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A FÉ É QUE NOS SALVA

Por

José Moreira

Mas, claro, isto é uma opinião. Muito respeitável, como todas as opiniões, incluindo a minha: a fé é o maior veículo de ignorância, de obscurantismo e de “coisificação” da pessoa humana. Tem a grande virtude de embotar o raciocínio e de arranjar justificações rápidas.
O caso acabou de passar na TV. Um “autopullman” de luxo, com 1800 quilómetros. Novo, portanto. No interior, vários peregrinos espanhóis, que se dirigiam para Fátima. Segundo o relato de um desses peregrinos, quando começaram a rezar os travões da viatura falharam. O motorista, certamente, tentou dominar o veículo, que acabou a sua marcha encostado aos railes. Palavras do mesmo peregrino: “Graças a Deus e a Nossa Senhora, não se passou nada”. Olha se se tivesse passado… Ora, eu entendo que estas afirmações são injuriosas para a tal “nossa senhora”.

Desde logo, estão a chamar-lhe incompetente, que é coisa que não se chama nem a um político, quanto mais a “nossa senhora”. Mas a verdade é que a senhora podia, perfeitamente, ter evitado o acidente, tanto mais que se tratava de quem ia para Fátima e, como se não bastasse, os peregrinos iam começar a rezar. A não ser que se tratasse de orações já fora de prazo de validade e, assim, já se começa a perceber alguma coisa. Também se pode pôr a hipótese de os peregrinos rezarem em espanhol que, como se sabe, não é língua oficial portuguesa, mas isto já não tem piada, nada de brincar com coisas sérias. Depois, pergunta-se qual o papel do motorista, no meio disto tudo. Se “nada se passou, graças a nossa senhora”, o que fazia o motorista ao volante? Não poderia ter sido dispensado tornando, desse modo, a viagem muito mais barata? Porque, o que se depreende é que o homem não fez a ponta de um corno.

Mas a verdade é que se foi “graças a Deus e a nossa senhora” que “nada se passou”, isso só vem confirmar a tendência da senhora para chegar atrasada. Se bem se recordam, foi a senhora que desviou a bala que ia matar o João Paulo II, embora nunca tenha ficado esclarecido como foi que o JP2 chegou a essa conclusão, mas isso é lá com ele. Eu só acho que era um serviço muito mais completo se a senhora evitasse que a bala saísse, por exemplo.

Era giro. se a arma, quando o meliante apertasse o gatilho, lhe explodisse nas mãos. Isso sim, era justiça divina. O JP2 ficava incólume, e o malandro ficava com a mão estuporada, para não voltar a meter-se com o representante de Deus na Terra.

Em vez disso, o pobre JP2 acabou por ir para o hospital onde, verdadeiramente, os médicos nada fizeram, porque a senhora já tinha feito tudo.
Não há nada como a fé…

9 thoughts on “A FÉ É QUE NOS SALVA”

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  • jovem1983

    O exemplo do acidente lembrou-me outro tipo de situação onde parece não haver qualquer alternativa à “resposta divina”. Quando há qualquer momento revestido de alguma especialidade no exterior, e se houver um dia bonito e sem chuva, no meio de uma época de chuva, foi ajuda de S. Pedro. Se por acaso chover nesse dia é um momento abençoado por deus.

    Outro tipo de situação que impressiona são as similares à do rapaz holandês de oito anos que sobreviveu recentemente do acidente de avião da transportadora líbia Al Afriqiyah junto ao Aeroporto de Tripoli. Há quem diga que isso é um milagre, independentemente de terem morrido 105 pessoas no mesmo acidente.

  • Andrade

    Deve ser revoltante para um médico ver o seu trabalho assinado com o nome de deus e da nossa senhora.

  • antoniofernando

    “A FÉ É O MAIOR VEÍCULO DE IGNORÂNCIA, DE OBSCURANTISMO E DE “COISIFICAÇÃO” DA PESSOA HUMANA. TEM A GRANDE VIRTUDE DE EMBOTAR O RACIOCÍNIO E DE ARRANJAR JUSTIFICAÇÕES RÁPIDAS”

    José Moreira:

    Quando falamos de ” fé” ou de ” Deus” temos que saber de que conceitos de ” fé” ou ” Deus” estamos a falar. Acha que Einstein, crente em Deus, embora numa perspectiva muito próxima da pananteísta de Teilhard de Chardin, era ignorante? Acha que alguma vez Einstein foi um obscurantista? Acha que alguma vez crentes como Martin Luther King ou Nelson Mandela coisificaram a condição humana? Reconheço que a ” fé” pode ser equívoca. E acrescento três exemplos que me parecem situar-se no sentido do seu texto: quando ocorreu o Tsunami de 26/12/2004, as pessoas que se salvaram em condições de excepcional dificuldade foram-no por milagre? O mesmo com as do terramoto do Haiti? Ainda com o que mais recentemente aconteceu na Madeira? Mesmo para quem, como eu, é crente e acredito na dimensão do sobrenatural, não imagino Deus a salvar casuisticamente alguns seres humanos das catástrofes globais e a deixar morrer outros. Deus não pode estar nessa discriminação absurda, por certo. Mas será que sabemos tudo sobre a realidade? Repare que, quando falo do conceito da realidade, estou a falar da realidade toda, incluindo a que ainda não está cientificamente descoberta ou explicada. É evidente que aquilo que hoje parece cientificamente inultrapassável, amanhã pode ser perfeitamente explicável. Já ouviu certamente falar das chamadas experiências de quase morte. Através das quais, várias pessoas asseveram que se viram fora do corpo quando estavam em estado de coma. Algumas conseguem fornecer detalhes de tal forma precisos sobre o que estava a ocorrer na sala de operações, em estado comatoso, que seria impossível saberem o que se estava a passar. A menos que António Damásio esteja errado e a mente esteja para além do cérebro e com ele não se confunde. As palavras são muito equívocas. Aquilo que alguns apelidam de ” mente” pode ser a mesma realidade que outros qualificam de “alma”. Aquilo a que chama ” fé” pode ser uma capacidade intuitiva do ser humano, ainda por explicar. O José Moreira consegue correr 100 m em 10 segundos? Não consegue. Muito poucos homens no mundo inteiro conseguem. Mas alguns raros conseguem. O que é que isso quer dizer? Que é impossível, contra as leis da natureza, correr 100 m em 10 s? Que é milagre? Não. Que é uma excepcional capacidade que só alguns possuem. E se tivesse existindo alguém que, com raríssimas características humanas, conseguisse superar o que normalmente consideramos insuperável, perante as leis da natureza e conseguisse, por exemplo, ainda no âmbito inexplicável das leis da natureza, que um cego de nascença conseguisse ver? Jesus Cristo é uma hipótese. Vou-lhe dizer algo que aqui não é ” ateisticamente correcto”, mas digo à mesma: nós não sabemos tudo ainda sobre a energia do Amor…

  • Nuno Leal

    Pior! Quando corre mal, não é culpa de deus, o médico é que é um negligente e incompetente.

    Deus fica sempre a ganhar.

  • sempapasnalingua

    “Aquilo a que chama ” fé” pode ser uma capacidade intuitiva do ser humano, ainda por explicar”

    Afinal a INTUICÃO sempre existe?!
    Só que uns têm direito a ela outros não.
    Quando eu invoquei o meu sexto sentido, o meu dedo adivinho, o meu cheiro e outras expressões pessoais da INTUICÃO amandaste-te ao ar, e agora vens defender a intuição como estribo da fé no sobrenatural.
    Queres dizer que perante a intuição, os adeptos da igreja têm mais direitos que os caturros da descrença?
    Sabes que mais? a minha intuição é mesmo forte, não duvides, e não tendo nada de mágico nem de sobrenatural (quéqué isso?), permitiu-me logo aos meus treze quatorze anitos, quando no liceu me despertaram para os primeiros rudimentos da ciência, fui logo a correr despejar no caixote do lixo a doutrina católica e essas porras todas que me enfiaram à surrapa da minha inocência crédula nas pessoas mais grandes e da minha total ignorância do raciocínio e revelações científicas. Bom a minha intuição primeira de descrença em extraterrestres mantém-se teimosamente, apesar do meu arcaboiço científico não ter evoluído para além das conversas de café, entre duas bejecas e uma jogatana de batota.
    Confesso que às vezes passo por vergonhas, quando toco em questões de ciência, mas a minha fé intuitiva na não existência de deuses, milagres e virgens sem hímen é inabalável.
    A minha fé ateista é grande, ainda que seja proporcional à minha ignorância científica, mas ambas se juntam para me darem uma visão nítida da imensidade do Universo.
    É por causa disto mesmo que eu te posso garantir uma coisa, nunca, mas nunca mesmo, enxerguei algures nesse espaço infinito que me é tão familiar, o menor rasto dessas coisas que as religiões nos querem impingir, como deuses no céu, virgens voadoras e o sol às cambalhotas para citar um pérfido e sarcástico papa-frades que anda por aí a escrever sem respeito nenhum pelas religiões alheias.

    A propósito de ciência, às vezes gostaria que a minha ignorância fosse menor que a minha fé ateista. Evitava passar por vergonhas nos comentários que às vezes me atrevo a escrever.
    Ainda agora fui incógnito, felizmente, a um blogue de canhotos republicanos, e confundi tudo o que lá se falava, depois de tropeçar em tudo acabei a afirmar que os muçulmanos inventaram a vírgula e as decimais à esquerda, e Einstein graças a isso inventou a teoria da relatividade da nitroglicerina.
    Um espalhanço vergonhoso, segundo me explicaram, mas estes incidentes não abalam dum polegar, a minha fé na descrença, dura como cornos, em deuses e santos milagreiros.
    E ninguém me venha convencer do contrário, seja ele Damásio ou O Einstein crente (só ouvi falar dum Einstein e parece que é mesmo ateu) com grandes parangonas pseudo-científicas.
    Acho, é uma intuição profunda que eu tenho, vou morrer assim com esta fezada de ateu.
    Da mesma maneira tenho a intuição firme, mas posso enganar-me, no futebol pode acontecer,que o Benfica vai ganhar ainda o próximo campeonato. A sério.
    Da Eurábia para todos incluindo o Baal, beijinhos e abraços.

    PS
    Baal Baal meu querido. Volta! já estás perdoado.

  • antoniofernando

    sempapasnalíngua:

    Há “palpites” que não são intuitivos. Quando te pões a julgar o que pensas sobre os outros podes acertar ou não. A intuição, como a telepatia, como outras faculdades tidas por extra-sensoriais, podem de facto, na minha opinião, acontecer. Mas não às três pancadas, por palpite ou preconceito. Se assim fosse, chamaríamos intuição a tudo o que nos desse na realíssima gana. Essa faculdade intuitiva, como qualquer outra, tem que ser aferida criteriosamente, também pelo crivo da razão. António Damásio sustenta que a mente e o cérebro não existem separados, Que a mente verdadeiramente não existe: é o produto do cérebro. Mas as experiências de quase morte apontam no sentido de que cérebro e mente podem ser entidades distintas. E que a mente pode superar o instrumento cerebral. Importa, por isso, a meu ver, termos a mente aberta para todas as possibilidades. Incluindo também para a hipótese do que normalmente se cataloga como “sobrenatural”. Eu acredito na realidade vulgarmente designada por alma. E acredito que a alma é imortal. Que somos seres com corpos físicos mas não nos reduzimos aos nossos corpos físicos. Por isso admito como hipótese que os pastorinhos possam ter visto alguma entidade, incluindo a manifestação mediúnica de uma alma de uma menina adolescente. O que não acredito é que essa menina, de vestido pelo joelho e soquetes brancas possa ser Maria de Nazaré. Em Fátima, as incongruências são imensas. E, essencialmente, a mensagem de Fátima é, do meu ponto de vista, intrinsecamente anti-cristã, por razões que neste blogue já sustentei. Descartes, que sempre foi crente, afirmava: ” não se deve aceitar qualquer ideia que nos vem dos livros, da tradição, da autoridade da igreja, nenhuma deve ser aceite, a não ser que resista a um exame rigoroso”

    Quanto a Deus, há várias concepções. Não existe um conceito absolutizante de Deus. Por exemplo, a singular visão teísta de Einstein:
    O rabino Herbert S. Goldstein, da Sinagoga Institucional de Nova York pediu a Einstein que ele respondesse à simples pergunta: “O senhor acredita em Deus?” A resposta foi: “Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia ordeira daquilo que existe. Nós, seguidores de Espinosa, vemos nosso Deus na maravilhosa ordem e submissão às leis de tudo o que existe, e também na alma disso, tal como se revela nos seres humanos e nos animais. Saber se a crença num Deus pessoal deve ser contestada é outra questão. Freud endossou essa visão no seu livro mais recente. Pessoalmente, eu nunca empreenderia tal tarefa, pois essa crença me parece preferível à falta de qualquer visão transcendental da vida. “

    “Todo o profundo pesquisador da natureza deve conceber uma espécie de sentimento religioso, pois não pode admitir que seja ele o primeiro a perceber os extraordinariamente belos conjuntos de seres que contempla. No universo, incompreensível como é, manifesta-se uma inteligência superior e ilimitada. A opinião corrente de que sou ateu baseia-se num grande equívoco. Quem a quisesse depreender das minhas teorias científicas, não teria compreendido o meu pensamento.”

    P.S. Quanto à tua fezada de que o Benfica vai ganhar o próximo campeonato, a mim palpita-me que nem Jesus vai fazer esse “ milagre”. O deste ano já chega…

  • otliac

    O pior é quando a senhora para salvar uns mata os outros. Passo a explicar : há algum tempo , dia 1 de Novembro de 2007, passei por Arrentela no concelho do Seixal. Ao ver uma multidão fui ver o que se passava. Era uma procissão. Chegaram junto à Baía e viraram todos os santos para o rio chegando a imagem da senhora mas para a água. O padre no seu sermão disse ao micro, em alto e bom som : ” Desde o Terramoto de 1755 o povo, todos os anos, agradece à mãe protectora o facto de os ter salvo, pois foi nossa senhora que, com a sua mão DE MÃE PROTECTORA QUE ZELA PELOS SEUS FILHOS ( aclamava para o povo não ter dúvidas) segurou as águas do rio, acalmando-as e evitando que a povoação se inundasse, aqui ninguém morreu afogado!” Ora Bolas! – comentei eu – Que bela mãe! Segura a água onde tem poucos filhos e empurrou-a para Lisboa onde morreram milhares. Mas o povo ignorante e cego pela fé aplaudiu e rezou a agradecer.

  • zgd

    Não expulsem as fezes e depois vejam onde vão parar.

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