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A batata de Deus.

A propósito da velha questão filosófica “porque é que há algo em vez de nada?”, o Alfredo Dinis propôs que crentes e ateus estão «com a mesma batata quente na mão. Um tem que explicar como Deus surgiu do nada, o outro como o universo surgiu do nada.»(1) Discordo. São batatas muito diferentes. Logo à partida, o Alfredo não tem de explicar só como Deus surgiu do nada. Tem de explicar também como é que Deus criou o universo a partir do nada, porque dizer apenas “Deus criou” ou “por milagre” não explica coisa nenhuma. Parece difícil que o Alfredo consiga explicar isto, e este é um dos menores problemas da sua tese criacionista.

Esta questão filosófica surge da ideia de que um vazio absoluto, eterno e imutável, não carece de explicação. É a hipótese nula. Só a existência de algo é que exige explicação. Daí o tal conceito filosófico de nada no qual o Alfredo insiste, acusando físicos como Lawrence Krauss de fazerem batota por considerarem como hipótese nula um nada quântico e instável. No entanto, o Alfredo também faz batota por incluir nesse “nada absoluto” um deus capaz de criar todo o universo*. Além disso, a física moderna põe em causa a premissa implícita dos filósofos antigos de que ser absoluto, estável e imutável são atributos que o nada tem de borla e que não é preciso explicar. Isto é implausível porque só há uma forma de ser absoluto e imutável mas há infinitas formas de ser instável. O nada instável e caótico da mecânica quântica é muito melhor candidato para a tal hipótese nula que dispensa explicação.

Se o nada da hipótese nula é instável – e não há razão para assumir o contrário – então não temos apenas uma explicação para a existência de algo sem precisar de deuses milagreiros. Podemos também extrapolar do que sabemos sobre este universo para ter uma ideia do processo pelo qual universos podem surgir espontaneamente. O Sofrologista Católico critica esta abordagem como «altamente metafísica e pouco fundamentada»(1), mas é a mais fundamentada que temos. Ao contrário de Deus e do vazio absoluto, o vácuo quântico instável de onde universos podem surgir encaixa bem nas teorias da física moderna, as teorias com o fundamento empírico mais sólido que alguma vez a inteligência humana concebeu.

Além da estabilidade do nada, os filósofos de antigamente também assumiam, por lhes parecer regra universal, que tudo tinha uma causa. Portanto, para algo surgir do nada teria de haver uma primeira causa. Deus. Mas a física moderna também rejeita esta premissa. Por um lado, porque muitos acontecimentos a nível quântico não têm causa. Não se trata de ignorar as causas. É mesmo saber que não têm causa por serem indeterminados. Por exemplo, não se pode saber, ao mesmo tempo, a velocidade e a posição exactas do electrão porque o electrão não tem velocidade e posição exactas em simultâneo (2). O resultado da medição de um destes atributos é uma variável aleatória e não o efeito de uma causa escondida. Por outro lado, sabemos também que o tempo faz parte deste universo e que não há antes do universo. “Antes do universo” é como “abaixo do centro da Terra” ou “a sul do Polo Sul”. Não faz sentido. Como uma causa tem de ocorrer antes do efeito, isto implica que o universo não pode ter causa. É claro que os crentes podem alegar que esta foi uma causa especial que não precisa de tempo mas, nesse caso, deitam fora todo o fundamento do argumento por invocarem um tipo ad hoc de causa nunca observado em lado algum. Mais uma coisa que deixam por explicar.

Em suma, as duas batatas não são nada parecidas. A cosmologia moderna é composta por hipóteses extrapoladas das teorias mais bem fundamentadas que temos. Esta extrapolação indica que o tal nada da hipótese nula é caótico e instável e que esta bolha de espaço-tempo a que chamamos universo surgiu espontaneamente, sem ter nem poder ter qualquer causa. O criacionismo medieval da teologia católica é uma caldeirada de premissas sem fundamento. Jesus é uma de três pessoas que partilham a mesma substância, outra das quais terá criado o universo por milagre a partir de um nada inexplicavelmente absoluto e imutável e agora, treze mil milhões de anos depois, estas duas pessoas e mais um espírito passam o tempo preocupadas com a contracepção, a desfrutar os louvores e a veneração que os seus seguidores lhes dirigem e a orientar, para que sejam infalíveis, as proclamações doutrinais de um senhor de batina. Eu diria que o Alfredo tem muito mais coisas para explicar, e mais difíceis de justificar. Começando pela explicação de como é que ele sabe isto tudo.

* Já para não falar de transubstanciar hóstias, condenar pecadores, engravidar virgens, omnisaber, omniestar e omnifazer trinta por uma linha.

1- Comentários em Confrangedor
2- Ver, por exemplo, na Wikipedia Quantum indeterminacy

Em simultâneo no Que Treta!

6 thoughts on “A batata de Deus.”
  • antoniofernando

    O Alfredo Dinis não tem nenhuma batata quente nas mãos. O conceito de Deus pressupõe o Absoluto. Logo,filosoficamente, não faz nenhum sentido ” explicar como Deus surgiu do nada”.Esse conceito pressupõe logicamente que antes de Deus não haja nenhuma outra fonte originária, pois, se assim fosse, não seria Deus. Claro que podemos acreditar ou não em Deus. Mas, independentemente da crença ou descrença na Divindade, o seu respectivo conceito afasta, por si só, logicamente, qualquer necessidade de explicar como Deus surgiu. Quanto à batota dos conceitos, o Ludwig já aqui mostrou a sua falta de habilidade em exercitar essa artimanha pífica, nos seus anteriores textos. Bem quer ele, à viva força, refutar a noção do Nada,tentando confundir ideias bem elementares. O Nada ou é Nada ou então é algo.Para o Ludwig, afinal o Nada é um quase Nada, ou seja é algo,mas ele ele chama-lhe sofisticamente ” nada quântico e instável”. Qualquer aprendiz de Lógica consegue discernir que um ” Nada instável” é algo, logo não é Nada.Mas que temos agora de novo de totalmente incoerente, por parte do Ludwig ? A descoberta da pólvora ou, parafraseando-o, mais uma parvoíce ? Mais uma parvoíce, por certo. Vejamos o desenho ridículo da sua actual parvoeira : “como uma causa tem de ocorrer antes do efeito, isto implica que o universo não pode ter causa”. É de rir às gargalhadas.Então por que uma causa tem de ocorrer antes do efeito, essa premissa de raciocínio ” implica que o universo não pode ter causa” ? Aqui já não estamos no domínio da parvoeira, é mesmo idiotice. Vejamos ainda: os fogos alastram em Portugal. E as causas dos fogos têm de ocorrer antes destes deflagrarem. Até aqui qualquer criança chega. Mas os fogos têm causas, ou por ocorrências fortuitas ou por mãos criminosas. Na óptica parva do Ludwig, porque os fogos são efeitos de algumas causas e porque estas têm que ocorrer antes da sua deflagração, então, num extraordinário ” salto quântico” à Ludwig Krippahl, isso “implica que os fogos não podem ter causas”. Essa tese do Ludwig é a mais estupidificante que se possa imaginar. Os cientistas procuram afanosamente a causa que originou o Universo e, consensualmente, postulam que o nosso universo surgiu após a explosão de um átomo primordial. O que havia antes do momento 0 dessa singularidade cósmica ? Os cientistas não sabem, até hoje, nenhum físico se atreveu a asseverar qualquer hipótese científica, explicativa do surgimento do nosso universo, exceptuando a tese meramente especulativa da Teoria das Supercordas. Mas o Ludwig ” já sabe” que ” o universo não pode ter causa”. É para rir, repito, a sonoras gargalhadas.

    • Ludwig

      « O conceito de Deus pressupõe o Absoluto. Logo,filosoficamente, não faz nenhum sentido ” explicar como Deus surgiu do nada”»

      Interessante. Quer dizer que basta pressupor algo e pronto, já não é preciso explicar nada? Se eu disser que o nada pressupõe uma flutuação quântica que cria o universo e por isso não é preciso explicar como o universo surgiu do nada, também me safo?

      Ou este truque só serve para esta religião?

      «Mas, independentemente da crença ou descrença na Divindade, o seu respectivo conceito afasta, por si só, logicamente, qualquer necessidade de explicar como Deus surgiu.»

      Assim como o repelente de insectos afasta os mosquitos?

      Sarcasmo à parte, acho isto um disparate. Se não querem explicar, admitam que não têm explicações, que só têm crenças, e pronto, não se fala mais nisso. Mas alegar que têm as respostas para as perguntas mais profundas do porquê e da causa última de tudo, e depois vir com esta treta de que basta pressupor isto ou aquilo e já não é preciso explicar nada é ridículo…

      • antoniofernando

        Desta vez , você veio mais ligeirinho Ludwig tentar branquear a sua parvoíce, mas ela é tão tonta que, por mais que se exercite, fica sempre mal na fotografia. Vejamos:

        1- Filosoficamente, o conceito de Deus pressupõe o Absoluto, implica, em termos meramente lógicos, que não possa haver outra causa para além da Causa Originária. Isso é tão básico que qualquer aprendiz de elementares ideias filosóficas não põe isso em causa,independentemente de acreditar ou não em Deus. Trata-se de mero e básico raciocínio lógico. Mas o Ludwig não mostra sequer saber o que seja um mero ” modus ponens”.

        2- Silogismo prático à moda de Ludwig Krippahl:

        a) Uma causa tem de ocorrer antes do efeito;
        b) O Universo não pode ter causa;
        Logo;
        c) O Universo é um acontecimento sem causa.

        Falta ” apenas” explicar por que ” o universo não pode ter causa”, o que implicaria saber, com científica certeza, o que aconteceu ou não aconteceu antes da singularidade cósmica do big bang.

        Mas ninguém sabe. Logo, a tese do Ludwig é uma autêntica idiotice.

        • antoniofernando

          “Além da estabilidade do nada, os filósofos de antigamente também
          assumiam, por lhes parecer regra universal, que tudo tinha uma causa.
          Portanto, para algo surgir do nada teria de haver uma primeira causa.
          Deus. Mas a física moderna também rejeita esta premissa. Por um lado,
          porque muitos acontecimentos a nível quântico não têm causa. Não se
          trata de ignorar as causas. É mesmo saber que não têm causa por serem
          indeterminados. Por exemplo, não se pode saber, ao mesmo tempo, a
          velocidade e a posição exactas do electrão porque o electrão não tem
          velocidade e posição exactas em simultâneo”

          LK

          Ainda neste ponto,o Ludwig erra de forma grosseira. Pura e simplesmente não sabe o que diz:

          1-Não existe nenhum físico quântico idóneo que sustente que os acontecimentos a nível quântico não têm causa, mas apenas que certos eventos, a nível das partículas elementares, são indeterminados, em conformidade com o princípio da incerteza quântica de Heisenberg. Ora, afirmar que algo é indeterminado não significa que não possua causa. Aliás, basta pensarmos nas doenças de causa indeterminada, para facilmente se entender que indeterminismo não significa acausalidade;

          2- Por outro lado, o princípio da não-localidade quântica só vem reforçar a íntima ligação que existe entre partículas entrelaçadas, interagindo de forma instantânea e precisa, independentemente da distância a que estejam reciprocamente afastadas, o que só vem reforçar a ideia de que todos os acontecimentos, a nível quântico, têm causa, contrariamente ao que sustenta LK de forma totalmente gratuita e infundamentada.

          • Ludwig

            António Fernando,

            « afirmar que algo é indeterminado não significa que não possua causa.»

            Significa sim. O par posição e velocidade do electrão é indeterminado. Isto significa que quando medes um valor para a posição e outro para a velocidade, esse resultado em concreto não foi determinado por nenhuma causa. Tanto poderia ter dado aquilo como qualquer outra coisa numa gama de valores dada por uma distribuição de probabilidades, mas sem que alguma causa determinasse o resultado exacto. O mesmo acontece com o decaimento radioactivo, a formação de partículas virtuais, a formação de partículas em colisões nos aceleradores, etc.

            E a não-localidade quântica, que, mais do que um “princípio”, é um atributo observável da realidade, demonstra que não pode haver causas desconhecidas que sejam locais (i.e. compatíveis com a teoria da relatividade). Ou seja, ou a teoria da relatividade está fundamentalmente errada ou há acontecimentos quânticos, como o resultado de certas medições, que não podem ter causa.

            «Não existe nenhum físico quântico idóneo que sustente que os acontecimentos a nível quântico não têm causa»

            Isto deve ser uma alegação circular, em que qualquer físico que sustente isso tu irás alegar não ser idóneo. Mas, muito rapidamente, só dois exemplos de físicos que, segundo o que encontrei no Google, defendem precisamente isso:

            «Quantum events have a way of just happening, without any cause, as when a radioactive atom decays at a random time.» Taner Edis, http://edis.sites.truman.edu/

            «since quantum events do not have a “cause”, this also means that all possible quantum events must and will happen» James Schombert, http://abyss.uoregon.edu/~js/

          • antoniofernando

            Ludwig

            Não, não significa. Se algo é indeterminado daí não decorre necessariamente que não seja um evento causalmente provocado. Aliás, isso é exactamente o que se retira da conjugação dos princípios da incerteza de Heisenberg e da não-localidade. Só aparentemente estes princípios parecem contraditórios, mas acabam por se completar, como hoje é reconhecido na comunidade dos físicos quânticos. Para não alongar excessivamente este debate, remeto-o para a verificação experimental do físico Alain Aspect, o qual veio claramente demonstrar a intrínseca relação causal entre as partículas quânticas,em termos que poderão eventualmente conflituar com o paradoxo EPR, a menos que haja forma de sustentar uma eventual compatibilização entre a troca instantânea de informação das partículas quânticas entrelaçadas e o limite einsteiniano da velocidade da luz. Seja como for,a afirmação da causalidade quântica remonta a Einstein, Broglie,Schrodinger e Max Planck, os quais sempre se opuseram ao paradigma indeterminista borheano, com particular destaque para o fisico Louis de Broglie, o qual foi capaz de delinear uma consistente teoria causal quântica.

            Em sustentação da tese da causalidade quântica, tem aqui o Ludwig muito com que se entreter e que claramente põe em causa a sua apodíctica perspectiva:

            http://pt.wikipedia.org/wiki/Louis_de_Broglie
            http://cfcul.fc.ul.pt/equipa/3_cfcul_elegiveis/croca/licao-escola%20naval-2004.pdf

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