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  • 25 de Maio, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • AAP

Entrevista ao Jornal Regional Triângulo *

a)    Antes de mais, sinteticamente, que é a Associação Ateísta Portuguesa (AAP) e quais os seus objectivos?

RE: A AAP é um conjunto de homens e mulheres organizados para melhor defenderem os interesses comuns aos ateus, cépticos, racionalistas e a todos os livres-pensadores, pessoas que não necessitam de deus por serem capazes de viver com normalidade, sem medo do Inferno ou angústia do Paraíso.
Somos pessoas que damos valor à nossa vida e à dos outros, que cultivamos a razão e confiamos no método científico para construir modelos da realidade. Não remetemos as questões do bem e do mal para seres incertos nem para a esperança de uma existência após a morte.

São objectivos da AAP combater o obscurantismo, defender a laicidade e mostrar o mérito do ateísmo enquanto premissa de uma filosofia ética e enquanto mundividência válida, sabendo que o ser humano é capaz de uma existência ética plena sem especular acerca do sobrenatural, e que todas as evidências indicam que nenhum deus é real.

b) Ser-se ateu é ser anti-religioso?

Os ateus não são necessariamente anti-religiosos apesar da sanha irracional das Igrejas contra o ateísmo. A AAP defende a liberdade religiosa como direito reconhecido na Declaração Universal dos Direitos do Homem, declaração que os seus sócios prezam e subscrevem. Defendemos de igual modo o direito à crença, à descrença e à anti-crença.

Há, no entanto, uma diferença a estabelecer: um ateu não é contra os crentes mas contra as crenças que colidem com as normas morais que são apanágio da modernidade e da civilização. Os monoteísmos veneram um deus patriarcal e tribal que aceita a escravatura, a venda das filhas e outras coisas tão repugnantes como a morte de quem coma moluscos (Levítico 11:10) ou de quem trabalhe ao 7.º dia (Êxodo 31:15).
Vejamos mais alguns exemplos bíblicos: qual é o castigo para quem invoque o nome de Deus em vão?  (Levítico 24:16); e o castigo para o adultério? (Levítico 20:10); e para a homossexualidade? (Levítico 18:22). O castigo é invariavelmente a morte, mas é lícito vender uma filha como escrava: (Êxodo 21:7) e possuir escravos, tanto homens como mulheres, desde que comprados em nações vizinhas (Levítico 25:44).

Um ateu é contra as determinações bárbaras e não contra quem acredita que satisfazem a vontade do seu deus. Felizmente, muitos crentes ignoram ou simplesmente desprezam esses livros pouco recomendáveis que o deus abraâmico inspirou.
Claro que combatemos o proselitismo e a violência sectária. Lembramos que a Igreja católica fez em 13 de Maio de 2008 a peregrinação a Fátima «contra o ateísmo» e, pouco depois, o patriarca Policarpo definiu o ateísmo como a «maior tragédia do nosso tempo», tragédia, pelos vistos, maior do que a fome, a guerra, as doenças e as catástrofes naturais.

c) Têm-se pronunciado sobre a religião católica, mas as criticas que fazem estendem-se a todas as correntes religiosas?

RE: Cada religião diz que é falso o deus de todas as outras e certamente com razão. Nós apenas negamos mais um, o que, no fundo, faz de todos nós ateus.

As críticas do ateísmo são comuns a todas as religiões. Criticamos o budismo cuja compaixão se estende às plantas e aos mais insignificantes animais mas não consegue conter as rivalidades entre os conventos nem impedir o obscurantismo, a tirania e a crueldade dos seus monges no Tibete. E a sua fé não é alheia ao subdesenvolvimento social e económico que oprime os países onde é praticada.
Criticamos os hindus que reclamam as liberdades individuais como apanágio da sua crença e se calam em relação à escravatura que ainda praticam dentro ou fora das castas, quanto à própria existência de castas e aos hábitos de opressão que persistem defendidos nos seus textos.

Mas criticamos sobretudo, pela proximidade, os três monoteísmos. O deus do Antigo Testamento, violento, vingativo, misógino e homofóbico, é comum às três religiões do livro. É o deus criado pelas sociedades patriarcais e tribais de há seis mil anos.

Hoje é o Islão que lidera a violência e a misoginia, que aterroriza para se impor, que considera grande o seu deus e Maomé o único profeta. O Islão é uma cópia grosseira do cristianismo, que não foi impregnado pela cultura helénica e não sofreu a influência do direito romano. É a religião que vigora principalmente no mundo árabe onde apoia uma civilização fracassada e ameaça a paz.
Mas não esquecemos o sionismo, lepra do judaísmo, nem o protestantismo evangélico, nem o catolicismo romano do Opus Dei, dos legionários de Cristo e dos recentemente reabilitados bispos e padres ordenados pelo bispo Lefebvre, anti-semitas, reaccionários e fascistas .

d) Encontram diferenças entre fé e religião, entre crença e igreja?

Claro que há diferenças entre fé/crença e religião/Igreja. A fé não nasce com as pessoas, é incutida no seio das famílias e das sociedades para preservarem os valores herdados e interesses instalados. A fé é sempre orientada para a religião dominante. Já a religião é um sistema de poder que precisa da obediência para sobreviver. Por isso as Igrejas usam a violência para se imporem e se, no Ocidente, se conformam hoje com a democracia é porque a repressão política as submeteu.

e) Qual o papel que deveria ter a religião na sociedade?

A religião deveria pertencer ao foro privado e deixar de impor os seus valores fora das comunidades de crentes, com absoluto respeito pela legislação dos países livres e pela autodeterminação religiosa dos seus fiéis. A apostasia só é crime para as Igrejas. Constitui, aliás, um direito inalienável de cidadania.

f) A ciência como instrumento de compreensão da sociedade não é ela em si mesmo uma fé?

Não. A ciência vive da dúvida e baseia-se em factos. Evolui à medida que novos dados são conhecidos e nunca consagra como verdadeira uma experiência que não possa ser repetida. Já a religião tem dificuldade em adaptar-se à modernidade e à civilização porque é atribuída a um deus que nunca falou mas que tem guardiões que zelam pela vontade que lhe atribuem.

g) Como justificam a atitude do Estado, aos diversos níveis, perante a Igreja? E como deveria ser de facto?

A atitude do Estado português tem sido de conivência com a Igreja católica deixando-a penetrar nos hospitais, prisões e Forças Armadas através de capelães que reconhece e remunera de acordo com a Concordata e a lei da liberdade religiosa feitas à medida da religião católica.

O Estado devia declarar-se incompetente em matéria religiosa e observar uma absoluta neutralidade em questões de fé. É, aliás, a isso que o obriga a Constituição da República Portuguesa. Falta, todavia, pudor republicano aos seus mais altos dignitários.

h) O facto de haver milhares de pessoas que dizem acreditar num Deus, não é em si mesmo sinal do fracasso da ciência?

Mesmo que acreditem não há diferença entre a maioria que hoje crê em Deus e a totalidade que acreditava que o Sol girava à volta da Terra. Não é por acaso que Lutero dizia: «Quem quiser ser cristão tem de arrancar os olhos à sua própria razão».

i)    Sentem que ser-se ateu, nos dias de hoje, provoca algum constrangimento social?

Sinto que a negação de Deus é a mãe de todas as negações provocando um ódio fanático nos que não se contentam em cuidar da própria «alma» e querem igialmente obrigar os que não crêem a «salvar» a sua.
Como Bertrand Russell, estou tão firmemente convencido da nocividade das religiões como estou da sua falsidade. (in Porque não sou cristão – Brasília Editora – Porto).

* Entrevista concedida ao jornalista Carlos Cardoso

9 thoughts on “Entrevista ao Jornal Regional Triângulo *”
  • antoniofernando

    “A FÉ NÃO NASCE COM AS PESSOAS, É INCUTIDA NO SEIO DAS FAMÍLIAS E DAS SOCIEDADES PARA PRESERVAREM OS VALORES HERDADOS E INTERESSES INSTALADOS”

    Falso. Mais uma vez os perigos das generalizações não imparciais. Mais uma vez o primado da ideologia ateísta assumida desviadamente como forma de combate. O acriticismo militante dá nisto: conduz ao erro e ao absurdo. Então como explicar que filhos crentes provenham também de pais ateus? E que filhos ateus provenham de pais crentes?

    Se há alguém que, na História da Humanidade, foi verdadeira e consequentemente progressista e revolucionário, esse alguém foi Jesus Cristo. Por isso, um dos seus melhores seguidores, D. Hélder da Câmara dizia: ” Se pergunto pelos pobres, dizem que sou santo. Se pergunto porque há pobres, chamam-me comunista”.

    “A FÉ É SEMPRE ORIENTADA PARA A RELIGIÃO DOMINANTE”

    As religiões dominantes existem é certo. Mas o mundo da religiosidade não se esgota nas instituições religiosas preponderantes. E, mesmo nestas, a controvérsia de posições é acentuada. Veja-se o leque diferencial ideológico que ocorre na ICAR entre o Opus Dei e a Teologia da Libertação. Entre o Padre Nuno Serras Pereira e Frei Bento Domingues.

    “A RELIGIÃO DEVERIA PERTENCER AO FORO PRIVADO “

    A religião não é propriamente uma propriedade privada. E inalienável é o direito de os crentes assumirem a sua religiosidade publicamente, nas formas de organização política, social, cultural, ou outras, a que desejem aderir. A crença é para ser integralmente assumida e manifestada, não é para ser acantonada como religião doméstica, como pretende o movimento novo ateísmo em que o Carlos Esperança, presumo, se integre. Mas já não assim, por exemplo, o conhecido e divergente caso de Hélder Sanches, pessoa que muito estimo e admiro. Também os movimentos ateístas se encontram
    fracturados.

    “JÁ A RELIGIÃO TEM DIFICULDADE EM ADAPTAR-SE À MODERNIDADE E À CIVILIZAÇÃO PORQUE É ATRIBUÍDA A UM DEUS QUE NUNCA FALOU MAS QUE TEM GUARDIÕES QUE ZELAM PELA VONTADE QUE LHE ATRIBUEM”

    Estaline, Mao Tsé Tung e Pol Pot também tiveram dificuldade em adaptarem-se à modernidade. Sob o argumento de uma visão ” progressista” e pseudo – moderna, conduziram os seus povos a multiplicados horrores e a ignóbeis crimes contra a condição humana. Por acaso eram ateus.

    “MESMO QUE ACREDITEM NÃO HÁ DIFERENÇA ENTRE A MAIORIA QUE HOJE CRÊ EM DEUS E A TOTALIDADE QUE ACREDITAVA QUE O SOL GIRAVA À VOLTA DA TERRA. NÃO É POR ACASO QUE LUTERO DIZIA: «QUEM QUISER SER CRISTÃO TEM DE ARRANCAR OS OLHOS À SUA PRÓPRIA RAZÃO

    Einstein, pelos vistos, era um idiota por acreditar na existência de Deus. Os iluminados são, alegadamente, os cerca de 5% de ateus à escala mundial, que vieram agora descobrir que a Terra é que gira à volta do Sol.

    E só por curiosidade, o Carlos Esperança saberá a quem são atribuídas estas frases:

    “Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e intelecto, pretenda que não os utilizemos.”

    A Matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o Universo.”

    Pois, não adivinhou. Foi Galileu Galilei.

    Quanto à frase citada de Martinho Lutero, outro tiro ao lado. Pois não foi esse tipinho quem também instigou à perseguição dos judeus? Não foram só João Crisóstomo e Hitler, não.

    “SINTO QUE A NEGAÇÃO DE DEUS É A MÃE DE TODAS AS NEGAÇÕES PROVOCANDO UM ÓDIO FANÁTICO NOS QUE NÃO SE CONTENTAM EM CUIDAR DA PRÓPRIA «ALMA» E QUEREM IGIALMENTE OBRIGAR OS QUE NÃO CRÊEM A «SALVAR» A SUA.
    COMO BERTRAND RUSSELL, ESTOU TÃO FIRMEMENTE CONVENCIDO DA NOCIVIDADE DAS RELIGIÕES COMO ESTOU DA SUA FALSIDADE. (IN PORQUE NÃO SOU CRISTÃO – BRASÍLIA EDITORA – PORTO)”

    Os ódios fanáticos só derivam dos fanáticos. Não dos não fanáticos. Felizmente que a grande maioria dos ateus nem adere ao movimento novo ateísmo nem são intolerantes e repressivos como o ateu e fanático Estaline…

    • Kleber

      {“A FÉ NÃO NASCE COM AS PESSOAS, É INCUTIDA NO SEIO DAS FAMÍLIAS E DAS SOCIEDADES PARA PRESERVAREM OS VALORES HERDADOS E INTERESSES INSTALADOS”

      Falso. … …Então como explicar que filhos crentes provenham também de pais ateus? E que filhos ateus provenham de pais crentes?}

      Como é?! É assim que você compara as coisas? Onde está a lógica dessa declaração?? Isso é mesmo um questionamento sério?

      Será que você é o único Ser Humano da terra que nasceu ALFABETIZADO PELO SIMPLES FATO DE SEUS PAIS SEREM ALFABETIZADOS?

      MEUS PARABÉNS, DEVE SER UMA PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS!!!

  • antoniofernando

    Em jeito de complemento:

    “todas as evidências indicam que nenhum deus é real.”

    Na mouche. Nenhum “deus” é real, é verdade. Deus, para quem na Divindade acredita, é uma entidade bem real e não menorizada. Não se confunde com qualquer ” deus” intencionalmente desqualificado. Claro que há sempre aqueles que estão à espera da prova ” irrefutável” de Deus: um velhinho de cabelo e barbas brancas sentado num cadeirão dourado na última instância celestial. Mas nessa concepção já nem as crianças acreditam…

  • Jairo Entrecosto

    Nem vale a pena comentar as respostas do Carlos Esperança, pelos vistos o senhor usa sempre a mesma cassete, mesmo depois de já lhe terem explicado os seus erros de pensamento.

    Tenho antes a comentar a também ignorância de quem fez a entrevista:

    “O facto de haver milhares de pessoas que dizem acreditar num Deus, não é em si mesmo sinal do fracasso da ciência?”

    Enfim, o jornalista pelos vistos também é neoateu ou, no mínimo ,aceita acriticamente o enviesamento de que Ciência e Religião são coisas em oposição.
    Como poderia ser sinal de fracasso da Ciência as pessoas acreditarem em Deus, se a Ciência não diz que Deus não existe?
    Para tal coisa ser um fracasso, teria de haver um erro científico acreditar em Deus.
    Sobre alguém ter dito que o Hélder Sanches discordava da ideia fanática, intolerante e contraditória com o próprio ateísmo ( não existem valores absolutos de “falso” ou “errado”) do Carlos Esperança quando diz que a religião deve limitar-se ao foro privado e nunca ao público/político; isso não é verdade porque ouvi o Senhor Sanches expressamente dizer essa mesma enormidade, no programa do Alvim,
    http://www.portalateu.com/2009/09/29/portal-ate

  • papapaulo

    Então qual é a concepção actual?

  • Nuno

    “E só por curiosidade, o Carlos Esperança saberá a quem são atribuídas estas frases:

    “Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e intelecto, pretenda que não os utilizemos.”

    A Matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o Universo.”

    Pois, não adivinhou. Foi Galileu Galilei.”

    Isso é o que se chama de “descobrir a pila ao sapo”! ahaha! Não adivinhou Carlos, mas o ele ensinou-o. LOOOOOL!

  • Zeca Portuga

    Algumas alarvidades, mentiras e outras demências…

    O Sr Esperança anda a ler o que não está na Bíblia

    “a morte de quem coma moluscos (Levítico 11:10)” [ disse o sr. Esperança, mas é falso]

    Mas abominareis todos os que não têm barbatanas nem escamas, nos mares e nos rios, entre todas as espécies de animais que vivem nas águas e entre todos os seres vivos que nelas se encontram. (Levítico 11:10)

    “o castigo para o adultério? (Levítico 20:10)” [ disse o sr. Esperança, mas é falso – homem e a mulher merece a morte. Trata-se de um crime de honra com o qual mais de 80% da população do mundo ainda hoje concorda – eu também]

    Se um Homem cometer adultério com uma mulher casada, com a mulher do seu próximo, o homem e a mulher adultera serão punidos de morte, (Levítico 20:10)

    “e para a homossexualidade? (Levítico 18:22).” [o castigo é a morte, disse o sr. Esperança, mas é falso]

    Não te deitarás com um homem como se fosse mulher; isso é um abominação. (Levítico 18:22)

    Os ateus não são necessariamente anti-religiosos… Defendemos de igual modo o direito à crença, à descrença e à anti-crença

    Mas a “anti-crença” (que nem sequer pode ser um direito, pois fere a DUDH) não é uma forma de ser “anti-religioso”?

    ”Sinto que a negação de Deus é a mãe de todas as negações…

    Ou seja: é uma alarvidade tão respeitável como negar o Big Bang. Qualquer demente ou diminuído pode faze-lo sem correr o risco de se tornar ridículo.

  • pedro

    -|- -|-
    M MA

    Pois é Senhor Carlos Esperança, ainda vai ser convertido… 🙂

  • Mats

    “O facto de haver milhares de pessoas que dizem acreditar num Deus, não é em si mesmo sinal do fracasso da ciência?”

    hahahaha !

    Carlos, estas “perguntas” foram encomendadas por ti, certo? loll

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