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O Pai Natal não existe.

Numa conversa que é pena ficar escondida nos comentários, o Alfredo Dinis escreveu que «O Pai Natal não é um ser sobrenatural, é uma fantasia. Todos nós sabemos isso. Não vale a pena baralhar mais o que de si já se presta a confusões.»(1) Concordo que o Pai Natal não existe. Mas é precisamente por isso que é um bom ponto de partida. Este exemplo dá-nos uma base consensual para avaliar a hipótese de um ser sobrenatural existir. Mas, primeiro, um aparte.

Escreve também o Alfredo que «Se a ciência se pronunciar sobre a existência histórica da figura humana de Cristo, não está a pronunciar-se sobre o sobrenatural. […] A ciência permanece no seu domínio.» No entanto, todo o edifício conceptual e dogmático do cristianismo depende de certos acontecimentos históricos. Muitos historiadores pensam hoje que Jesus existiu e foi mesmo crucificado pelos romanos mas, como qualquer conclusão científica, este resultado é provisório. Talvez se descubra que Jesus morreu de morte natural e a crucificação é só crucificção. Ou que o crucificado foi Judas e contaram mal a história. Não defendo que tenha sido assim, mas é possível que um resultado científico venha contradizer o fundamento do cristianismo. Por isso, mesmo sem o problema do sobrenatural, é errado dizer que o cristianismo está num domínio separado da ciência.

Voltando ao Pai Natal, consideremos esta pequena amostra de infinitas hipóteses que poderíamos considerar:

A: O Pai Natal é um ser sobrenatural, transcendente e imanente, cuja existência não pode ser nem comprovada nem refutada por qualquer observação.

B: O Pai Natal é um personagem fictício.

A hipótese A não pode ser testada. Saliento que não escrevo “não pode ser testada pela ciência”, porque o problema não é da ciência. É da hipótese. É impossível testar essa hipótese. Ainda assim, a ciência não se abstém de a avaliar. Sendo impossível de testar, tanto faz se é verdadeira ou falsa. Então, a ciência rejeita-a por ser uma hipótese inútil. Mais importante ainda, a ciência avalia hipóteses confrontando várias alternativas com os dados. É assim que se determina a mais plausível. Que, neste caso, é a hipótese B. É testável. Dela prevê-se que alguém tenha a capacidade de criar personagens fictícios e que haverá outros exemplos disso, e são ambas previsões bem suportadas pelas evidências.

Se alguém não gostar do Pai Natal não faz mal. Podemos substitui-lo pelo que quisermos que a hipótese A nunca será a mais plausível. Porque se tivermos evidências da existência do ser em causa, como temos de árvores ou cangurus, então a hipótese A claramente não serve. Teremos de optar por uma terceira hipótese que melhor corresponda às evidências. E sempre que se trate de algo para o qual não haja quaisquer evidências, a hipótese B será a mais plausível. Nunca haverá um caso em que vamos preferir uma hipótese como a hipótese A, porque uma hipótese que não se pode pôr à prova é uma hipótese que nunca dará razões para a considerar verdadeira.

É compreensível que queiram proteger esta religião do exame científico. A ciência é exímia a detectar erros e a corrigi-los, e isso só dá jeito se o rei levar alguma coisa vestida. Mas é um desejo fútil. O cristianismo foi inventado num tempo mais ingénuo, antes de começarem a evitar tudo o que fosse refutável, e assenta em hipóteses históricas susceptíveis de se revelarem falsas. Além disso, a ciência rejeita as hipóteses que sejam impossíveis de testar. Não as ignora calada. Por um lado, porque esse é o defeito mais grave que uma hipótese pode ter. Uma hipótese errada sempre nos ensina alguma coisa; uma que nem se pode pôr à prova não serve para nada. Por outro lado, porque a ciência avalia hipóteses considerando alternativas, e nenhuma hipótese impossível de testar pode ser mais plausível que as alternativas. Por exemplo, que a alternativa de considerar que essa hipótese é treta.

1-Que Treta!, Equívocos, parte 10. Agora mais radical

Em simultâneo no Que Treta!

22 thoughts on “O Pai Natal não existe.”

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  • Alfredo Dinis

    Caro Ludwig,

    “A hipótese A não pode ser testada. Saliento que não escrevo “não pode ser testada pela ciência”, porque o problema não é da ciência. É da hipótese. É impossível testar essa hipótese.”

    Se a hipótese A não pode ser testada, o que têm feito ao longo do séculos os estudiosos do fenómeno cristão? Mas o que está em causa em todas as discussões de blogues ateus é mesmo e só a questão do teste e prova científicos. O que querem dizer os não crentes – tu incluído – ao afirmarem repetidamente que ‘tudo indica que Deus não existe’? Ao fazerem esta afirmação estão a partir do pressuposto de que é a observação empírica segundo o modelo científico que ‘revela’ a não existência de Deus. Basta pensar no discurso de Dawkins pare entender isto. Tu próprio afirmas “Saliento que não escrevo “não pode ser testada pela ciência”, mas não resistes muito tempo nesta posição, afirmando logo a seguir “a ciência rejeita-a por ser uma hipótese inútil”. É certamente uma hipótese inútil para explicar os fenómenos da natureza. Sobre isso não há dúvida, nem adianta repetir isto como se fosse a premissa de um qualquer argumento sobre a existência ou não existência de Deus.

    “se tivermos evidências da existência do ser em causa, como temos de árvores ou cangurus, então a hipótese A claramente não serve.”

    Claramente. Deus não tem nada a ver com árvores ou cangurus.

    “Além disso, a ciência rejeita as hipóteses que sejam impossíveis de testar.”

    Exacto. Faz muito bem a ciência. Rejeita, por exemplo as seguintes hipóteses que são impossíveis de testar:

    1. “A vida humana começa no período da fecundação”;
    2. “A eutanásia é a melhor solução para os doentes de Alzheimer”,
    3. “A eutanásia é a melhor solução para os doentes mentais.”;
    4. “A nona sinfonia de Beethoven é a melhor de todas as sinfonias deste autor”;
    5. “A arte contemporânea é absolutamente incompreensível e inútil”
    6. “Com a morte o ser humano desfaz-se no nada absoluto”

    E, no entanto, estas questões são certamente mais importantes que a de saber se as constantes físicas universais são mesmo constantes ou têm sofrido mudanças. Esta questão tem estado a ser investigada por cientistas há décadas. Mas é de uma natureza completamente diferente das seis anteriores.

    Saudações,

    Alfredo Dinis

  • antoniofernando

    Talvez quem sabe se venha a descobrir que Alexandre Magno e Platão não existiram. Parece que os exemplos históricos actuais apontam no sentido da sua existência. Mas nunca fiando. Pode ser que ainda apareça uma luminária que nos venha dizer que afinal foi tudo um engano ou trapaça. Pode ser. Mas enquanto não suceder, Alexandre Magno e Platão são historicamente credíveis e Jesus de Nazaré também. Pode ser que um dia,talvez, venham a demonstrar que os relatos dos evangelhos sobre a vida e os milagres de Cristo eram meras fantasias. Que Cristo não morreu crucificado ou que o crucificado foi Judas ou eventualmente Pilatos. Pode ser.Mas enquanto não for,os testemunhos dos evangelhos são credíveis para uma enorme multidão de milhões de pessoas que neles confiam como relatos historicamente exactos. Dawkins não gosta ? Paciência. A vida nem sempre anda a nosso gosto.Quanto ao Pai Natal, quem sabe se algum dia um cientista muito da linha filosófica de Karl Popper vem demonstrar que afinal o Pai Natal existe. Quem sabe…

  • antoniofernando

    Um ateu morre e, quando chega ao outro lado, dá de cara com Deus. Porém, é claro, não O reconhece.
    “Eu estou morto?”
    “Podes ter a certeza. Estás fisicamente morto”, fala Deus, com divina calma.
    “Então existe mesmo um Além…”
    “Com certeza, meu caro. Com toda a certeza!”. Deus dá um leve sorriso, com divina ironia.
    O ateu olha para os lados. Sente estar dentro de um túnel. Para onde vou, indaga?
    Antes de chegar à Luz,volta-se para Deus e pergunta:
    “E você, quem é?”
    Deus balança a cabeça. Sabia que isso aconteceria. E com um divino sorriso fala: “Se eu te disser quem sou, não vais acreditar…”

    • Anónimo

      A historinha é hilária, sendo pena ter uma conclusão absurda. Acreditar pressupõe não saber. Ora, no dia em que deus aparecer diante de nós, não vamos precisar mais de acreditar, porque vamos “saber” que ele existe. Os crentes deixam de o ser e passam a sabentes.

      Numa analogia com o futebol, se me perguntar se acredito que o F.C.Porto vai ser campeão esta época, eu posso responder que sim ou que não. Até ao fim da época (ou muito perto), apenas tenho essa convicção, sendo que a mesma está aberta à discussão. Assim que a época terminar, a convicção passa a certeza e deixo de acreditar para passar a saber. É um dado adquirido, não preciso de ter fé naquilo que tenho a certeza.

      Será o conceito tão difícil de entender?

      • antoniofernando

        O conceito não é difícil de entender. Depende do conceito e de quem conceptualiza. Será isto para si tão difícil de assimilar ou também é fã de capelinhas intelectuais totalitárias que não admitem outras visões para além daquelas que se situam nas fronteiras dos seus exclusivos dogmatismos ?…

      • antoniofernando

        Vi que não apreciou a anedota anterior. Onde está o seu sentido de humor ?

        Veja lá se aprecia esta:

        Um aluno universitário assistia a uma aula de filosofia sobre a existência de Deus O professor afirmava a sua “irrefutável” lógica:

        – Alguém nesta sala, por acaso, ouviu Deus? Ninguém dá uma palavra…
        – Alguém nesta sala, por acaso, tocou em Deus? Ninguém dá uma palavra…
        – Alguém nesta sala, por acaso, viu Deus? Depois de, pela terceira vez, ninguém dar uma palavra, ele simplesmente prosseguiu:

        – Então não há Deus…

        Um aluno pensa por um segundo e então diz:

        – Com licença, mestre?

        Curioso para ouvir a réplica desse ousado aluno, o professor permite a participação e diz:

        – Sim, prossiga meu filho.

        O aluno levanta-se e dirige-se aos colegas perguntando:

        – Caros colegas, alguém nesta sala, por acaso, já ouviu o cérebro do nosso professor?
        (silêncio total… enquanto o professor engole seco)

        – Caros colegas, alguém nesta sala, por acaso, já tocou o cérebro do nosso professor?
        (silêncio total…)

        – Caros colegas, alguém nesta sala, por acaso, já viu o cérebro do nosso professor?
        (silêncio total…)

        Quando ninguém ousou responder, o aluno concluiu:

        – Então, caros colegas, de acordo com a lógica do nosso professor, deve ser também verdade que o nosso professor não possui cérebro…

        – Bem… disse o professor, vamos mudar de assunto…

        • Anónimo

          Qual quê! Sou grande apreciador de humor… e não tem que ser humor “elevado”… pode ser do rasteirinho.
          Erro meu. Assumi que queria dizer alguma coisa com as suas anedotas.
          Afinal o Antoniofernando acordou hoje bem disposto e quer é animar a malta. Muito louvável.

          Permita-me uma sugestão: estas anedotas fariam furor em sites do género “Tenho Jesus no coração” ou “Deus ama-me mesmo quando me porto mal”. Não as guarde só para a malta do DA 😉

        • Laico

          Que coisa tão barata esta anedota. Se eu a contasse a um analfabeto ou pouco letrado talvez ele até pensasse que o aluno estaria cheio de razão. Mas pelo jeito o aluno ouviu o professor falar. Amigo, conhece algum ser humano sem cérebro que fale, que se movimente, etc etc e tal. E para fazer de lorpa um professor arranjaram um que se calou com perguntas tão burras quanto o aluno.
          Tenho a dizer que já li esta anedota há montes de anos e com outros tipos de questões colocadas por esse aluno ficcionado. Isto já me entrou na caixa de e-mail em formato de PP’s, Word e em texto directo.

          Vá mais fundo no humor, quem sabe acabe por encontrar uma que nos faça rir.

      • Anónimo

        “Assim que a época terminar, a convicção passa a certeza e deixo de acreditar para passar a saber…”
        … que afinal foi o benfica que ganhou o campeonato…!

        • Anónimo

          Caro jsousa,

          tinha-o como ateu ou no mínimo agnóstico, mas afinal reparo que acredita em milagres!!!!

          Em que é que ficamos? 🙂

          • Anónimo

            é…
            tenho dias. mas com o jesus presente…
            tenho mesmo muita fé.
            melhor; -” fezada!…”

  • Antonioporto

    “Além disso, a ciência rejeita as hipóteses que sejam impossíveis de testar.

    TOMARA QUE O FÍSICO HAWAKING NÃO LEIA ESTE BLOG,
    SE NÃO VAI TER QUE REFAZER A SUA TEORIA SOBRE OS BURACOS NEGROS,
    OU ABANDONÁ-LA, POIS NÃO TEM COMO PROVÁ-LA.
    OBS.: DEPOIS 30 ANOS ELE DISSE QUE ESTAVA ERRADO, E NENHUM
    CIENTISTA RENOMADO PERCEBEU ISSO?
    DEVE SER PORQUE NÃO SERVE PARA NADA.

    • Anónimo

      Mais uma confusão meu caro companheiro criacionista: testar é diferente de provar.

      Os modelos matemáticos que comprovam o que não pode (para já) ser comprovado de outra maneira, é infinitas vezes mais do que algum velho livro alguma vez nos poderá oferecer.

      Além disso, Hawking é um cientista e “refazer” ou “abandonar” fazem parte do seu léxico, coisa impossível para quem se limita a acreditar.

      • antoniofernando

        Ahahahah…” criacionista”….Você é um ponto…Também você milita no nacional-porreirismo superficalmente medíocre ? Olha que lhe fica muito mal…

        • antoniofernando

          Peço desculpa papapaulo. Desta vez enganei-me. Pensei que me vira a mim como ” criacionista”. Antónios há muitos…:-)

      • Antonioporto

        Ele não testou e nem provou. Deu na mesma.
        Na verdade ele só voltou atrás porque um cientista russo
        mostrou outra teoria sobre os buracos negros,
        tão inúti quanto a de Hawking.
        Quem sabe daqui a 30 anos teremos novidades.

    • antoniofernando

      Antonio:

      O seu exemplo está muito bem dado Sabe como é que os cientistas cépticos acreditaram em Einstein quando ele revolucionou toda a visão cosmológica, a partir de equações matemáticas e raciocínio lógico ? Puseram-se todos a cavalgar um raio de luz, Ludwig Krippahl incluído. Assim puderam não rejeitar a Teoria da Relatividade Einsteiniana. Testaram-na dessa forma. Quanto ao Hawking, também deve ter caído num imenso buraco negro e trouxe de lá um vídeo para que os mesmos cépticos não duvidassem da sua existência…. 🙂

  • antoniofernando

    “É compreensível que queiram proteger esta religião do exame científico. A ciência é exímia a detectar erros e a corrigi-los, e isso só dá jeito se o rei levar alguma coisa vestida. ”

    Está enganado Ludwig. Veja aqui, num dos mais brilhantes cientistas da actualidade,o crente e cristão Francis Collins,” apenas” Director do Projecto do Genoma Humano:

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Francis_Collins

    http://www.scribd.com/doc/7182790/Francis-Collins-A-Linguagem-de-Deus

  • antoniofernando

    3ª anedota do dia, um ” bónus” especial para os meus companheiros ateus de debate:

    Era uma vez um ateu que morava ao lado de um homem muito religioso. O ateu vivia muito bem, era casado com uma mulher linda, tinha belas crianças que iam muito bem na escola, uma maravilhosa casa.
    E o homem religioso, que ia à missa duas vezes por semana, rezava três orações por dia, ensinava o catecismo, tinha todos os problemas possíveis: a mulher abandonou-o, as crianças viraram delinquentes e já não iam mais à escola, ele foi despedido do emprego.
    Um dia, vendo essa injustiça divina, o homem conversa com Deus:
    Oh Senhor, o meu vizinho nunca foi à igreja, nem mesmo acredita no Senhor, nunca reza, respira felicidade, sua vida é fantástica…
    Enquanto eu, que Lhe sou grato por todos os dias, canto louvores em todos os tons, ensino Sua palavra às crianças, peço-Lhe conselhos por cada um de meus actos, confesso todos os meus pecados, tenho uma vida miserável… Por quê, Senhor?
    Então ouve-se uma voz profunda vinda dos céus:
    É que ele não fica o dia todo me torrando o saco!

    • Anónimo

      Esta sim!… Afinal, os ateus também são filhos de deus e merecem uma gargalhada a condizer 🙂
      É oficial, o antoniofernando foi eleito, para o dia de hoje, o comentador mais bem disposto do DA.

    • Anónimo

      demais…!
      isto hoje, promete…!

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