de religiosidade ?

    “O problema é julgar que a selecção natural só favorece o que
    é benéfico à propagação da espécie.Não é nada disso.”
    Ai não ? Então não é também o que exactamente veio desmentir o exemplo do gorgulho do feijão, no que respeita à vantagem reprodutiva do macho que foi possuidor dos referidos espinhos ?

  • Charles Darwin

    Caro Ludwig Krippahl

    Antes de dizer uma série de asneiras sucessivas sobre a Teoria da Evolução, recomendo-lhe afectuosamente que leia a minha obra ” A Origem das Espécies”.

    Cordialmente seu

    Charles Darwin

  • Marco

    E tu és ainda mais burro do que ele, senão nem estavas aqui a defender um palerma que mete no mesmo saco a religião, a evolução das espécies e a anatomia e as particularidades sexuais de dois insectos. Imagino só se ele se lembra de falar das plantas Gimnospermas e angiospermas, ou da reprodução sexuada e assexuada do cavalo marinho, da baleia ou do golfinho, e misturar isto com as religiões. Ainda bem que ficou por um insignificante gorgulho do feijão!
    Tu, como ele, vieste demonstrar que nunca percebeste que o sexo na espécie humana tem uma componente social e cultural, mas que isso não acontece nos restantes seres vivos.
    Podia-lhe dar para pior. Até podia falar sobre a estreita ligação entre evolução das religiões a plantação de eucaliptos. De caminho dava um exemplo do género: todas as terras estavam originalmente cobertas de flora autóctone, mas um dia os indivíduos que andava a espalhar a fé e o império trouxeram o eucalipto. Logo a religião é um perigo ambiental, e o aumento dos eucaliptos pode aumentar o número de crentes.
    É claro que eu já dei por mim a dormitar na praia e a agarrar-me à toalha, Os crentes fazem o mesmo, estão a dormir e agarram-se ao que têm ao lado. Isto são exemplos iguais aos desse palerma que tu vens aqui defender.
    Só falta tu dizeres que o homem é um gajo com uma inteligência fora de série, e que até tem as ideias organizadas, a ponto de condicionar o que diz à bibliografia que escolhe citar.
    Vê só!.

    • Mateus

      Muito bem visto o seu comentário. Além do mais o homem nem sequer mostra conhecer a Teoria do Darwin. Dizer, como ele afirma, que a selecção natural não favorece a propagação da espécie é um erro crasso em termos de análise da teoria evolucionista de Darwin. Como é evidente, se algo é benéfico, em termos de sobrevivência para um indivíduo de uma determinada espécie, também é benéfico para todos os restantes animais da mesma espécie. Se um camaleão, por exemplo, se consegue dissimular, por que não haveria essa característica de ser igualmente vantajosa para todos os camaleões ? Se um ouriço-cacheiro está muito bem defendido dos potenciais predadores, por que razão as respectivas couraças de espinhos não seriam igualmente vantajosas para todos os ouriços-cacheiros ? Se um morcego possui uma especial aptidão para se movimentar na escuridão, por que razão essa aptidão não favoreceria todos os restantes morcegos ? Isto é elementar em termos de teoria evolucionista. Mas o mais disparatado do discurso do escriba é que ele acaba por se contradizer no seu próprio arrazoado quando, afinal reconhece vantagens de sobrevivência e de propagação no caso específico do gorgulho do feijão. Depois deixa por explicar por que razão o facto de haver aproximadamente o mesmo número de filhos e filhas não é, segundo ele, o ideal para a espécie. ” Os espinhos, como é fácil de ver, causam danos à fêmea”, diz o articulista, mas logo a seguir adianta que essa circunstância é apta para eliminar o esperma de algum encontro anterior. Só faltou dizer que as mulheres, para darem à luz os seus filhos, têm dores de parto. O que, convenhamos, é algo muito desagradável, mas absolutamente necessári para o normal processo do nascimento. Finalmente, deixa por explicar porque sendo o sentimento religioso etologicamente determinado, esse sentimento ou essa crença não seriam benéficos para a sobrevivência da espécie humana.Resumindo: todo o artigo de Ludwig Krippahl é um autêntico desastre, em termos lógicos e conceptuais, não tem mesmo ponta por onde se pegue.

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