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A minha educação sexual

Quando descobri que certas toques eram particularmente agradáveis, aproveitava todas as ocasiões para aumentar essa descoberta. Certa vez a minha mãe apareceu inesperadamente e disse-me em tom severo: «proíbo-te de tocares nisso, é um pecado grave, e vais acusar-te dele na próxima confissão.» Como o desejo era mais forte que o interdito, continuava episodicamente as minhas práticas masturbatórias, na angústia e no medo da condenação eterna. O problema da masturbação acompanhou-me durante toda a adolescência.
Ao domingo, toda a família ia à missa. Se por infelicidade me tivesse masturbado, e não tivesse tempo de me confessar, ia à comunhão com a certeza de cometer um pecado mortal. Mas preferia correr esse risco a ter de suportar o olhar inquisidor do meu pai e a atitude dolorida da minha mãe. Não comungar, era confessar oficialmente o meu vício, a minha “fraqueza”.
Fiz os meus primeiros estudos num colégio interno dos Salesianos. toda a minha educação foi dominada pela noção da culpabilidade e do pecado. Lá, tudo era pecado: Falar no dormitório, não ir à missa todos os dias, queixar-se da comida, isolar-se com um companheiro para conversar ou jogar, não saber o catecismo ou desinteressar-se das lições de religião e moral. Qualquer falta à perfeição era sancionada conforme a gravidade, com uma reprimenda, algumas orações na capela, ou com um dever suplementar que consistia em copiar algumas passagens do Evangelho. As faltas mais graves eram punidas com castigos como, ficar a um canto virado para a parede, ficar de joelhos, ou de pé com os braços abertos como Jesus.
A minha educação foi orientada por alguns grandes princípios:
1º Deus está em toda a parte e vê-me em cada momento da minha vida. Pedir-me-á contas, no dia do juízo final, mesmo das acções mais ocultas.
2º Devemos procurar sem descanso a perfeição. Só a perfeição nos pode aproximar de Deus, que é perfeito.
3º Devemos desconfiar dos nossos instintos e más tendências. O bom cristão deve estar sempre vigilante, pois o Demónio está sempre pronto a seduzir-nos e a afastar-nos de Deus.
Os meios preconizados para conseguir cumprir este código eram a oração, a abstinência, o sacrifício permanente de si próprio, a luta quotidiana contra os maus pensamentos, sobre tudo em matéria de sexualidade, e a busca da perfeição em todos os actos da vida.
O confessor repetia-me muitas vezes: «Deus vê-te e julga-te. Pensa no sofrimento de Jesus que foi crucificado pelos nosso pecados.»
Quando penso nesses tempos, ainda me sinto esmagado. Era uma autêntica espiritualidade do terror.
Os meus pais intervieram muito pouco na minha educação. Tinham-me posto no colégio interno dos senhores padres. Tinham cumprido o seu dever.
Meu pai era aquilo a que se chama um bom cristão cumpridor. Tinha uma vida cristã bem organizada entre missas e comunhões regulares; pagava escrupulosamente o seu contributo para as despesas da Igreja e do Padre. Era um homem bom, mas demasiado preocupado com a sua própria angústia existencial.
Como todas as boas famílias cristãs, também tínhamos o nosso oráculo: o meu tio, jesuíta, culto e respeitado. Vinha almoçar uma vez por mês a nossa casa, e nós éramos obrigados a suportar os seus discursos sobre as teorias sociais da igreja.
Uma vez agarrou-me pelo braço, puxou-me para o terraço e lembrou-me: «Sabes que a masturbação é proibida» disse-me com ar ameaçador. «Não se deve mexer nas calcinhas às raparigas. Se isso já te aconteceu tens de te confessar.»
No colégio fui castigado por ter ficado em cuecas durante alguns minutos no dormitório. «Não podes ficar em cuecas diante dos teus colegas, podes provocar maus pensamentos» – foi a justificação.
Já tinha catorze anos quando o meu pai me faz a seguinte recomendação:
«desconfia das raparigas, mesmo das que, aparentemente, são umas pombas de brancura. São umas manhosas.»
Mas o ensinamento mais importante foi-me dado pelo nosso oráculo do domingo: «o único método contraceptivo autorizado é o das temperaturas.»
Eis um resumo do que foi a minha educação sexual oficial e familiar. Tudo o mais aprendi-o como me foi possível; nas piadas dos meus colegas e algumas revistas pornográficas que passávamos uns aos outros.

16 thoughts on “A minha educação sexual”
  • Anónimo

    Lamento sinceramente Fernando Fernandes. Não deve ter sido fácil para si.
    Presumo no entanto que essa vivência o tenha ajudado a distinguir entre fantasia e realidade, entre hipocrisia e sinceridade e tenha contribuido para construir o homem que hoje é.
    Se assim foi, ao menos serviu para alguma coisa.
    Infelizmente para muitos outros, essa vivência apenas serviu para os iludir e obscurecer, sendo hoje pessoas hipocritas e alienadas.
    É nosso dever impedir que as nossas crianças sofram hoje em dia esse tipo de deseducação.

    • Carpinteiro

      «É nosso dever impedir que as nossas crianças sofram hoje em dia esse tipo de deseducação.»

      Completamente de acordo.

    • Carpinteiro

      «É nosso dever impedir que as nossas crianças sofram hoje em dia esse tipo de deseducação.»

      Completamente de acordo.

    • Carpinteiro

      «É nosso dever impedir que as nossas crianças sofram hoje em dia esse tipo de deseducação.»

      Completamente de acordo.

  • antoniofernando

    F. Fernandes:

    Texto muito bem escrito e humanamente tocante.Fiquei sensibilizado.Também andei na catequese católica. Um dia, quando me apercebi que a ICAR aceitava, no seu catecismo,a pena de morte, primeiro não quis acreditar que isso fosse possível. No dia seguinte, quando confirmei a veracidade dessa aceitação,rompi definitivamente com a ICAR. Fui daqueles que por tradição católica familiar, recebi o Baptismo, as Comunhões e o Crisma. Mas, quando, em criança, andei na catequese, já não acreditava que Deus pudesse ser o cruel e irascível demiurgo do AT. Há alguns anos, tive uma grande e bendita crise de fé. Mas foi, através dela, que compreendi o quanto errada estava a concepção de Deus que, culturalmente, recebera no meu trânsito anti- formativo da ICAR. Hoje, mantenho a minha convicção na existência de Deus. Mas já não há inferno terrífico de chamas ardentes, nem limbo infantil, nem função salvífica do baptismo, nem qualquer justificação para orações de pedido, nem intervenções divinas indiscriminadas, ao sabor de um suposto e insondável desígnio transcendental, que ninguém entende ou explica. Onde está Deus, então ? Dentro de cada um de nós,penso. Hoje, para mim, buscar Deus é o melhor que temos da nossa própria Humanidade: o altruísmo, a generosidade, a cooperação,a partilha justa dos bens. Quando ocorreu o terrível terramoto do Haiti, também me perguntei: porquê meu Deus os abandonaste ? Mas no dia a seguir li as noticias da comunicação social .E nelas não havia só lugar para o sofrimento.Muitos de nós partiram para ajudar e apoiar fraternalmente e superar ou minorar esse amplo sofrimento. Talvez Deus em marcha em cada um daqueles que não se acomoda ao seu egocentrismo…

  • Anónimo

    Caro antoniofernando:

    Temos percursos algo similares. Uma pequena diferença nos une (parafraseando Carpinteiro):

    – Eu tornei-me ateu, o antoniofernando para lá caminha… Tenhamos fé ;-))

    • antoniofernando

      Caro F Fernandes

      Sabe porque é que nunca serei ateu ? Em criança, muito novo, contemplava as estrelas. E a convicção de Deus surgiu-me intuitivamente de uma maneira muito forte.Quando fui para a catequese já acreditava em Deus mas cedo vi que o catecismo católico não fazia sentido. Andei por lá seguindo a tradição familiar da Comunhão e do Crisma, mas não reconhecendo já no AT senão a antropomorfização dos piores defeitos da condição humana. É verdade,sim, que, até Cristo, o conceito de Deus remetia para uma figura demiúrgica sinistra, na qual há muito tempo já não acreditava. Com Cristo tudo se alterou. Até lhe digo mais: se o Nazareno não tivesse historicamente existido, eu seria certamente adepto de um Cristianismo sem Cristo. Na Doutrina de Cristo, para mim,o que é relevante é a sua ética de comportamento,que considero superior e merecedora da minha aceitação. Quanto a Deus, se não fosse cristão, se tivesse nascido em qualquer parte do globo, onde nunca tivesse chegado nenhum livro religioso, eu seria crente em Deus a contemplar as estrelas do firmamento. Deus adveio para mim por via do sentimento religioso, não por via dos livros. Há alguns anos tive uma grande crise de fé. Fui vítima de enormes injustiças e ingratidões humanas. Fui a uma igreja rezar,apelando a Deus que não permitisse as injustiças de que fora alvo. Mas estas continuaram. Foi a última vez que fui a uma igreja rezar e foi o início de um novo percurso religioso que me fez reflectir que a minha concepção de Deus estava errada. Que direito humano teria eu de pedir a Deus especiais benesses para mim ? Hoje, mantenho-me crente. Acredito que o sentido da vida está na Evolução. Mas também e essencialmente na Evolução Espiritual. E que cada um de nós deve desempenhar na vida o seu próprio papel. Porque hão-de os crentes estar sempre a dirigir-se ou a revoltar-se contra Deus se é cada crente que deve assumir a sua própria condição existencial ? Porque não nos devemos essencialmente preocupar em seguir os princípios altruístas e de generosidade apregoados por Cristo ? Não há toda uma Obra da Criação ainda por completar ? Há certamente. Qual ? Aquela para que Deus nos interpela.
      Ruiu o conceito do demiurgo inclemente, tombaram os dogmas do Pecado Original, da dimensão salvífica do Baptismo, do Limbo Infantil,do Inferno como lugar físico de chamas ardentes, do Diabo como entidade ontologicamente perspectivada. Deixei de rezar, no sentido de preces de pedido.E Deus onde está ? Permanece no meu coração…

    • antoniofernando

      Caro F Fernandes

      Sabe porque é que nunca serei ateu ? Em criança, muito novo, contemplava as estrelas. E a convicção de Deus surgiu-me intuitivamente de uma maneira muito forte.Quando fui para a catequese já acreditava em Deus mas cedo vi que o catecismo católico não fazia sentido. Andei por lá seguindo a tradição familiar da Comunhão e do Crisma, mas não reconhecendo já no AT senão a antropomorfização dos piores defeitos da condição humana. É verdade,sim, que, até Cristo, o conceito de Deus remetia para uma figura demiúrgica sinistra, na qual há muito tempo já não acreditava. Com Cristo tudo se alterou. Até lhe digo mais: se o Nazareno não tivesse historicamente existido, eu seria certamente adepto de um Cristianismo sem Cristo. Na Doutrina de Cristo, para mim,o que é relevante é a sua ética de comportamento,que considero superior e merecedora da minha aceitação. Quanto a Deus, se não fosse cristão, se tivesse nascido em qualquer parte do globo, onde nunca tivesse chegado nenhum livro religioso, eu seria crente em Deus a contemplar as estrelas do firmamento. Deus adveio para mim por via do sentimento religioso, não por via dos livros. Há alguns anos tive uma grande crise de fé. Fui vítima de enormes injustiças e ingratidões humanas. Fui a uma igreja rezar,apelando a Deus que não permitisse as injustiças de que fora alvo. Mas estas continuaram. Foi a última vez que fui a uma igreja rezar e foi o início de um novo percurso religioso que me fez reflectir que a minha concepção de Deus estava errada. Que direito humano teria eu de pedir a Deus especiais benesses para mim ? Hoje, mantenho-me crente. Acredito que o sentido da vida está na Evolução. Mas também e essencialmente na Evolução Espiritual. E que cada um de nós deve desempenhar na vida o seu próprio papel. Porque hão-de os crentes estar sempre a dirigir-se ou a revoltar-se contra Deus se é cada crente que deve assumir a sua própria condição existencial ? Porque não nos devemos essencialmente preocupar em seguir os princípios altruístas e de generosidade apregoados por Cristo ? Não há toda uma Obra da Criação ainda por completar ? Há certamente. Qual ? Aquela para que Deus nos interpela.
      Ruiu o conceito do demiurgo inclemente, tombaram os dogmas do Pecado Original, da dimensão salvífica do Baptismo, do Limbo Infantil,do Inferno como lugar físico de chamas ardentes, do Diabo como entidade ontologicamente perspectivada. Deixei de rezar, no sentido de preces de pedido.E Deus onde está ? Permanece no meu coração…

    • antoniofernando

      Caro F Fernandes

      Sabe porque é que nunca serei ateu ? Em criança, muito novo, contemplava as estrelas. E a convicção de Deus surgiu-me intuitivamente de uma maneira muito forte.Quando fui para a catequese já acreditava em Deus mas cedo vi que o catecismo católico não fazia sentido. Andei por lá seguindo a tradição familiar da Comunhão e do Crisma, mas não reconhecendo já no AT senão a antropomorfização dos piores defeitos da condição humana. É verdade,sim, que, até Cristo, o conceito de Deus remetia para uma figura demiúrgica sinistra, na qual há muito tempo já não acreditava. Com Cristo tudo se alterou. Até lhe digo mais: se o Nazareno não tivesse historicamente existido, eu seria certamente adepto de um Cristianismo sem Cristo. Na Doutrina de Cristo, para mim,o que é relevante é a sua ética de comportamento,que considero superior e merecedora da minha aceitação. Quanto a Deus, se não fosse cristão, se tivesse nascido em qualquer parte do globo, onde nunca tivesse chegado nenhum livro religioso, eu seria crente em Deus a contemplar as estrelas do firmamento. Deus adveio para mim por via do sentimento religioso, não por via dos livros. Há alguns anos tive uma grande crise de fé. Fui vítima de enormes injustiças e ingratidões humanas. Fui a uma igreja rezar,apelando a Deus que não permitisse as injustiças de que fora alvo. Mas estas continuaram. Foi a última vez que fui a uma igreja rezar e foi o início de um novo percurso religioso que me fez reflectir que a minha concepção de Deus estava errada. Que direito humano teria eu de pedir a Deus especiais benesses para mim ? Hoje, mantenho-me crente. Acredito que o sentido da vida está na Evolução. Mas também e essencialmente na Evolução Espiritual. E que cada um de nós deve desempenhar na vida o seu próprio papel. Porque hão-de os crentes estar sempre a dirigir-se ou a revoltar-se contra Deus se é cada crente que deve assumir a sua própria condição existencial ? Porque não nos devemos essencialmente preocupar em seguir os princípios altruístas e de generosidade apregoados por Cristo ? Não há toda uma Obra da Criação ainda por completar ? Há certamente. Qual ? Aquela para que Deus nos interpela.
      Ruiu o conceito do demiurgo inclemente, tombaram os dogmas do Pecado Original, da dimensão salvífica do Baptismo, do Limbo Infantil,do Inferno como lugar físico de chamas ardentes, do Diabo como entidade ontologicamente perspectivada. Deixei de rezar, no sentido de preces de pedido.E Deus onde está ? Permanece no meu coração…

  • rayssa gon

    espiritualidade do terror.

    pode acreditar que vou usar horrores essa expressão daqui em diante.

  • rayssa gon

    espiritualidade do terror.

    pode acreditar que vou usar horrores essa expressão daqui em diante.

  • Fcac20

    «No colégio fui castigado por ter ficado em cuecas durante alguns minutos no dormitório. «Não podes ficar em cuecas diante dos teus colegas, podes provocar maus pensamentos»

    Cof, cof, cof.

    Como é que um rapaz em cuecas provoca maus pensamentos noutro rapaz? Ainda se fosse uma rapariga em biquini…

  • Fcac20

    «No colégio fui castigado por ter ficado em cuecas durante alguns minutos no dormitório. «Não podes ficar em cuecas diante dos teus colegas, podes provocar maus pensamentos»

    Cof, cof, cof.

    Como é que um rapaz em cuecas provoca maus pensamentos noutro rapaz? Ainda se fosse uma rapariga em biquini…

  • Anónimo

    A “educação de condutas” é da responsabilidade dos pais e dos encarregados de educação ou, neste caso, em quem estes depositem essa tarefa.

    Não deixando de ter presente a ideia anterior, não deixo de ter a opinião que, por mais ideais que sejam os modelos que se transmitam às crianças, também se deveria transmitir o que acontece na realidade em matérias relativas à sexualidade e as suas implicações concretas, todavia há várias conflitos de interesses incompatíveis que podem eventualmente prejudicar a vida e saúde de determinadas crianças…

    A abstinência até ao casamento faz parte de uma conduta ideal mas que muitas vezes não se sustem em confronto com a realidade, e a realidade tem tantas vertentes, sobretudo naturais…

  • Anónimo

    …o catecismo católico não fazia sentido…

    TAL COMO A EXISTÊNCIA DE UM DEUS TAMBÉM NÃO FAZ.

    PARA EXISTIRMOS NÃO PRECISAMOS DELE PARA NADA.
    BASTA A MAMÃ E O PAPÁ…

    QUANTO HÁ APREGOADA LIGAÇÃO DE DEUS A CADA UM DOS HOMENS, É A MESMA, TANTO PARA A ICAR COMO PARA O ANTÓNIO FERNADO, ELE É QUE AINDA NÃO DEU CONTA…

    TAL COMO ELE (ANTÓNIO FERNANDO) A ICAR TAMBÉM DIZ QUE DEUS PERMANECE NO CORAÇÃO DE CADA UM … PORQUE COMO NÃO SABEM DELE …METEM-NO EM TODO O SÍTIO E EM NENHUM LUGAR AO MESMO TEMPO.

    MAS NINGUÉM O VÊ , SENTE OU APALPA, APENAS O IMAGINAM PORQUE ACREDITAM QUE…ENFIM.

    MAS UM DIA VÃO VER QUE ANDARAM DEMASIADOS ANOS ENGANADOS

  • Anónimo

    É UM EXCELENTE EXEMPLO DA PRÁTICA DA MORAL CRISTÂ…
    O TEXTO É BASTANTE EXPLICITO RELATIVAMENTE AOS DIRIGENTES MENTECAPTOS DA ICAR QUE POLULAM POR ESSES SEMINÁRIOS E COLÉGIOS RELIGIOSOS, QUE NINGUÉM FISCALISA E QUE DEPOIS RESVALAM PARA TODO O TIPO DE ESCANDALEIRAS…

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