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  • 17 de Agosto, 2010
  • Por Fernandes
  • Ateísmo

Moralidade

“O último deus desaparecerá com o último dos homens”, escreve o filósofo francês Michel Onfray, no seu Tratado de Ateologia; acrescenta: “E com o último dos homens desaparecerão o temor, o medo, a angústia, essas máquinas de criar divindades”.

O ateísmo nasceu com a primeira religião, mas só entrou no cardápio das ideias abertamente debatidas, com o advento do iluminismo. Os ateus divergem em muitos pontos, mas há alguns consensos. Um deles é o de que a moralidade não é um exclusivo das religiões, e, portanto, um ateu pode ser ético e bom como qualquer crente ou o contrário. A favor da tese está a neurociência, cujas descobertas já provaram que até os chimpanzés têm noções morais, sentimentos de empatia e solidariedade – e não rezam nem crêem em Deus. Outro ponto em que todos os autores sobre ateísmo concordam, é que as religiões deixaram e ainda deixam, um enorme rasto de sangue atrás delas. Além dos exemplos clássicos das Cruzadas ou da expansão islâmica pela espada, há exemplos contemporâneos. Na Irlanda do Norte, protestantes lutam contra católicos. Em Caxemira, são muçulmanos contra hindus. No Sudão, cristãos contra muçulmanos, que também se confrontam na Etiópia, na Costa do Marfim, nas Filipinas… Crentes de diferentes religiões ou denominações guerreiam-se no Irão, no Iraque, no Cáucaso, no Sri Lanka, no Líbano, na Índia, no Afeganistão…

Entre os grupos populacionais a que se convencionou chamar de minorias – racial, sexual ou de género –, a minoria mais rejeitada é a religiosa, ou a anti-religiosa. Será isto uma prova da intolerância das religiões? Fará sentido rejeitar alguém apenas porque acredita noutro deus ou não acredita em deus algum? A verdade é que a sociedade ainda olha o ateu como alguém sem carácter, sem ética, “sem moral”. Segundo alguns estudos, apenas 13% da população votaria num candidato ateu. Num país cristianizado, como Portugal, em que os seus líderes religiosos elegem por patética inspiração divina, Fátima, “Altar do mundo!”; alguém que se confesse ateu é olhado de soslaio. É evidente que a moralidade nada tem que ver com a religião, assim como não é o resultado da sua ausência. Adolf Hitler (1889-1945), que planeou dizimar um povo inteiro, dizia-se religioso. Josef Stalin (1879-1953), cujas vítimas rondam os 20 milhões, dizia-se ateu.

A modernidade, com o aumento da escolarização e a crescente profissionalização de certas camadas sociais, fez com que o número de crentes diminuísse drasticamente. A resistência ao mundo da religiosidade é cada vez mais marcada pela descrença. Percebem-se aqui e ali, sinais de que a religião começa a perder aderentes. Não acabam todos ateus, é claro. Entre eles, há agnósticos, secularistas, cépticos e até quem se confesse, meio a contragosto, que foi católico, mas não tem religião, acredita em Deus, mas não é praticante.

Os “sem-religião” já são no Brasil, o terceiro maior grupo, atrás de católicos e evangélicos. Pelos dados do último censo, os sem-religião no país irmão, somavam 12,5 milhões, mais que um Portugal inteiro.

Nos Estados Unidos os sem-religião chegam aos 15%. O embate entre religiosos e os “sem-fé” ficou mais intenso depois dos atentados de 11 de Setembro. Os líderes religiosos, em vez de condenarem os atentados, afirmaram que foi uma punição de Deus por despenalizarem o aborto e a homossexualidade. A direita cristã, interlocutora de Deus, luta para que o seu rebanho não se disperse, e exerce uma considerável influência nas escolas e tribunais. E cresce um notável preconceito relativamente aos ateus de tal modo que a obsessão dos líderes religiosos é “livrarem-se” do estigma social que eles consideram ser o ateísmo.

Em Portugal, por ocasião da visita ao país do papa Bento XVI. Uma pesquisa relevou que aproximadamente 90% dos inquiridos acreditam na existência de Deus, e quase 80% acreditam que Jesus Cristo subiu ao céu depois de morrer crucificado, sendo que aproximadamente 70% acreditam que Maria deu à luz sendo virgem, e continuou virgem. Estes números revelam um Portugal crédulo e supersticioso – é lícito questionar: – Se são cada vez mais abundantes as descobertas científicas sobre a origem do universo e das espécies e a credulidade não se abala diante delas; talvez nenhuma prova científica, por mais sólida e contundente que se apresente, seja capaz de reduzir a crença e a superstição. Ajudará o facto de ainda hoje passarmos em povoados onde não existe uma biblioteca, uma farmácia ou uma escola, mas lá encontramos uma ou mais igrejas e várias capelas?

– Constato que continua a ser mais fácil abrir uma igreja do que uma mercearia.

15 thoughts on “Moralidade”
  • Sofcat2010

    “O último deus desaparecerá com o último dos homens”, escreve o filósofo francês Michel Onfray, no seu Tratado de Ateologia; acrescenta: “E com o último dos homens desaparecerão o temor, o medo, a angústia, essas máquinas de criar divindades”.

    Esqueceu-se do mais óbvio: com o último homem desaparecerá a humanidade…

  • Anónimo

    Foi exactamente isso o que o autor quis dizer.
    E, mais, que o homem é o único animal que acredita que deus existe.

  • Anónimo

    Um texto magnífico que recomendo na minha página do Facebook.
    Parabéns, F. Fernandes, e Obrigado!
    http://www.facebook.com/home.php?#!/profile.php?id=100000468970138&v=wall

  • Carpinteiro

    «o último homem desaparecerá a humanidade… »

    E Deus ?

  • antoniofernando

    O homem é o único animal que acredita que Deus existe. Nunca perguntei aos outros animais mas parece que sim. No início da evolução andavam as moléculas aos encontrões, antes de aparecerem as primeiras formas embrionárias de Vida. Curiosamente, a evolução gerou um homem pensante que passou , ao longo de um imenso processo evolutivo, a acreditar em Deus.E como é enorme a diferença entre uma mitocôndria e o teísta Einstein. Afinal,a Teoria da Evolução acabou por desembocar num especial e crente hominídio: o próprio Homem.Esta é talvez a maior Ironia de Deus…

  • Carpinteiro

    «…a Teoria da Evolução acabou por desembocar(…) a maior Ironia de Deus…

    Ajuntar razão com superstição dá sempre comentário hilariantes.»

    He he he..

  • Beth Amorim

    Coloquei uma link desse texto lá no meu blog (http://bethiamorim.blogspot.com/).

    Parabéns! O texto ficou ótimo, como muitos que já vi por aqui.

    @Beth_Amorim

  • Jcduarte

    Gostei do texto e pelos comentários escritos parece reunir algum consenso.
    Acrescentaria que a moral foi colada à religião por motivos óbvios. A moral é o respeito pela humanidade de cada um, é reconhecer nos outros os nossos direitos mas também os deveres e evitar que esses deveres sejam esquecidos.
    E isto nada tem de crendice religiosa.
    A disciplina do conhecimento humano mais próxima da moral é o Direito que elabora e aplica as regras de comportamento e de conduta de cada época.
    O Direito ao partir do principio de que o respeito mútuo é o facto normal da vida, prevê sanções mas não oferece qualquer recompensa aos cumpridores, abrindo assim a porta para todo o tipo de recompensas que a religião muito bem explora.
    A crendice, ao partir de factos humanos, vai usando e misturando as qualidades e as brechas do nosso Conhecimento.
    O medo sendo o estímulo mais importante na sobrevivência animal, é usado pela religião, que o explora até ao absurdo.

  • Carpinteiro

    «abrindo assim a porta para todo o tipo de recompensas que a religião muito bem explora.»

    – Pena que essa recompensa só seja atribuida no “outro reino”, e segundo o seu mensageiro:
    – «O meu reino não é deste mundo». – Assim também eu prometia.

    Quando a recompensa chega neste, fica sujeita sujeita à fraude e ao ridiculo como sucedeu ultimamente com D. Guilhermína e Dom Nuno Álvares Pereira.

    « medo sendo o estímulo mais importante na sobrevivência animal, é usado pela religião, que o explora até ao absurdo. »

    – Não posso estar mais de acordo.
    A semana passada fiquei estupefacto quando vi pessoas que ao serem entrevistadas para as câmaras de televisão, em Fátima, afirmavam que tinham ido pedir à santa para acabar com a crise! – Tal é o grau de estupidificação que a religião consegue, através dos seus gurus .
    Os meios sociais mais desfavorecidos, mais tementes ao deus castigador que essa sucia apregoa aos mais vulneráveis às pressões sociais, deviam ser devidamente educados e avisados. Mas tal não sucede. A máquina é infernal e está bem oleada.

    Enquanto isso o Vaticano brilha de opulência, apregoa e vende um reino que não existe, impõe o terror a pobres ignaros, e tenta esconder os efeitos da flatulência infecciosa que lhe corroi as entranhas.

    Um colega diz-me muitas vezes: – a religião é dirigida por oportunistas para saquear os miseráveis.
    Cada vez me convenço mais de que tem razão, e que a religião, tal como a crise, é dirigida por gente sem escrúpulos para nos manter a cabeça abaixo do nível da água.
    Em Fátima só vejo gente miserávelmente manipulada e explorada.
    Ou políticos e cantores pimba com a carreira arruinada.

  • Jcduarte

    Se tiver tempo e paciência leia o livro Vaticano SA. Impróprio para crentes da católica.

  • Carpinteiro

    Caro Jcduarte.

    Por acaso adquiri uma primeira edição. Digo por acaso porque a localidade onde habito, uma “pequena aldeia” como eu lhe chamo, de 50 mil habitantes, onde todas as edições que chegam às poucas livrarias que existem, e que não sejam “simpáticas” aos interesses ou imagem da Santa Madre Igreja, os supra-numerários do Opus Dei fazem questão de os adquirir, todos, para evitar que cheguem ao conhecimento do público. Uma velha táctica adoptada há muito tempo.

    «Impróprio para crentes da católica»

    – O que acho impressionante é que mesmo perante essas e outras evidências, como descreve o post, a grande maioria dos crentes não arreda-pé e continua a defender uma organização dona de um passado capaz de fazer corar de inveja o mais sanguinário talibã.

    Cumprimentos.

  • rayssa gon

    é impressionante como o preconceito contra os ateus se mantem vivo e atuante. mesmo no brasil, tendo uma população considerável de “sem-religião”.

    http://bulevoador.haaan.com/2010/07/28/nao-datena-nao-temos-deus-no-coracao/

  • JoaoC

    É não é?

    Devia fazer-vos pensar que afinal o mundinho onde vivem não passa de irracional e desumano, que nada de natural tem.

    Não é preconceito que há contra vós. É a RAZÃO.

  • JoseMoreira

    “mundinho onde vivem não passa de irracional”
    Haverá coisa mais irracional do que acreditar em algo de cuja existência não há a menor prova?
    “que nada de natural tem”
    A Natureza não tem nada a ver com as crendices.
    “É a RAZÃO”
    O que é que entende por RAZÃO? Pode explicar? O que há de razoável em acreditar em inexistências?

  • Carpinteiro

    Ó Jóta Cê, evite a palavra RAZÃO.
    Na sua boca, além de perder o sentido, transforma-se em blasfémia.

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