Loading
  • 3 de Janeiro, 2011
  • Por Carlos Esperança
  • Literatura

Momento de poesia

Dissertação sobre a profanação dos ícones…

Como disse Ortega Y Gasset, em matéria de arte,
amor ou ideias, são pouco eficazes os anúncios e programas,
e eu não tenho qualquer programa, nem venho aqui
anunciar nada que faça estremecer as convexidades labirínticas
dos cenáculos.
Vivo na desconexão grotesca de todas as realidades,
as existentes ou as simplesmente inventadas, e duvido sempre.
Duvido sempre, como se a dúvida galgasse todas as encostas
da vida e procurasse alcançar as asperezas das arestas nas
escarpas da verdade, numa exibição impudica da bebedeira
à beira de abismos esfomeados.
Por isso, eu sei que nunca serei encontrado no meio
das multidões ululantes, a anunciar alvoradas, crepúsculos,
em sintonia com a promiscuidade dos ícones ou a adorar
objectos siderais em danças mágicas com fetiches a iluminar
os caminhos aos rebanhos anémicos.
Peregrino pelas inquietações da minha cegueira
e procuro-me e regenero-me em cada nova encruzilhada
como se regressasse sempre à primitiva inocência.

Alexandre de Castro

7 thoughts on “Momento de poesia”
  • antoniofernando

    ” Duvido sempre”

    Alexandre de Castro

    E da sua própria existência também duvida ?…

  • rayssa gon

    Peregrino pelas inquietações da minha cegueira [2]

    muito bom mesmo. 😀

  • Alexandre Castro44

    antoniofernando:
    Respondo-lhe com uma citação do filósofo Ortega Y Gasset, já que me inspirei na leitura de um seu texto, para escrever este poema:
    “A meditação sobre qualquer tema, quando é positiva e autêntica, afasta inevitavelmente o meditador da opinião recebida ou da já aí existente, do que com mais graves razões, que quanto agora se supõe, merece chamar-se «opinião pública» ou «vulgaridade». Todo o esforço intelectual, que, com rigor, o seja, afasta-nos, solitários, da praia comum, e, por rotas recônditas, que precisamente o nosso esforço descobre, conduz-nos a lugares retirados, situa-nos sobre pensamentos insólitos”.
    O problema da existência, julgo já ter ficado definitivamente resolvido, por Descartes, uns séculos atrá, através de uma racionalidade muito precisa, o que me leva ao ponto de já não me preocupar com essa questão. Seria displicente da minha parte, ter a ousadia de querer reformular o que já se encontra formulado, uma vez que, a este nível de pensamento, procuro inspirar-me no grande princípio ético que Píndaro liricamente apregoava, ao afirmar, “Chega a ser o que és”.
    Talvez possa encontrar uma resposta mais apaziguadora, junto daqueles filósofos, cujas ideias se aproximem tendencialmente da intenção subjacente à sua pergunta.

    • antoniofernando

      “Efêmeros! O que é alguém? O que não é alguém? Sonho de uma sombra:
      o homem. Mas quando o brilho do dote divino vem,
      a luz radiante sobrepaira nos homens e a vida se torna doce como mel.”

      Píndaro,Oitava Pítaca

  • antoniofernando

    Alexandre:

    Grato pela sua resposta.Afinal não duvida sempre.Mas revejo-me muito no texto que citou de Ortega & Gasset.Todo o esforço de independência intelectual tende a afastar-nos das confrarias ideologicamente instituídas e quantas vezes tirânicas. O preço a pagar por essa independência de pensamento é caro mas vale bem a pena pagá-lo. É uma forma de se poder dormir tranquilo.

    E quiçá pensar se a alma existe ou se é meramente ilusória, como o Budismo sustenta.A matéria também parece que existe mas, quando decomposta,a imensidão atómica do ” Vazio” é notória, como os físicos quânticos bem sabem. Cá para mim Deus, gosta de brincar connosco e trocar-nos as voltas a cada passo do processo evolutivo e de aquisição do conhecimento.Os físicos costumam também asseverar que a energia do Universo é = 0, embora não pareça nada que assim seja. Mais uma vez o Velho Sarcástico a gozar connosco…

  • Anónimo

    DUVIDAR É SEMPRE BOM.
    SE HOUVER RESPOSTAS, AS DÚVIDAS DISSIPAM-SE.
    SOBRE O TEMA DESTE BLOGUE E AO QUE HÁ RELIGIÃO DIZ RESPEITO, AS DÚVIDAS MULTIPLICAM-SE E AS CERTEZAS VÃO SEMPRE NA DIRECÇÃO DE QUE A RELIGIÃO NÃO FAZ QUALQUER SENTIDO.

  • Alexandre Castro

    antoniofernando:
    Deixo-lhe a parte final de um artigo de Manuel M. Navarrete, no blogue Rebelión:
    “… la izquierda sólo puede vencer recuperando lo que voy a denominar su “ateísmo”, pero no un ateísmo retórico, sino un ateísmo radical, esencial, estructural. Ser ateo no consiste en sustituir a un dios por otro, sino en renunciar a la necesidad de inventar dioses; y es requisito sine qua non para conservar una actitud crítica. Nuestro socialismo no debe ser una fe; sus textos no deben ser una Biblia; para él no debe haber nadie intocable (ni Marx, ni Lenin, ni Mao… pero mucho menos sus “representantes” y exégetas actuales). Marx dijo en una entrevista que lo que más detestaba era el servilismo. También habló, en su carta a Ruge, de la necesidad de una “crítica despiadada de todo lo existente” (como la que de hecho ejecutó en su Crítica del Programa de Gotha, glosando sin piedad los errores del partido marxista alemán). Para vencer, a la izquierda le conviene recuperar esta actitud que tan bien inmortalizara Marx, pero (siento insistir) no porque la inmortalizara Marx, sino porque a la izquierda le conviene para vencer”.

You must be logged in to post a comment.