Loading

A fé, adenda.

A propósito do post anterior, o leitor rage comentou que «o apego às […] crenças, a convicção do seu valor, mesmo quando injustificado» é comum em todos os humanos, não apenas nos fiéis de alguma religião, mencionando também a « necessidade em ciência de realizar testes com grupos de controlo para estabelecimento de baselines, e/ou com ocultação, para prevenir interpretações oblíquas dos resultados» (1). Tem razão, e é um ponto importante, mas a minha intenção não era alegar que só quem tem fé é que está sujeito a este erro.

Alguma subjectividade é inevitável quando formamos uma crença, mesmo acerca de factos, porque temos de escolher onde pomos a fasquia do nosso cepticismo. Se é a uma confiança de 95%, como em muitos ensaios clínicos preliminares, ou a cinco sigma como na física de partículas, é uma decisão maioritariamente subjectiva. Mas há sempre um ponto a partir do qual o peso das evidências é suficientemente forte para reconhecemos que é erro defender uma opinião contrária. É um erro que todos podemos cometer; mesmo perante evidências fortes podemos ser pressionados por factores epistemicamente irrelevantes mas emocionalmente persuasivos. No entanto, é algo que reconhecemos como um erro e, por isso, em ciência temos a preocupação de o combater. Não só com que o rage mencionou, mas também formulando várias hipóteses em vez de considerar uma isolada, com a revisão pelos pares e a descrição cuidadosa dos métodos para confirmação independente, a crítica aberta e pública e assim por diante.

O que sobressai na fé religiosa é considerar que, para certas hipóteses acerca de um deus ou de escrituras sagradas, esse enviesamento que em tudo o resto se reconhece ser erro afinal é virtude. Quem não for criacionista percebe que acreditar numa criação em seis dias há poucos milhares de anos é teimosia fanática. Quem não for católico vê que é absurdo julgar o Papa infalível, seja no que for. Quem não for hindu ou budista reconhece que a crença na reencarnação não tem fundamento. Mas para o seguidor de uma religião manter as respectivas crenças é mais importante do que corrigir esse erro que é óbvio para os outros, e que até é óbvio para o próprio quando contempla as crenças dos outros.

1- A fé.

Em simultâneo no Que Treta!

1 thoughts on “A fé, adenda.”
  • antoniofernando

    “O seguidor de uma religião” é um conceito demasiado amplo para nele incluir, como o Ludwig acriticamente faz, todas as pessoas que seguem uma religião, mas que não abdicam do espírito crítico, que a análise dos textos ditos sagrados sempre deve exigir.Você já ouviu falar, por exemplo, em André Torres Queiruga ou Hans Kung? Quer compará-los às interpretações meramente literalistas das testemunhas de Jeová ? Ou àqueles que defendem a criação do mundo em seis dias ?
    Quanto às suas apregoadas ” evidências fortes”, o que a análise das diversas correntes científicas nos mostra é exactamente o contrário do que você postula. Só a título meramente exemplificativo coloco-lhe esta questão: o princípio da não-localidade quântica, tal como desenvolvido por John Bell e confirmado por Alain Aspect, parece, aparentemente, entrar em conflito com a Teoria da Relatividade de Einstein, na exacta medida em que sustenta a possibilidade de transmissão de sinais a uma velocidade superior à da luz. Ora, numa temática científica que, normalmente se dá por adquirida, ou seja, a da intransponibilidade do limite da velocidade da luz, o princípio da não-localidade quântica suscita fortes objecções à generalizada validação desse postulado einsteiniano. Então onde estão as ” evidências fortes”, nos diversos campos científicos, que você equaciona, para tentar aferir o peso de uma determinada opinião ? Duas partículas elementares podem ou não interagir instantâneamente, se colocadas a incomensuráveis distâncias cósmicas, ou estão dependentes do limite da velocidade da luz ? O princípio da não-localidade quântica e o experimento de Alain Aspect demonstram que a não-localidade é uma realidade. Então como é que partículas elementares podem trocar instantâneas informações entre si sem ultrapassarem a ” evidência forte” do limite da velocidade da luz? Mais prudência e mais contenção Ludwig, nessa sua apodítica tese das supostas ” evidências fortes” , só se traduziria num mais aprimorado critério metodológico.

You must be logged in to post a comment.