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Mourinho e o bruxo queniano

O bruxo queniano Mzee Makthub, num excelente golpe publicitário que o fez saltar para a comunicação social internacional, afirmou que o treinador lhe tinha pedido ajuda para triunfar no Real Madrid.

Quem se distinguiu pelo seu trabalho e competência profissional e se tornou celebridade mundial, não pode dar importância a um bruxo. É bem pior processá-lo do que ignorá-lo, pior a emenda do que o soneto.

Mas admitamos que Mourinho é demasiado sensível ao obscurantismo e nutre particular aversão ao mundo esotérico de bruxos, quiromantes e outros primatas de virtude. Nesse caso é natural que processe o impostor para o desmascarar, para o expor ao ridículo dos simples que ele engana e dos crédulos a quem extorque o óbolo.

Mas surpreende que Mourinho, homem inteligente, não se limite a invocar a dignidade profissional posta em causa por uma improvável consulta a um bruxo e acrescente a fé católica como igualmente ferida.

O segundo argumento é claramente contraproducente. Santo Agostinho acreditava que as bruxas eram o produto das uniões proibidas entre sedutores demoníacos de mulheres, os íncubos, tal como a maioria das pessoas da antiguidade clássica ou da Idade Média. *

Nem o facto de as freiras verem, num estado de confusão, semelhanças entre o íncubo e o padre confessor ou o bispo e que ao acordarem se sentiam conspurcadas como se se tivessem misturado com um homem, como escreveu um cronista do século XV, nem isso, levava o Santo Doutor, a pôr em dúvida uma crença que foi comum à maioria das pessoas da antiguidade clássica ou da Idade Média.

Mourinho, para além de ter de provar em tribunal que não foi ao bruxo, o que é fácil, terá de demonstrar que é impossível a um bruxo ajudar um treinador não o sendo a D. Nuno curar o olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, aos pastorinhos desentrevarem a D. Emília dos Santos, ou à Irmã Lúcia prever a agressão a um homem vestido de branco (ou com vestido branco) – João Paulo II.

Em milagres e premonições, os católicos deviam ser mais prudentes pois falta-lhes autoridade para descrer de bruxas (normalmente, uma especialidade atribuída pela Igreja a mulheres). Se não existissem não teriam sido queimadas pela Santa Inquisição.

* (Carl Sagan, no seu livro «Um mundo infestado de demónios», pág. 126)

11 thoughts on “Mourinho e o bruxo queniano”

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  • antoniofernando

    Mourinho não tem que provar que foi ao bruxo. Este é que tem que provar que aquele lhe pediu ajuda para triunfar no Real. Quanto à fé católica de Mourinho, cada um tem direito a crer ou descrer. Por outro lado, Mourinho não tem nada que demonstrar que é impossível a um bruxo ajudar um treinador a ganhar. Mourinho é daqueles portugueses que já demonstrou a sua competência profissional por todos os clubes onde passou.Pode-se simpatizar ou não com ele, que apresenta ter um feitio bem difícil, mas é um ganhador nato. O resto é conversa…

  • Carlos Esperança

    António Fernando:

    Embora sem relações com o futebol, reconheço que Mourinho é um dos melhores treinadores de sempre em qualquer país.

    Processar um bruxo é que é talvez caricato. É levá-lo a sério.

  • antoniofernando

    Carlos Esperança:

    O mundo está de facto cheio de falsos profetas e de vendedores de ilusões. Quando vamos a analisar a grande maioria desses arautos, de facto está sempre o dinheiro por trás, a IURD, e não só, que o diga.Acho bem que o DA continue a denunciar estes e outros casos. Eu ainda acredito numa espiritualidade sã e sincera. A humanidade também tem gente digna e bem intencionada, em qualquer campo de referência ideológica…

  • antoniofernando

    Carlos Esperança:

    O mundo está de facto cheio de falsos profetas e de vendedores de ilusões. Quando vamos a analisar a grande maioria desses arautos, de facto está sempre o dinheiro por trás, a IURD, e não só, que o diga.Acho bem que o DA continue a denunciar estes e outros casos. Eu ainda acredito numa espiritualidade sã e sincera. A humanidade também tem gente digna e bem intencionada, em qualquer campo de referência ideológica…

  • jovem1983

    Creio que o processo que será imposto por parte de José Mourinho prende-se sobretudo com o uso indevido da sua imagem, quer ao serviço de publicidade indevida, quer pelo objecto de garantir uma imagem geralmente focada no profissionalismo, e que se quer apenas associada à excelência.

  • jovem1983

    Caríssimo Carlos Esperança:

    Não sei se já teve oportunidade de ler a notícia publicada hoje no DN online, intitulada “Circuncisão reduz 60% risco de infecção com VIH” (http://dn.sapo.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?…

    A leviandade como se trata esta importante matéria, longe de um debate científico isento de valores religiosos e económicos, é lamentável!

  • Carlos Esperança

    Vi a notícia e nem me dei ao trabalho de a ler. Vou fazê-lo agora, uma vez que me chama a atenção.

  • 1atento

    Ao colocar a sua dignidade profissional ao nivel da dignidade da religião católica, José Mourinho está a pôr em causa a sua capacidade técnica e permite que se dê crédito ao bruxo.
    Todos sabemos que a igreja católica, como todas as religiões, recomenda orações para que se obtenha sucesso; então esse sucesso não será por mérito próprio.
    Também faz acreditar em feitiços, maldições, que só podem ser neutralizados por meio do exorcismo, logo faz crer em bruxo/as. Aliás os clientes de bruxo/as, cartonantes, astrólogos, e afins, são católicos.

  • jovem1983

    Caríssimo Carlos Esperança:

    Concordo consigo, a comunicação social dita generalista muitas vezes desinforma sobre aquilo que os ciclos especializados de debate científico produzem ou ainda carecem produzir.

    Neste tópico em específico, paralelamente à manutenção de valores religiosos preservados por tradição, este tipo de operações é promovida nas clínicas e hospitais estadunidenses, sustentadas por lobbys específicos que claramente beneficiam financeiramente de uma “indústria” de milhões de dólares anuais, onde as bases éticas e científicas credíveis são questionáveis, pois no cômputo das investigações existentes não há conclusões credíveis que possam ser alargadas.

    A ideia de promover este tipo de acção nos países africanos assenta precisamente nesta desinformação, em interesses económicos específicos que facilmente se obtêm destas cirurgias, e que contam com o apoio de religiões com forte expressividade no Continente Africano, no lugar de promoverem mudanças no comportamento sexual, nomeadamente no recurso e uso correcto de contraceptivos, como o preservativo, cujos resultados na prevenção da transmissão de doenças sexualmente transmissíveis estão largamente comprovados.

    Por um lado procura-se disseminar uma prática clínica, cujos benefícios e malefícios não têm merecido uma reflexão isenta por parte da comunidade cientifica, e indiscutivelmente rentável, por outro lado o reforço do testemunho religioso por via da mutilação corporal tradicional, em detrimento da aposta clara em acções de educação sexual e no uso correcto e esclarecido de contraceptivos, mas que são largamente julgados negativamente pelas religiões devido aos ideários sexuais, e de modo a manter parte da sua respectiva influência nas directivas de controlo do mais íntimo dos indivíduos.

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