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Quem está errado?

Quando eu era novo íamos à missa todos os domingos. Nunca sabia a que igreja iria. Íamos a uma diferente todas as semanas, principalmente porque o meu pai adorava ouvir música. Sempre me espantaram as semelhanças na forma como cada igreja via o amor, a bondade, a unidade. Mas também me entristecia a separação. Eu perguntava ao meu pai – porque é que há tantas igrejas diferentes? Ele respondia – porque o homem tem o hábito de pensar que ele e só ele distingue o certo e o errado, e quem não concorde, está errado!

– Quem detém a verdade sobre o certo e o errado? Você? A igreja? Os seus pais? A ciência?

As religiões começaram com ideias do tipo dualista, com Deus lá em cima e nós peões cá em baixo. Em certos aspectos, a igreja tentou controlar todas as formas de empreendimento humano. Não apenas a ciência mas também as artes. Até a ciência provar que estavam errados – e então a única solução encontrada foi fazer uma divisão. Deus e companhia ficam com o espírito; a ciência com a matéria. E não é uma ironia que tenha sido essa divisão que levou a ciência tão longe?

Já acabou o divórcio? Qual é o acordo? É um divórcio quântico? Quem é que fica com as igrejas e quem fica com os laboratórios? Quem traiu quem? Quem foi traído? A culpa é de quem?

Jeffrey Satinover disse: «existe o método científico, que é especificamente o de minimizar a influência do preconceito», vivemos num mundo estilhaçado pelas crenças onde nos tentam convencer que até as nossas acções sem significado nem propósito são julgadas por um deus, e que embora não tenham significado, o nosso passeio na eternidade depende inteiramente delas.

A religião transforma-nos em ovelhas temerosas, à espera que o julgamento nos caia em cima. Mas as religiões com a pretensão de inspiração divina, são na realidade administradas por humanos. E a triste história das guerras santas, perseguição de bruxas, queima de livros e sistema de castas para mencionar apenas algumas, não é propriamente uma imagem de “orientação divina”.

O problema das religiões é que ficaram atoladas no que é a “verdade”. A saída não é atacar as religiões mas controlá-las de modo a que a humanidade possa evoluir. Não nos livramos das guerras livrando-nos das religiões, mas condicionando a sua actuação, evitando a sua tentativa de estagnação, mostrando-lhes o outro lado da moeda – a ciência – e aprender com o que a ciência tem de fantástico. O que falta é estar disposto a errar na procura das novas soluções.

Um dos dogmas do cristianismo é a noção de que “Jesus irá salvar-me”. E de facto, não tenho qualquer esperança de o fazer eu próprio, sendo um pecador nascido do pecado e lixado logo à partida. É difícil imaginar uma ideia mais incapacitante. Se alguém me salvar sempre, nunca chego a assumir a responsabilidade de nada, é a clássica mentalidade da vítima. De facto, muitas destas ideias têm “vítima” estampado no rosto.

JZ Knight diz o seguinte: «Agradar a Deus liberta-nos do fardo de viver. Quer dizer; o facto de termos alguém a morrer pelos nossos pecados é um bocado extorsão, não? Penso que todos deveríamos ter o privilégio de viver os nossos próprios pecados e enriquecer em sabedoria e em virtude dessa experiência. Só então teremos atingido realmente a sabedoria que nos permite compreender o mundo». –  A ironia é que são esses erros, decisões ignorantes, “pecados”, que nos fazem evoluir para estados mais elevados. Não vejo como possamos crescer e tornarmo-nos seres extraordinários de outra forma.

15 thoughts on “Quem está errado?”
  • antoniofernando

    ” A Igreja-poder sabe do valor dos ritos e símbolos pois reforçam identidades conservadoras, pouco zelando pelos seus conteúdos, contanto que sejam mantidos inalteráveis e estritamente observados.Em razão desta rigidez dogmática e canónica, a Igreja- instituição não é vivida como lar espiritual. Muitos emigram. Dizem sim ao cristianismo e não à Igreja-poder com a qual não se identificam.Dão-se conta das distorções feitas à herança de Jesus que pregou a liberdade e exaltou o amor incondicional.Apesar destas contradições, há um mérito que importa reconhecer: esse tipo autoritário de Igreja nunca deixou de nos legar os evangelhos, mesmo negando-os na prática, e assim permitindo-nos o acesso à mensagem revolucionária do Nazareno” ( Leonardo Boff,Diário da Manhã, 6/8/2010)

    Os Evangelhos não são, do meu ponto de vista, para serem lidos distorcidamente e não há nenhuma passagem dos mesmos que permita a interpretação abusiva de F. Ferreira:

    “Um dos dogmas do cristianismo é a noção de que “Jesus irá salvar-me”. E de facto, não tenho qualquer esperança de o fazer eu próprio, sendo um pecador nascido do pecado e lixado logo à partida. É difícil imaginar uma ideia mais incapacitante. Se alguém me salvar sempre, nunca chego a assumir a responsabilidade de nada, é a clássica mentalidade da vítima. De facto, muitas destas ideias têm “vítima” estampado no rosto.”

    Esta asserção em nada se compagina com os ensinamentos do Nazareno, que apontam num sentido exactamente contrário:é ao homem e só ao homem que, com o seu esforço individual de superação e elevação éticas,será possível caminhar para o encontro com Deus.

    Afinal,não é só na Igreja-Poder, de que fala Leonardo Boff, que se encontram as distorções à Mensagem de Cristo…

  • antoniofernando

    Em tempo: rectifico, no meu antecedente comentário, o lapso de referência ao texto de ” F. Ferreira” quando queria dizer ” F. Fernandes”. O seu a seu dono…

  • antoniofernando

    JZ Knight diz o seguinte: «Agradar a Deus liberta-nos do fardo de viver. Quer dizer; o facto de termos alguém a morrer pelos nossos pecados é um bocado extorsão, não? Penso que todos deveríamos ter o privilégio de viver os nossos próprios pecados e enriquecer em sabedoria e em virtude dessa experiência. Só então teremos atingido realmente a sabedoria que nos permite compreender o mundo». – A ironia é que são esses erros, decisões ignorantes, “pecados”, que nos fazem evoluir para estados mais elevados. Não vejo como possamos crescer e tornarmo-nos seres extraordinários de outra forma.”

    Segundo a lei civil, matar alguém intencionalmente é crime. Segundo as igrejas cristãs é pecado.

    Será que alguém deve ter o ” privilégio” de ir matando conforme lhe apetecer e, desse modo ” enriquecer em sabedoria e em virtude dessa experiência” ? Será que um assassino em série ficaria mais próximo desse ” enriquecimento” ?

    A ironia é que com apologias deste calibre, se o Inferno existisse, estaria cheio dos ” privilegiados” de que fala ZJ Knight e F. Fernandes…

  • jovem1983

    Caríssimo antoniofernando:

    Creio que a ideia do crescimento em sabedoria que o texto refere não se compagina com os exemplos de assassínio que refere, estando estes reservados para o espaço da responsabilidade civil. Veja o exemplo, e pegando no seu exemplo conforme o sentido do texto, o assassínio coloca-se na esfera da responsabilização pelos actos e sua respectiva sanção, enquanto o assassínio envolto apenas na ideia de pecado (apesar de na realidade qualquer indivíduo receba também uma sanção civil, e em alguns sistemas a morte…) é tratado pelo cristianismo na esfera da redenção. Como sabe se alguém se arrepender genuinamente e pedir perdão ao Deus cristão (entendendo este na asserção da figura do Filho…) obterá perdão pelos seus pecados, sendo essa a principal linha que separa a Nova da Velha Aliança.

    Cumprimentos.

  • jovem1983

    Caríssimo antoniofernando:

    Creio que a ideia do crescimento em sabedoria que o texto refere não se compagina com os exemplos de assassínio que refere, estando estes reservados para o espaço da responsabilidade civil. Veja o exemplo, e pegando no seu exemplo conforme o sentido do texto, o assassínio coloca-se na esfera da responsabilização pelos actos e sua respectiva sanção, enquanto o assassínio envolto apenas na ideia de pecado (apesar de na realidade qualquer indivíduo receba também uma sanção civil, e em alguns sistemas a morte…) é tratado pelo cristianismo na esfera da redenção. Como sabe se alguém se arrepender genuinamente e pedir perdão ao Deus cristão (entendendo este na asserção da figura do Filho…) obterá perdão pelos seus pecados, sendo essa a principal linha que separa a Nova da Velha Aliança.

    Cumprimentos.

  • antoniofernando

    “Até a ciência provar que estavam errados – e então a única solução encontrada foi fazer uma divisão. Deus e companhia ficam com o espírito; a ciência com a matéria. E não é uma ironia que tenha sido essa divisão que levou a ciência tão longe?”

    “Galileu manifesta na sua investigação científica a presença do Criador que o estimula, que se antecipa às suas intuições e as ajuda, operando no mais profundo do seu espírito. A propósito da invenção da luneta astronómica, escreve no princípio do Sidereus Nuncius, recordando algumas das suas descobertas astronómicas: «Quae omnia ope Perspicilli a me excogitati divina prius illuminante gratia, paucis abhinc diebus reperta, atque observata fuerunt» (Sidereus Nuncius, Venetiis apud Thomam Baglionum, MDCX, fol. 4). «Tudo isto foi descoberto e observado nestes últimos dias, graças ao 'telescópio' que inventei, depois de ser iluminado pela graça divina».

    A vida tem destas ironias…:-)

    http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/

  • antoniofernando

    “Até a ciência provar que estavam errados – e então a única solução encontrada foi fazer uma divisão. Deus e companhia ficam com o espírito; a ciência com a matéria. E não é uma ironia que tenha sido essa divisão que levou a ciência tão longe?”

    “Galileu manifesta na sua investigação científica a presença do Criador que o estimula, que se antecipa às suas intuições e as ajuda, operando no mais profundo do seu espírito. A propósito da invenção da luneta astronómica, escreve no princípio do Sidereus Nuncius, recordando algumas das suas descobertas astronómicas: «Quae omnia ope Perspicilli a me excogitati divina prius illuminante gratia, paucis abhinc diebus reperta, atque observata fuerunt» (Sidereus Nuncius, Venetiis apud Thomam Baglionum, MDCX, fol. 4). «Tudo isto foi descoberto e observado nestes últimos dias, graças ao 'telescópio' que inventei, depois de ser iluminado pela graça divina».

    A vida tem destas ironias…:-)

    http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/

  • rayssa gon

    o ser humano se vê completamente imobilizado pela igreja não apenas pelo papel de “vitima” mas tambem pelo de “culpado”. e é nesse eterno vai e vem de “eu pequei, mas deus me perdoa, mas eu sou pecador, e deus é misericorodioso, etc” que a humanidade realmente não toma seu destino nas mãos e o faz.

  • antoniofernando

    Caro Jovem 1983:

    Tem razão. Mas, quando são feitas generalizações,também podemos refutá-las metodicamente com base no exagero que das mesmas possam decorrer. Deixemos então o caso extremo do assassínio. Eu dou uma bofetada em alguém. Depois digo-Lhe: ” És um sortudo e deves agradecer-me porque tiveste a honra de contribuíres para a minha reflexão crítica sobre quão errado foi agredir-te.Mas sabes, é um privilégio viver os meus próprios pecados e assim ir crescendo em sabedoria … :- )”

  • jovem1983

    Caríssima rayssa gon:

    Mais vale a pena viver a vida a pensar na vida, do que viver a vida a pensar na morte, pois na óptica ideológica das religiões o papel de vítima e de culpado resvala sempre para a determinação do que supostamente virá depois da “estadia” terrena…

  • antoniofernando

    Caro Jovem:

    Termino por aqui os meus vários comentários, mas a temática apaixonou-me. Mais uma vez tem razão. A verdadeira religiosidade não deve ser perspectivada como uma forma de ganhar o Céu, mas com o intuito de praticar o Bem pelo Bem, sem esperar recompensa.A esta conduta chamaria espiritualidade. Certamente difícil de alcançar mas não impossível. A minha querida mulher é ateia e o meu melhor amigo também.São ambos pessoas exemplares. E até tenho dito muitas vezes que os ateus que se comportam com padrões éticos elevados , de forma generosa e altruísta,têm, sim, uma qualidade humana superior à dos crentes que se esforçam por andar pelos caminhos do Bem para não irem parar ao suposto inferno.Simplesmente, não tenho culpa de acreditar em Deus…

  • jovem1983

    Caríssimo antoniofernando:

    Creio que a minha opinião sobre a as crenças individuais ou partilhadas colectivamente é clara, é importante distinguir a consistência concreta das distintas aclamações e as suas implicações na realidade, contudo, apesar de ter esta posição, não posso de modo algum desvalorizar a existência de justificações ideológicas/religiosas/espirituais que motivam a identificação de quem acredita, porque essas bases constituem o próprio objecto da crença.

    Um apontamento se me permite, a sua convivência com outras pessoas com distintas convicções é a vários níveis salutar, porque, conforme coloca o seu testemunho, é uma convivência claramente pacífica e construtiva.

    Cumprimentos.

  • MO

    Rayssa:

    O seu comentário junta-se a este de FF: “A religião transforma-nos em ovelhas temerosas, à espera que o julgamento nos caia em cima.” Porque insistem em falar do que não sabem? Que somos seres imperfeitos é sabido (ou não?). Nenhum cristão está à espera do julgamento. O julgamento fazê-lo nós à medida que crescemos como cristãos – porque uma vida não examinada é uma vida não vivida. Não é isto tomar o nosso destino em mãos?

    A relação com Deus (com Jesus) não é uma relação imobilizadora, mas criativa, transformadora. Morremos no baptismo para renascermos.

  • Zeca-portuga

    O que poderia ser o filho de um pai assim, senão um imbecil!

    ”Quem detém a verdade sobre o certo e o errado? Você? A igreja? Os seus pais? A ciência?”

    Cada qual, na sua esfera, está certo e é irrefutável!

    A religião transforma-nos em ovelhas temerosas, à espera que o julgamento nos caia em cima.

    Se isso acontece com os ateístas, é lamentável. Ou é uma manifestação de remorso ou de medo!
    Com os católicos não acontece.
    A religião torna os católicos membros de uma família, onde todos acreditam no Pai.
    Como um bom Pai, os católicos sabem que nada têm a temer e não têm medo de comparecer perante Ele.
    A religião dá-lhes esperança colectiva, alegria individual e um caminho de liberdade, na verdade e na justiça.

    ”A saída não é atacar as religiões mas controlá-las…”
    Essa sempre foi a máxima das máfias ateístas fundadas nas bases maçónicas e afins. Daí que tenham despendido todas as energias a tentar usurpar o poder (em Portugal só conseguiram, criminosamente, através de imposição por mercenários, bandoleiros, assassinos e arruaceiros a soldo, em 1910 – tão reles eram que acabaram por ser controlados pelos próprios pares), como forma de “controlar”: roubar, assassinar, dirigir, limitar, orientar e dirigir as religiões.
    Assim apareceu a “Separação” que na verdade era uma “Submissão”. Mas essa submissão não volta mais, podem estar descansados!

    ”Um dos dogmas do cristianismo é a noção de que “Jesus irá salvar-me”.”

    Na verdade ele sempre foi compassivo com os doentes mentais, os dementes, os diminuídos… e toda a classe de eunucos.

  • Carpinteiro

    Zé… ca…

    És a prova provada de que a religião imbeciliza as pessoas. Não dás uma prá caixa.

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