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  • 7 de Setembro, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • Catolicismo

Momento zen de segunda

Por

Rui Cascão

O Carlos Esperança que me perdoe por me antecipar à sua diuturna refutação da crónica de Segunda feira de João César das Neves no DN, e ainda por lhe plagiar o “lead”, mas desta vez não consegui resistir.

Ora cá cá vai a contradita:

JCN refere “Desde o Iluminismo que uma ingénua arrogância luta, em nome do mundo novo, para substituir as tradições cristã, judaica, muçulmana, celta, germânica, greco-romana por uma ficção pseudo-científica que alimenta o corropio de ideologias.”. É claro que JCN convive mal com a Europa que emergiu das luzes, e que preferiria o pio mundo das trevas medievas e da infalibilidade papal.

Numa outra pérola, afirma que “pelo contrário, havendo atrocidades de parte a parte, regra na época, a superior técnica cruzada permitiu, face a enorme desvantagem numérica, manter um reino e rica cultura “que, pelo menos ao longo da costa, durou quase tanto quanto os EUA são uma nação” … não haverá aqui uma contradição no raciocínio de JCN? Ora as atrocidades de parte a parte, regra na época, conforme afirma, não são apenas a consequência do espírito da época pré-iluminista? Ora, os valores iluministas consistem precisamente na erradicação da barbárie, e os que se verificaram no período pós-iluminista se devem essencialmente a derivas irracionalistas ou na incapacidade humana de aplicar os valores do iluminismo?

JCN prossegue afirmando que “Desde o Iluminismo que uma ingénua arrogância luta, em nome do mundo novo, para substituir as tradições cristã, judaica, muçulmana, celta, germânica, greco-romana por uma ficção pseudo-científica que alimenta o corropio de ideologias. Em resultado, empirismo, utilitarismo, positivismo, marxismo, nazismo, existencialismo, pós-modernismo têm-se sucedido, degradando uma elevação cultural que modelou o mundo.”. Fabuloso… nem sei por onde começar a contestação. JCN é um economista, sendo o seu pensamento económico (que é aliás irrepreensível) enquadrado por uma óptica liberalista. Ora o liberalismo económico tem como bases o empirismo, o positivismo e o utilitarismo. Será que JCN arriscará a sua credibilidade profissional ao renegar as bases metodológicas da sua arte? Sempre pensei que JCN fosse cristão. Ora o existencialismo iniciou precisamente como uma reacção filosófica cristã contra o positivismo e o utilitarismo (com o seu expoente máximo o teólogo Søren Kierkegaard). Por outro lado, como é que se colocam no mesmo saco do pós-iluminismo ideologias tais como o nazismo, o existencialismo e o pós-modernismo, que têm como fundamento a própria negação dos princípios e valores do iluminismo, ou o marxismo (e o hegelianismo) que restringem o valor da liberdade humana em contradição com o iluminismo, no mesmo saco do positivismo e do utilitarismo? Só com a intenção dolosa de criar uma falácia tal se poderá admitir.

Prossegue JCN ao afirmar que “Desde o Iluminismo que uma ingénua arrogância luta, em nome do mundo novo, para substituir as tradições cristã, judaica, muçulmana, celta, germânica, greco-romana”… Será que não haverá aí um certo elitismo, para não dizer outra coisa, na selecção das pseudo-matrizes culturais da Europa? Milhares foram os povos e culturas que preteritamente marcaram e futuramente marcarão a Europa enquanto este planeta existir. Então e a tradição eslava, a tradição báltica, a tradição nórdica, a tradição magiar, a tradição otomana, a tradição cigana, a tradição albanesa, a tradição basca, a tradição ibérica, as várias tradições de todas as sete partidas do mundo que enriqueceram a cultura europeia, etc.? E expliquem-me o que é que significa “tradição greco-romana” para além de um cliché? Que eu saiba, existe a cultura helénica, a cultura helenística, a cultura romana e um aglutinado entre uma cultura avançada (a helenística, hedonística e nefelibata) que foi conquistada e escravizada por outra cultura mais pragmática. Tradição germânica… qual? A dos Francos? A dos Visigodos? A dos Ostrogodos? A dos Vândalos, e neste caso quais? Os Asdingos ou os Sililingos? O que é a tradição cristã? A cristã ortodoxa, a católica, a luterana, a calvinista, a copta ou a monofisita? E a tradição islâmica? A sunita, a xiita ou a sufita? E entre a sunita, prevalente na Europa? A wahabista, a salafista, a malaquista, ou a shafiista? Então e as “tradições” cristalizam-se no tempo e no espaço em entropia?

Finalmente refere JCN uma obra de Rodney Stark com uma visão alternativa das cruzadas em que o materialismo rapaz dos cruzados é uma falsificação, os cruzados são a ingerência humanitária in illo tempore, etc. JCN, quando não fala sobre economia, é recidivo em utilizar apenas uma fonte revisionista erigindo-a em suma autoridade que decisivamente revê o paradigma. Penso que JCN deveria ler Thomas Kuhn. Bem sei que provavelmente Kuhn deve estar no index e que JCN provavelmente preferiria a epistemologia coeva de Galileu. Kuhn afirmou que, para que uma determinada tese científica (paradigma) possa ser revista e superada, de forma a haver uma revolução epistemológica relativamente a essa tese, é necessária a completa superação da tese anteriormente dominante na comunidade científica. E, quanto às cruzadas, o paradigma dominante não foi superado por esse autor que JCN indica, e que configura esse sistema histórico (as cruzadas) como um confronto de interesses entre dois pólos principais. De um lado os interesses espirituais e venais dos Estados Pontifícios, de algumas potências europeias com possibilidades limitadas de expansão territorial devido ao equilíbrio de poder na Europa e forte pressão demográfica (quanto a isto, leia-se o Diplomacia de Kissinger), a ânsia de glória e fortuna dos não morgados excedentários do regime feudal. Do outro lado o expansionismo do califado islâmico, (aliás, JCN deveria verificar melhor as suas fontes, nas primeiras cruzadas ainda os turcos não tinham adquirido a preponderância no mundo islâmico- o protagonismo coube até 1258 ao Califado Abássida de Baghdad, data em que foi conquistado pelos mongóis… a história afinal tem números, tal como a economia). Actores menores e contraditórios foram o Império Romano do Oriente (cristão ortodoxo, que foi saqueado e ocupado na quarta cruzada pelos cruzados, precipitando a sua agonia que culminou com a tomada de Constantinopla em 1483) e a Sereníssima República de Veneza, ansiosa de expandir o seu território, acertar contas com os Estados Pontifícios e promover os seus interesses mercantis no Levante.

JCN fala de cátedra e fala bem quando fala de economia. Quando fala de filosofia ou de história, deveria ir mais ao fundo. E não deveria generalizar no que concerne a temas tão imensamente complexos. É que a sua reputação sofre. E prefiro mil vezes o nosso imperfeito admirável mundo novo à entrópica pax ecclesiae e o gloria in excelsis deo defendidos por JCN.

13 thoughts on “Momento zen de segunda”
  • antoniofernando

    “Eles sinceramente acreditavam servir nos batalhões de Deus.” , disse JCN referindo-se aos Cruzados.

    Pois. Mesmo que tivessem que chacinar homens ,mulheres e crianças a fio de espada, como no caso da chacina dos cátaros.

    Que procedessem aos saques e pilhagens dos vencedores e às violações sistemáticas.

    Que abjecta esta profissão de fé do revisionista histórico JCN…

    • antoniofernando

      Desejo enaltecer e louvar este texto excepcionl, muito bem escrito de Rui Gascão. Para mim, o melhor de todos que, até hoje,li no ” D.A.” Estilo sereno, discurso inteligente, ideias perfeitamente alinhadas, refutação cabal da crónica meramente panfletária de JCN…

  • Joao_C

    Um excelente artigo, como já é habitual, de João césar das Neves.

    Do Iluminismo, de facto, ficaram as trevas e as desastrosas consequências que os insensatos, falsos cristãos, ateus, mentirosos, caluniadores e os ignorantes do costume que lhes dão ouvidos, se gloriam de defender…

  • Ricardodabo

    Carlos, como se chama o blogue da Palmira? Estou tentando clicar no link onde está o nome dela, mas não entra de jeito nenhum.

  • pedro

    -|- -|-
    M MA

    Joao_C talvez esta onda de ateismo não venha por acaso.

  • antoniofernando

    Caro Pedro

    Porque é que você se limita a atirar frases de circunstância sem explicitar as suas razões ?…

  • antoniofernando

    “JCN fala de cátedra e fala bem quando fala de economia. Quando fala de filosofia ou de história, deveria ir mais ao fundo. E não deveria generalizar no que concerne a temas tão imensamente complexos”

    É verdade mas isso aplica-se a todos as ideologias e a todos os proselitistas sem excepção. Quando se fala genericamente sobre o iluminismo também é preciso atentar que esta época também teve o seu próprio “mundo das trevas” de horrores e intolerância.Não deixa de ser aliás curioso notar que o Iluminismo em Portugal tenha estado associado ao despotismo supostamente esclarecido de Pombal. Como se a livre expressão de pensamento só pudesse pender para o lado que o déspota legitimava…
    “O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direcção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direcção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! – esse é o lema do Iluminismo”, dizia Kant.
    Só que fazer uso da razão não tem que reportar-se a um exclusivo sentido direccional. Como se a razão tivesse que estar tutelada pelo balizamento ideológico da cientificidade positivista.
    Mas,em todas as ideologias, acabam por ser muitos dos seus apaniguados os que mais se afastam do princípio intangível da democraticidade do pensamento. De que Napoleão foi um caso paradigmático, Eis como sob alegada inspiração das Luzes, o iluminista Napoleão se coroou a si próprio como Imperador. O mesmo Napoleão que legitimou a invasão de um país independente como Portugal. O desastre da Ponte das Barcas no Porto e a destruição de variado património arquitectónico no nosso país, de que o Mosteiro de Alcobaça foi exemplo eloquente, na atribiliária passagem dos arruaceiros napoleónicos em terras lusitanas, faz- nos ver que a separação entre ” luzes” e ” mundo das trevas” não é tão dicotómica como alguns desejam fazer crer. Em todo o caso, este texto de Rui Cascão tem o enorme mérito de mostrar como é possível discorrer intelectualmente, sem incorrer na tentação totalitária ,também ateísta, de escritos panfletários e de palmas a pedido…

  • Molochbaal

    O texto está extremamente interessante mas peca por duas falhas.

    – Em primeiro lugar, reconheçamos, tecnicamente, o famigerado César das Neves tem razão no que aos turcos diz respeito.

    Foi de facto o radicalismo dos seljúcidas que tomaram a terra santa que despoletou as cruzadas. Claro que isto não significa que, ao contrário do que o beato diz, a guerra religiosa não fosse já um facto muito antes. A brutal conquista muçulmana consolidada no expansionismo omíada evidentemente que configurava já um clima de guerra santa que potenciou as cruzadas.

    – Em segundo lugar, o incensar de César das Neves pelo autor, como um grande economista que todos deveremos referenciar é ridícula. O beato em questão é um dos mais fanáticos neoliberais que rosnam na nossa praça. Ora o neoliberalismo é a doutrina responsável pelas crises brutais a que temos assistido nas ultimas décadas e está completamente desacreditado para qualquer pessoa de bem que tenha mais de um neurónio. O insistir do beato na linha mais dura e CRIMINOSA dessa ideologia é uma demonstração da sua falta de carácter ou e, de profunda deficiência de construção lógica do seu discurso. Em conclusão, não sei se ele diz mais asneiras quando fala da cátedra de beato defensor da infalibilidade papal e grande combatente contra o preservativo durex ou quando defende, também de cátedra, fanática, raivosa e intransigentemente uma doutrina comprovadamente errada e imoral. A cátedra dele parece-me mais a do fanatismo cego e imoral, tout court, do que qualquer outra coisa.

  • Carpinteiro

    Ricardodabo.

    http://www2.blogger.com/profile/16017553655524768637

    Espero ter ajudado.

    Cumprimentos.

  • JoaoC

    Pedro!

    Claro que não. No fundo, tanto esses coitados, como os que se dizem crentes que a eles se juntam a crucificar de novo Nosso Senhor Jesus Cristo e a Sua Santa Igreja, fazem parte do plano de Deus, ainda que ao serviço de Satanás, para que se cumpram as Escrituras e as profecias…

  • anon

    Nem sei para que ainda se dão trabalho de comentar as alarvidades do Abominável César das Neves.
    Raramente se vê tamanho incongruência intelectual por parte de algo que não um objecto inanimado. Aqui temos uma pessoa que é professor catedrático, reconhecido em Portugal no campo da economia, e que ao mesmo tempo, tem a capacidade intelectual de uma maçaneta.
    João César das Neves é um anão intelectual, precisamente porque pende para os dois lados da balança. Por um lado é um profissional reconhecido, por outro é praticamente um taliban cristão.
    Ninguém no seu perfeito juízo, e vivendo numa sociedade ocidental (entenda-se não repressiva, ao contrário do que, tenho a certeza, JCN gostaria que fosse, para poder pisar em todas as minorias que não gosta) e tendo acesso livro a informação imparcial, e a relatos históricos, poderia dizer tamanhas barbaridades.

    O Yeti é um perfeito imbecil. Não há nada mais a comentar sobre essa pessoa ou sobre o que ela diz, pensa ou acha. Por favor livrem o país de dar a esse homem mais protagonismo.

  • pedro

    -|- -|-
    M MA

    Joao_C

    Orações do Anjo em Fátima:
    Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos.
    Peço Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam.

    Tens o resto e mais coisas sobre isso na wikipedia
    Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ora%C3%A7%C3%B5es_do_Anjo

  • pedro

    -|- -|-
    M MA

    antoniofernando

    O que falei parece servir o objectivo mas também levanta questões que poderiam dar um tema só por ela mesma.
    Para que queres tu saber saber as minhas razões?
    Se o assunto te interessar posso-te recomendar procurar pela historia de como nasceu a oração do papa Leão Xiii.

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