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Os deuses dos animais

Se os cavalos fossem crentes, certamente que o seu deus teria relinchado mandamentos e concedido a ferradura de ouro aos mais devotos. Havia de proibir-lhes o pasto viçoso pela quaresma e a ração de aveia às sextas-feiras. E se, porventura, os cavalos de raça fossem lascivos, impor-lhes-ia restrições à cópula, limitando-a à égua própria e vitalícia para fins meramente reprodutivos.

Se os cavalos fossem dados à metafísica, saberiam converter em benta a água dos rios e a das fontes e aprenderiam a ajoelhar-se à passagem dos bispos dos cavalos e a rastejar perante o papa.

Se os cavalos se dessem à beatice, como os humanos, o deus estaria rodeado de éguas que relinchariam hinos e cavalinhos que o louvassem. Algumas éguas ficariam virgens para o glorificar e outras professariam em estrebarias, para sua maior glória.

A fé tem obrigações e os cavalos haviam de arranjar burros que lhes levassem a palha e algum camelo que transportasse o andor com a Égua Lusitana ou com o cavalo de Alter do Chão, quando organizassem procissões equestres.

Não faltariam devoções pias, dias santos com rações suplementares de cevada e festas anuais, sem cabresto nem bridão, para poderem relinchar hossanas, mas não falhariam as esporas para punir o garrano que cobiçasse a égua alheia nem selins apertados para os que não cumprissem as devoções pias.

Se o deus que os homens da Idade do Bronze inventaram e nos legaram fosse amante de touradas,  só os aficionados teriam direito ao Paraíso. Os toureiros seriam anjos, santos os forcados e o Campo Pequeno uma catedral.

Os cabos seriam apóstolos e os rabejadores bem-aventurados destinados aos altares. Os bispos trocariam a mitra pelo barrete e o báculo pela muleta. Os cavaleiros, forcados, bandarilheiros, novilheiros, campinos e outros intervenientes seriam os eleitos em vez de padres, freiras, diáconos, beatas e outros avençados do divino. E para agradarem a deus, os beatos fariam lides com o capote e cravariam ferros curtos por devoção.

O matador seria um cruzado com indulgências plenas e o forcado colhido numa tourada teria assegurada a ascensão ao céu onde o esperariam virgens, mel e outras iguarias.

Talvez os membros das associações protectoras dos animais tivessem de se remeter à clandestinidade e, denunciados pelo inteligente, pagassem o atrevimento servindo de churrasco numa fogueira erguida para preservar das heresias as touradas e as boas pegas.

14 thoughts on “Os deuses dos animais”
  • Afonso Barata

    A propósito de animais, isto tem sido notícia: http://www.rr.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=95

    E há quem prefira rir da coisa… http://jornaldofundinho.blogspot.com/2009/12/gr

  • Carlos Esperança

    Gostava de conhecer a imagem. O Jornal do Fundinho é bem humorado.

    Obrigado, Afonso barata, pela informação.

  • 1atento

    Isto sim!
    Este texto é uma benção do deus do humor aos ateus.
    Só uma pequenina observação, ao penúltimo parágrafo:
    Talvez o matador “teria assegurada a ascensão ao céu onde o esperariam virgens, mel e outras iguarias” e o forcado colhido, se fosse atingido nos testículos, jamais poderia entrar no reino de Deus, o Senhor. (deuteronómio 23:1)

    Um abraço ao Carlos!
    Desejo a todos FELIZES SATURNÁLIAS!

  • Carlos Esperança

    Obrigado, estimado 1 Atento, um dos mais entusiastas ateus da AAP.

    Excelentes Saturnálias, também.

  • ricardodabo

    “Se os cavalos fossem crentes, certamente que o seu deus teria relinchado mandamentos e concedido a ferradura de ouro aos mais devotos”.

    HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA….

  • Zeca Portuga

    Se os cavalos fossem crentes…

    Cavalos… não sei, mas os burros são ateístas – como se prova pela prosa anexa.

    Não sei se foi sempre assim. No presépio aparece sempre um burro. Provavelmente os de 4 patas não são ateus… só os restantes!

    Que estamos na presença de uma dissertação puramente asinina, ninguém honesto pode negar.

    Apesar de tudo há um certo mérito neste “Post”: o ateísmo é uma manifestação animalesca – aqui está a prova!

    Pouco tempo, comentário curto.

  • ricardodabo

    Vejam o que achei. Não gostei do símbolo, mas isso tem pouca importância. Já estava mais que na hora do movimento se fazer representar por um símbolo.

    http://www.youtube.com/watch?v=aWzy9dBIc10

  • Carpinteiro

    A barrigada de riso que eu apanhei!! Não fosse o retrato: – «os cavalos haviam de arranjar burros que lhes levassem a palha e algum camelo que transportasse o andor…»; da mais pura realidade.

  • 1atento

    Carlos Esperança, com a devida vénia, tomei a liberdade de publicar este artigo no meu blog < href =”http://embusteiros.blogspot.com/2009/12/os-deuses-dos-animais.html”>«O Calhamaço dos Embustes»
    Um abraço!

  • 1atento

    O link saíu-me mal! Repito:
    Carlos Esperança, com a devida vénia, tomei a liberdade de publicar este artigo no meu blog «O Calhamaço dos Embustes»
    Um abraço!

  • Carlos Esperança

    Fizeste muito bem e ob rigado.

  • 1atento

    Carlos Esperança, com a devida vénia, tomei a liberdade de publicar este artigo no meu blog < href =”http://embusteiros.blogspot.com/2009/12/os-deuses-dos-animais.html”>«O Calhamaço dos Embustes»
    Um abraço!

  • 1atento

    O link saíu-me mal! Repito:
    Carlos Esperança, com a devida vénia, tomei a liberdade de publicar este artigo no meu blog «O Calhamaço dos Embustes»
    Um abraço!

  • Carlos Esperança

    Fizeste muito bem e ob rigado.

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