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  • 4 de Novembro, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • Religiões

Punição sem queixa do ofendido

Por

José Moreira

Apesar da minha idade, ainda há coisas que me vão deixando perplexo. Isto porque, afinal, todos os dias são apresentadas provas ou, pelo menos, indícios, de que Jeová não é assim tão poderoso como isso. Ou então, que há gente ainda mais papista que o Papa.

Vamos por partes. Vamos supor que eu estou em determinado local, onde também está um membro do Governo. Eu, numa ocasião de fúria, chamo “porco” a esse membro do Governo. Provavelmente, e porque se trata de um crime, o membro do Governo faz com que eu seja punido. Parece-me não ter lógica nenhuma que, por exemplo, o motorista ou o porteiro tratem do meu castigo. O ofendido é o membro do Governo, ele é que tem de ser ressarcido da ofensa. Mas vamos supor que o membro do Governo não fica ofendido, ou está-se borrifando para a ofensa: que legitimidade têm, o porteiro ou o motorista, para me castigarem?

Foram hipóteses. Vamos a factos: um jogador do Sampdória foi suspenso por blasfémia. Foi Jeová, que o suspendeu? Não, embora a notícia não especifique quem foi a entidade aplicadora do castigo. E a pergunta é: com que legitimidade? Por ter ofendido Deus? E quem garante que Deus se sentiu ofendido? Quem garante que Deus que, em princípio, está acima das rasteirices, terrenas, não se borrifou para o insulto, tal como o membro do Governo? Já agora: será que Deus não teria poder para castigar o ofensor? Não seria mais giro ser aplicada, logo, a justiça divina?

Dir-me-ão: “Ah, e tal, ele será castigado no Juízo Final”. Tudo bem, admitamos que sim. Mas será justo ser punido DUAS vezes pelo mesmo facto? Isso não é ilegal?

12 thoughts on “Punição sem queixa do ofendido”
  • antoniofernando

    Caro José Moreira:

    Há indivíduos muito estúpidos e mesquinhos. Que se põem a interpretar os supostos propósitos justicialistas de Deus. Não acredito nada nessa concepção estupidificante sobre Deus que tantos danos causou à Humanidade.Ao menos, aqueles que antropomorfizaram Deus podiam tê-lo feito à medida da grandeza, e não da pequenez, humana. Mas normalmente, seja no campo da teologia ou da política, são os medíocres que se impõem e preponderam. Subscrevo inteiramente o seu texto.Quando tiver que o criticar, fá-lo-ei com a mesma intenção de equanimidade…

  • Anónimo

    se o tipo fosse jogador do benfica, vá lá…
    claro que o filho da suprema divindade (o jesus) teria toda a razão para castigar o tipo.
    mas do Sampdória?…
    é um absurdo!
    não cabe na cabeça nem do joãoc nem do pedro (o santo) – ou cabe?

  • Anónimo

    Sr.José Moreira eu admiro os seus textos, simplesmente você consegue mostrar o quanto é ridículo a posição do homem perante Deus e suas acções, sem entrar na questão hipotética do existe ou não existe você mostra o absurdo comportamento do homem perante um ser imaginário.

    Não percebo o porquê de não estar na lista de colaboradores do blog.

  • anonimo

    «Mas vamos supor que o membro do Governo não fica ofendido, ou está-se borrifando para a ofensa: que legitimidade têm, o porteiro ou o motorista, para me castigarem?» – O porteiro ou o motorista não teriam legitimidade nenhuma, mas um juiz teria toda a legitimidade.

    Os exemplos valem o que valem.
    Mas, para mostrar como as coisas não são tão simples, vejamos um exemplo de como a punição tem lugar, mesmo contra vontade do “ofendido” (mesmo que não tenha ficado “ofendido”).

    Vamos imaginar que o José Moreira se enamora de uma miúda de 14 anos e, palavra puxa palavra, acabam por ter relações sexuais (de relevo, como diz o nosso Código Penal): Imaginemos que a miúda ate tinha um aspecto físico de 18 anos, embora o José Moreira soubesse a verdade.
    Imaginemos também que ela provocou sistematicamente o José Moreira, incitando-o e pedindo para praticarem sexo.
    Sepunhamos então que aconteceu.
    Imaginemos que alguém descobriu.
    Quer a “vitima” esteja ou não ofendida, mesmo que seja contra, o José Moreira será punido.

    Um exemplo apenas!

    • antoniofernando

      Imaginemos que, do ponto de vista legal, há situações que não são susceptíveis de analogia.

      Imaginemos depois que há quem queira confundir uma eventual sedução de uma miúda de 14 anos com uma suposta entidade ideal, que alguns concebem como Deus e outros nem sequer concebem como existindo.

      Imaginemos que a noção de blasfémia é configurada tal como ” toda a palavra ou atitude injuriosa contra Deus, a Santíssima Virgem e os Santos” ou como ” atribuição de defeitos a Deus ou a negação de qualquer dos seus atributos”.

      Imaginemos ainda que o jogador da Sampdória é ateu: não acredita nem em Deus,nem na Santíssima Virgem nem nos Santos.

      E imaginemos que no calor da refrega futebolística lhe sai esta frase,dirigida a um árbitro assistente: ” Porco Dio”.

      Quem pode ter sido ofendido ? Deus ou o árbitro assistente ? E quem sabe se Deus se ofenderia ? Deus passou procuração a alguém para O representarem na ordem terrena ?

      E que blasfémia poderia ter ocorrido,se o futebolista em causa fosse ateu ?

      Algum ateu, por exemplo, pode ser considerado herege ?

      Agora, imaginemos que a o jogador não foi julgado por nenhum tribunal mas pela Liga Italiana de Futebol.

      E perguntemo- nos que legitimidade tem um organismo desportivo para suspender um jogador por uma suposta ” blasfémia” contra o Deus , em vez de eventualmente o ter suspendido por ter dirigido uma expressão censurável a um árbitro assistente

      Tantas questões e tantos exemplos, não é verdade ? …

      • antoniofernando

        Em complemento do meu comentário anterior, aqui deixo referência adicional aos dois crimes previstos no Código Penal Português contra sentimentos religiosos, de onde se pode concluir que não existe nenhuma tipificação legal contra supostas ” ofensas a Deus” ou por alegadas ” blasfémias”:

        Dos crimes contra sentimentos religiosos

        Artigo 251º
        Ultraje por motivo de crença religiosa

        1 – Quem publicamente ofender outra pessoa ou dela escarnecer em razão da sua crença ou função
        religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com
        pena de multa até 120 dias.
        2 – Na mesma pena incorre quem profanar lugar ou objecto de culto ou de veneração religiosa, por
        forma adequada a perturbar a paz pública.

        Artigo 252º
        Impedimento, perturbação ou ultraje a acto de culto

        Quem:
        a) Por meio de violência ou de ameaça com mal importante impedir ou perturbar o exercício legítimo
        do culto de religião; ou
        b) Publicamente vilipendiar acto de culto de religião ou dele escarnecer;
        é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

      • anonimo

        Estimado comentador:
        O meu exemplo não se contrapunha à infracção desportiva, mas sim à ofensa a um governante.

        A questão é que se trata, no caso original, de uma eventual infracção disciplinar, e não criminal.
        As infracções disciplinares são “julgadas” e punidas de acordos com regulamentos específicos e particulares. Aí as leis criminais não se aplicam.
        Não conheço o referido regulamento, mas nada impede que sancione uma expressão ofensiva contra quem o “regulamentador” quiser.
        Um regulamento punir faltas de educação, não acho mal.
        Alguns regulamentos disciplinares que conheço fazem-no, efectivamente, e não considero que estejam errados.

        «E que blasfémia poderia ter ocorrido,se o futebolista em causa fosse ateu ?»
        A resposta é óbvia: a mesma que ocorreria se o futebolista fosse crente.
        A questão é que a infracção disciplinar recai sobre a expressão e não sobre o sistema de valores do autor. Ou seja, o sistema de valores pode ser uma atenuante, mas não iliba a responsabilidade do autor.

        Vejamos: sendo eu republicano, não concordando com a imposição de um rei, isso não me iliba de o respeitar como rei. E, o meu republicanismo não me torna inimputável se o ofendido for o rei em vez do presidente da república.

        Portanto, no caso vertente, infracção disciplinar é tudo aquilo que o respectivo regulamento (aplicável ao caso) define como tal, e não aquilo que o sistema de valores do jogador determina, aceita ou condena.

        • anonimo

          Se me permite uma opinião franca, direi:
          Um ateu, para exigir respeito, deveria ser o primeiro a respeitar os crentes, as crenças, os Deuses, etc.
          Respeitar não significa acreditar ou praticar, mas sim tolerar e aceitar que os outros procedam de forma diversa ou contrária.

          O que aqui tenho visto, a forma como ateus agem (não respeitando os crentes e as religiões), legitima e responsabiliza-os pelo comportamento menos “suave” dos crentes.

          • Anónimo

            “Um ateu, para exigir respeito, deveria ser o primeiro a respeitar os crentes, as crenças, os Deuses, etc. ”

            em absoluto acordo
            desde
            que haja reciprocidade.
            porém
            aqui – o jogo está a ficar viciado…
            contam-se pelos dedos os teístas que não entram “porta dentro” para o insulto gratuito.

            nada tenho contra a crença de cada um.

            não entro, em princípio, num templo (as poucas vezes que o fiz, foi por mero interesse estético ou funerais)…

            da parte dos “parceiros” crentes, a prática (se verificar os comentários) é, de forma geral insultuosa. com a agravante; entraram portas dentro sem sequer pedir licença…!

          • antoniofernando

            Aqui concordo consigo. Infelizmente há neste “D.A.”,a todos os níveis,e eu também já incorri nessa falta,embora estribada em atitudes reactivas,situações de constante desrespeito pelas crenças e descrenças.Isso acontece em quase todos nós, com raríssimas excepções…

          • Carlos

            É agora boa altura para lembrar que crenças, sejam elas no que forem, não passado de opiniões e como tal *não* têm de ser respeitadas?

            Não é assim tão difícil:
            pessoa = merecedora de respeito por omissão, quando não a conhecemos, ou, depois de a conhecermos, enquanto fizer por o merecer;
            opiniões = discutíveis, argumentáveis, contra-argumentáveis, ridicularizáveis, etc.

        • antoniofernando

          Caro Anónimo:

          Como presumo saberá, as leis criminais não comportam aplicação analógica.

          Por isso, afigura-se-me que a questão deve ser unicamente analisada no específico âmbito em que ela foi tratada:ou seja, no da disciplina desportiva.

          Se o futebolista fosse ateu não é nada óbvio que pudesse ter ocorrido alguma blasfémia, ainda que em Itália existisse alguma lei contra blasfémia, o que não é o caso.

          Itália não é propriamente o Irão.

          Ora, um ateu não pode amaldiçoar Deus. Pois se os ateus não acreditam em Deus, como poderão eles ofender um Ser em cuja existência não crêem ?

          Algum não – católico pode ser excomungado ? Por certo não.

          Algum ateu pode ser considerado herege ? Obviamente que não.

          Algum ateu pode blasfemar contra Deus ? Evidentemente que não.

          Concluindo:

          Em minha opinião, parece-me claro que nem o jogador em causa poderia ter blasfemado porque em Itália não existe nenhum crime de blasfémia.

          Nem poderia ter sido alvo de punição disciplinar pela apregoada blasfémia.

          Situação diferente será se esse jogador, com a expressão concreta dirigida ao árbitro assistente o tiver ofendido.

          Mas aí não há também qualquer blasfémia. Poderá haver é ofensa verbal a esse árbitro,se ele se tiver sentido injuriado com a referida expressão.

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