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Deus e a pedra

Dizem que Deus é omnipotente. Não explicam como o descobriram nem sequer como se testa se alguém é omnipotente e não apenas muito poderoso. Dizem que é, e pronto. E a omnipotência é problemática, como ilustra o clássico exemplo de Deus criar uma pedra tão pesada que nem ele possa levantar. Se Deus é omnipotente então consegue criar um objecto inamovível. E se é omnipotente consegue movê-lo. Mas se consegue movê-lo é porque não o conseguiu criar inamovível. Ou seja, mesmo quem é omnipotente não pode fazer tudo, ao contrário do que o termo sugere.

Os defensores da omnipotência dizem que este problema se resolve restringindo a omnipotência apenas ao que é logicamente possível e definindo em seguida o âmbito dessa possibilidade. O que foge ao problema, que era precisamente ser preciso encolher a omnipotência para ser menos que “pode fazer tudo”. Mas adiante. Explicam então que se Deus é omnipotente é capaz de mover qualquer objecto. Assim, é logicamente impossível existir um objecto inamovível e, por isso, a incapacidade de Deus criar tal objecto não contradiz a sua omnipotência. Sendo esse objecto logicamente incompatível com um deus omnipotente, conclui-se que um deus omnipotente não consegue criar um objecto que não possa mover.

Como é regra nestas “explicações”, a hipótese parece razoável só até considerarmos alternativas. Por exemplo, se um objecto é inamovível é logicamente impossível movê-lo. E se um Deus é omnipotente pode criar qualquer objecto, mesmo inamovível. E como é logicamente impossível mover um objecto inamovível, a incapacidade de Deus mover tal objecto não contradiz a sua omnipotência. Demonstra-se assim exactamente o contrário do parágrafo anterior: Deus pode criar um objecto inamovível – afinal, é omnipotente – mas não o pode mover porque isso seria logicamente impossível – o objecto é inamovível, por definição – e Deus só pode fazer o que é logicamente possível.

A hipótese de haver um ser que pode fazer tudo cria inconsistências como esta entre poder criar um objecto inamovível e poder mover esse objecto. Para eliminar tais inconsistências basta eliminar uma das hipóteses. Ou consegue criar qualquer objecto mas não consegue mover os inamovíveis, ou consegue mover qualquer objecto e não consegue criar um que seja inamovível. Mas isto não resolve o problema original que é não ser possível ter poder para para tudo. É sempre preciso substituir a noção de omnipotência, que em vez “pode fazer tudo” passa a ser “só pode fazer aquilo que não torne a ideia absurda”.

Ainda assim, ficamos com duas formas diferentes mas perfeitamente equivalentes de eliminar a contradição. E ficamos sem saber se a omnipotência de Deus lhe permite mover qualquer objecto ou se lhe permite criar objectos inamovíveis. Sabemos que ambas não pode ser, mas qual das alternativas é a correcta permanece um mistério. Como tudo o resto, nestas coisas.

O problema principal é que todas estas hipóteses são gratuitas e inúteis. Não há qualquer observação que nos indique se a omnipotência de Deus permite, ou não permite, criar um objecto inamovível. Não há nada que se explique com estas hipóteses. E o mesmo se passa com a própria hipótese da omnipotência.

Há muitas hipóteses que não podemos descartar sem ficar com dados a nu, com coisas por explicar. Se descartarmos a gravitação não percebemos o movimento dos corpos. Sem o electromagnetismo não compreendemos a luz e a electricidade. Sem a evolução não se percebe a diversidade dos seres vivos, e assim por diante. Mas se descartarmos a hipótese de existir um deus omnipotente toda a nossa compreensão daquilo que observamos fica na mesma. Não perdemos nada ao rejeitar essa hipótese.

Além disso, descartar a hipótese que Deus existe resolve uma data de problemas destes. Problemas inconsequentes mas que, como os símbolos do Reiki, infelizmente muita gente leva a sério. O problema de Deus já saber tudo o que eu vou fazer ao longo da minha vida, tornando a minha liberdade numa mera ilusão. O problema de permitir que crianças sofram com doenças e acidentes. O problema de ser extremamente exigente quanto a rituais e comportamento mas não esclarecer qual dos livros sagrados, doutrinas e líderes religiosos é o certo. Todos esses problemas desaparecem, sem qualquer desvantagem, se fizermos à hipótese de Deus o que fazemos com a do Pai Natal.

É uma razão forte para ser ateu. É análoga ao que me leva a fazer contas sem me pôr a somar zero e a multiplicar por um a cada passo. Mesmo que seja logicamente consistente e mesmo que não altere o resultado é tempo perdido e não adianta de nada.

Em simultâneo no Que Treta!

11 thoughts on “Deus e a pedra”
  • TR

    Se o objecto não pode ser movido, move-se deus. Tudo depende do referencial.

    E já agora http://www.qwantz.com/index.php?comic=1668

  • josecamoreira

    Quando os homens – alguns homens – decidiram inventar Deus, fizeram-no com tal entusiasmo que lhes turvou a razão. Quiseram, porque convinha e ficava bem num deus, fazê-lo omnipotente, esquecendo-se da impossibilidade de mover o inamovível que ele próprio tivesse criado. Como se não bastasse a omnipotência, ainda lhe chaparam com a omnisciência, sem se lembrarem que omnipotência e omnisciência são, apenas, incompatíveis. Daí que eu tenha criado, para mim próprio, um divertimento que consiste em perguntas aos religiosos: “Será que Deus PODE evitar um terramoto que ele SABE que vai acontecer”?
    Ludwig, experimente o divertimento. Faça a pergunta a um crente, e depois relate-me as reacções.

    • Bandaatritos

      Primeiramente, você sabe quando foi decidido criar Deus? me fala porque sinceramente não sei, alguém como você que sabe tem uma informação e tanto! Nós estamos vivendo numa “realidade” mensurável, onde podemos a tudo medir e explicar racional e empiricamente. Deus não pode ser explicado e entendido por seres humanos justamente por “estar” (o verbo aqui talvez nem exista, pois Deus está e não está) além de qualquer realidade ou mesmo “irrealidade”. Mesmo os seguidores de doutrinas religiosas quando dedicam a Deus qualidades como justo, bom, fiel, dentre outros, estão cometendo o erro de julgar “algo/alguém” que não pode ser avaliado dentro dos padrões reais que conhecemos. Existe algma coisa que criou sem ser criado? não, todos nós, toda a matéria nem é criada, é transformada. Porém, Deus não existe MATERIALMENTE, ou seja, não tentem mensurar sobre os padrões pensaveis por humanos algo que é impensável!

      Quanto à questão do terremoto, é simples. O tempo foi criado por Deus, mas não existe para Deus. Nós temos o conhecimento a respeito dos dias, das horas e dos minutos de forma referencial, uma criação do homem. Não exsite nem mesmo essa coisa de “para Deus, milhões de ano passam em um segundo!”, não mesmo; para Deus não existe mensurabilidade. O ateu procura enxergar pela ótica que lhe convém, pela ótica que aprendeu com o passar os anos, pela ótica que ele vivencia a cada dia e segundo em suas convicções. O teísta a mesma coisa. O ateu está certo? o teísta está errado? o agnóstico, como eu, é o “senhor-sabe-tudo”? para todas essas perguntas: não, pois não existe resposta correta ou errada, existe ponto de vista. Não quer dizer que eu não posso achar isso ou aquilo; posso desde que saiba que o que penso nada mais é que um ponto de vista, e ora, é minha escolha pensar dessa forma, e não porque eu tenho certeza que aquilo é o que é. Por exemplo, para mim o ateísmo, é pura tolice de “pseudointelectual-bundinha-legal”. Mas isso não quer dizer que estou certo sobre isso; é como eu enxergo. Se é ou não, vc não sabe, nem eu. A omnipotencia/omnisciência/ominipresença e qualquer outra característica a respeito de Deus é simplesmente inimaginável, mesmo pelo maior filósofo/cientista/religioso ou mesmo um “pseudointelectual-bundinha-legal” como você.

      • Anónimo

        Desculpe, mas só agora vi o seu comentário.
        ” Primeiramente, você sabe quando foi decidido criar Deus?”
        Claro que sei! Deus foi criado quando o primeiro idiota se cruzou com o primeiro esperto.

        • Sandro

          “Claro que sei! Deus foi criado quando o primeiro idiota se cruzou com o primeiro esperto”

          Para os “espertos” como você, realmente é melhor responder com coisas vazias mesmo; pelo menos é melhor do que falar o que não sabe, ou mesmo dizer simplesmente “não sei!”. Enfim, me diga: quando o primeiro idiota cruzou com o primeiro esperto na história da humanidade? bem, o primeiro idiota eu não saberia, mas um idiota eu sei bem reconhecer quando cruza por mim…

  • ricardodabo

    Vou agir como advogado do Diabo e tentar defender a alegação religiosa. Vai parecer confuso, mas vou tentar assim mesmo.

    Sendo livre, Deus pode criar uma pedra removível ou irremovível, já que a onipotência lhe faculta fazer qualquer coisa. Antes de colocar mãos à obra, Deus considera as duas possibilidades. Se criar uma pedra removível, ela não entrará em conflito com a sua onipotência, mas, se preferir criar uma pedra irremovível, parece que é isso o que irá acontecer.

    Entretanto, Deus pode abrir mão da sua onipotência sempre que achar que isso é necessário. Em tese, ele pode criar uma pedra tão pesada que nem ele mesmo pode remover. Mas isso seria uma idiotice tão grande que desmentiria a sua sabedoria, a menos que houvesse um propósito benfazejo e útil para a criação da pedra. Em outras palavras, suponhamos que Deus precisasse criar uma pedra irremovível para tapar um buraco negro cuja atividade pudesse trazer perigo para a nossa existência. Sei que o exemplo é absurdo, mas é o único que me ocorre agora. Neste caso, a pedra atenderia a um propósito benfazejo e útil, não havendo qualquer motivo para que ela fosse removida dali.

    É verdade que Deus nunca mais irá poder remover a pedra, mas a sua sabedoria lhe mostrou que ele nunca mais precisaria removê-la. Portanto, não seria justo dizer que Deus não pode remover a pedra. O mais correto seria dizer que Deus desejou não poder remover a pedra. Antes de não poder, ele quis não poder. A onipotência divina deve ser entendida como a capacidade de fazer qualquer coisa, inclusive a de se fazer impotente quando for útil para a obtenção de um certo resultado. Se ele não pudesse restringir sua onipotência, ele não seria onipotente. A onipotência deve se subordinar ao seu arbítrio, e não o contrário.

  • Joe

    se deus é protetor e onipotente… pq os religiosos pedem ajuda à policia, aos medicos etc.?
    pq o papa anda com vidro antibalas??

  • lisandrooo

    Joe sua resposta é simples, pq existem pessoas que não acreditam em Deus e querem prejudicar à quem acredita entendeu??

  • Raul

    Ola, quero responder este seu questionamento não porque Deu precise de advogados que o defendam, mas porque quero que vc e todos os que lerem este comentario entendam uma coisa “Deus” não é uma ivencionice humana como dizem alguns.
    Quero tambem esclarecer que o ateismo de uma forma geral é um naõ; a um deus, que realmente nao exite, e um protesto a religiosidade exarcebada que vemos em nossos dias.
    Quanto a onipotencia e onipresença “D ele”,é facil demais pra se responder embora algun s não entendam.
    Ao contrario do que a maioria pense “Ele” escolheu deixar que a vida tenha seu curso sem intervenções divinas como gostariamos. Vcs já imaginaram se “Ele” intervisse sempre?Não quero ser simplorio mas é simples assim.Quanto sua onisciencia, o fato “D ele saber todas a coisas é a mesma coisa.
    “Não somos marionetes de DEUS a vida é asim, nascemos, morremos nos envolvemos em situações diversas, e ai esta a vida diante de nós.
    O pior de tudo isto é dizer que “Ele” não existe usando teorias cientificas e outros meios, sendo que “Ele” esta em tudo até em sua vida, independentemente de seu cetiscismo.
    Um abraço “Ele” acredita em vc.

  • Mix_rexa

    Muito se tem debatido, nos meios académicos, entre os intelectuais, nos circuitos religiosos e até mesmo entre pessoas de censo comum, sobre a “existência de Deus”.
    Eu aqui vou defender a não existência Deste, que consiste no desencadeamento de ideias e teses para que provem o que vai ser dito aqui.
    A primeira coisa que devemos fazer é perguntar-mo-nos: O que é Deus? Quando falamos de Deus estamos a falar exactamente do quê? Do Deus escrito pela Bíblia?
    A resposta é sim, pelo normal.
    Mas a existência de Deus é absurda pois, no inicio do antigo testamento está escrito que Deus quis dar ao homem uma auxiliar e, então, fez o seguinte: “Após ter formado da terra todos os animais dos campos e todas as aves dos céus, conduziu-os até junto do homem, a fim de verificar como ele os chamaria, para que todos os seres vivos fossem conhecidos pelos nomes que o homem lhe desse”. A seguir a Bíblia acrescenta: ” Contudo não encontrou para ele uma auxiliar adequada. Então, o Senhor Deus adormeceu profundamente o homem e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher”.
    Não é Deus que é suposto ser omnisciente? Não saberia ele de antemão que nenhum dos animais dava uma auxiliar adequada? Por que razão esteve Deus á espera de ver que nome dava o homem aos animais? Sendo ominisciente, não consegiria Ele saber isso previamente?
    E quando decidiu provocar o dilúvio: “O Senhor arrependeu-Se de ter criado o homem sobre a terra”.
    O Senhor arrependeu-se? Mais uma vez não era Ele omnisciente? Sendo ele perfeito e todo poderoso, não faria sentido que Deus tudo previsse em tempo útil? Que conto é este de Deus estar a emendar os Seus erros? Mas afinal Deus comete erros é?
    Bom e omnipotente são outras duas vertentes que vão contra Deus.
    Se ele é de facto bom e omnipotente, como pretende a Bíblia, por que razão permite a existência do mal? Porque razão deixou o holocausto ocorrer?
    Como podemos ver os dois conceitos são contraditórios, porque se Ele é omnipotente, não pode ser bom uma vez que permite a existência do mal.
    Se atribuir-mos o conceito de bom também podemos ver que não é porque na Bíblia não transmite essa ideia.
    Dá antes uma ideia de um Deus ciumento, que obriga a uma fidelidade cega; um Deus capaz de dizer a Abraão para matar o filho só para ter a certeza de que o patriarca Lhe era fiel.
    Para quê sendo ele bom e omnisciente esse teste tão cruel?
    Omnipotente também não pode ser, porque ele chega a punir as suas criaturas que é tudo sua criação.
    Agora outra pergunta:
    -Não estará Ele a puni-las por coisas de que é Ele o responsável? Ao julgar as suas criaturas, não estará Ele a julgar-Se a si próprio?
    Também existe um paradoxo que prova a não existência da omnipotência (Dele próprio).
    É o seguinte:
    Se Deus é omnipotente pode criar uma pedra tão pesada que não consiga levantar, mas podemos ver que encontramos aqui uma contradição, pois se Ele criar essa pedra então não vai conseguir levantá-la( logo não é omnipotente), mas se Este conseguir levantar, então não é omnipotente uma vez que não conseguiu criar uma pedra que não conseguisse levantar.
    Há um argumento ateísta que vai contra a existência Deste, que é o seguinte:
    Se Deus existisse não exitia mal desnecessário no Mundo.
    Há mal desnecessário no Mundo.
    Logo Deus não existe.
    Daqui como podemos ver a conclusão que se retira deste trabalho é a não existência Deste.

    • Bandaatritos

      Olhando assim, num primeiro momento, pensaria o incalto (e isso inclui você!) que seu questionamento e resposta tem fundamento. Mas engraçado, tem fundamento logo na Bíblia! rsrsrs. Estranho, se você não acredita no que está escrito na Bíblia, como pode sequer usá-la para fundamentar um questionamento contra ela? Meu amigo, pare e reflita antes de tudo: uma escritura sagrada, independente a qual religião pertença, delineia de forma dogmática todos os paradígmas para tudo o que existe. Antes de recorrer a um livro desta estirpe, o homem deveria acima de tudo procurar saber o que seria fé. Não a fé em algo, mas a fé em si mesmo, ou seja, o que seria a fé. Entendendo essa atitude a respeito da fé, parar para pensar: creio num deus? como enxergo a espiritualidade? acredito mesmo e tenho fé num mundo espiritual,transcendental ou metafísico? ai sim meu filho, essa pessoa iria buscar “luminação” dentro das escrituras pertencentes à religião que mais tivesse haver com seus preceitos e conclusões. Ou seja, nem vc está certo com essa baboseira explicativa de merda, e nem mesmo qualquer religioso que disser estar certo porque “está escrito na Bíblia”. As escrituras diferencial por questões semânticas! é só parar para pensar. E a respeito desse “dilema” de Deus e a pedra, caramba, o homem que se diz inteligente nunca parou para pensar que a idéia de um deus que exista com todos esses “omni” não implica num ser/Deus/entidade/energia/sei-lá-o-quê” ao qual não se aplicam regras, mesmo em relação ao imaginável como infinito? Na próxima vez que tentar concluir algo, fundamente de forma coerente e concisa, por favor, ou ande com um rolo de papel higiênico, para os casos que começar a falar muita merda, tá certo? abraço!

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