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Todos somos Abéis e Caíns

Por

Onofre Varela

onofre_varela“Criticar os costumes dos homens sem atacar ninguém em particular, será, realmente, morder? Não será antes o desejo de ensinar ou aconselhar? Além disso, quantas vezes me tenho criticado a mim próprio? Uma sátira que não poupa nenhuma das condições humanas não pretende atacar homem algum em particular, mas sim os vícios de todos.
Se alguém se ergue a gritar que foi ofendido, confessa que se sente culpado, ou, pelo menos, que em segredo se inquieta”.

(Erasmo de Roterdão, in “Elogio da Loucura”)

jose_saramago_onofre
O tema Religião é delicado, principalmente quando abordado sob o ponto de vista de quem não alinha em credos religiosos. Corre-se sempre o risco de levar os crentes a sentirem-se ofendidos na sua fé. Isto acontece invariavelmente, por muito cuidado que se tenha na escolha das palavras e por muito que se repita que a intenção primeira não é beliscar religiosidades, mas reflectir sobre a fenomenologia que conduziu o raciocínio do Ser Humano para a criação dos deuses, e de como tal prática acabou por gerar e desenvolver culturas, sistemas de organização política e social, e fomentar uma indústria e um comércio da Religião e da fé, aprisionando consciências.

Neste Ocidente democrático e civilizado, o respeito pelas crenças não impede a expressão crítica. Era só o que faltava obrigarmo-nos ao silenciamento e à auto-censura para não ferirmos sensibilidades tão susceptíveis de rotura, só porque os clérigos estão (mal) habituados à ditatorial proibição da abordagem de temas que eles consideram intocáveis e propriedade sua, como acontece com a Bíblia (que não é pertença do Vaticano mas Património da Humanidade), da qual não aceitam leitura diversa daquela que a Igreja difunde formatada de acordo com os seus interesses. Respeitemos mas opinemos.

Um ateu não é mais do que um crítico das religiões, sem se obrigar a papar missas, tal como um crítico cinematográfico, ou literário, critica cinema ou literatura sem se obrigar a filmar e a escrever. Se a religiosidade de cada um é coisa sagrada, a liberdade de expressão é, também, igualmente sagrada. Nem o ateu, nem o religioso são donos da verdade. Nas suas deambulações filosóficas sobre o conceito civilizacional designado Deus, o ateu pode chegar a conclusões tão certas, ou tão erradas, quão certos ou errados estão os que acreditam na intervenção de uma divindade no destino dos homens… porque errare humanun est. Não há infalíbilidades em questões filosóficas e muito menos nos discursos religiosos. Todos nós, incluindo o Papa, emitimos opiniões que podem ser tão certas como certo é a chuva molhar, ou tão falíveis quanto o Orçamento Geral do Estado.

Há (e é muito bom que haja) um pensamento à margem do “politicamente-instituído-como-correcto”, que resulta da observação crítica e do constante questionamento daquilo que nos é mostrado como bem e certo, mas no que se pode detectar algum mal ou erro, e daí nasce a polémica. Todas as polémicas são necessárias e úteis, mas tornam-se desinteressantes quando aquilo que as motiva não é mais do que paixão desmedida. Todos nós sabemos, por experiências vividas na juventude, que as paixões, em regra, são muito emotivas, pouco racionais, e habitualmente têm um prazo de validade curtíssimo… tal como o iogurte e os ovos moles.

O tema Deus é interessante, absorvente, e por isso pode cair na teia das paixões empoladas, terreno onde se corre o risco de se não encontrar uma porta racional por onde se entre ou saia com dignidade e elevação intelectual e moral. A paixão é como o vinho: ou se consome com regra, moderação e racionalidade, usofruindo do prazer que a bebida produz, ou se emborca sem medida até à bebedeira total, correndo-se o risco de tomar atitudes nada dignificantes.

A Bíblia tem muito peso na formação dos povos ocidentais porque todos nós fomos educados nos seus preceitos. É um conjunto de registos contendo algumas narrativas históricas à mistura com conselhos práticos, leis sociais, regras de comportamento e de higiene, poesia, conflito, crimes de vária índole, muita ficção, e fabulosas estórias para a implementação da também fabulosa ideia do monoteísmo. A difusão de tal ideia pertence aos Hebreus, e foi verdadeiramente revolucionária para o tempo em que existia um deus para cada hora do dia! O povo hebreu criou o conceito de um só deus, com o valor de todos os outros, condensado e em versão single. Tal ideia foi iniciada por Abraão, e ao longo de mais de 1.500 anos de História acabou sendo imposta por Judeus, Cristãos e Muçulmanos como Verdade Universal a ser atendida por todos com muito temor e adoração desmedida. Mas a verdade é que o valor histórico dos textos bíblicos onde a ideia é registada, é muito relativo e não inteiramente fiável.

Na existência real de um deus, e na sua intervenção junto dos homens, é que reside a questão, porque tal coisa não tem substância, não é credível à luz de qualquer lei física, e só pode ser afirmada pela fé, a qual não tem qualquer valor para além dela mesma.

O estudo sério, histórico e arqueológico, das narrativas bíblicas é recente. Foi em 1843 que o arqueólogo francês Paul Émile Botta, escavando em Korsabad, na Mesopotâmia, encontrou baixos relevos com inscrições descrevendo as campanhas do rei assírio Sargão II contra o reino de Israel na conquista de Samarina, tal como na Bíblia é referido (Isaías, 20). Só desde então os textos bíblicos saíram da incógnita de mosteiros e sacristias para serem estudados por cientistas de vários ramos da Ciência. Mercê destas consequentes novas interpretações dos textos ditos sagrados, e de outras leituras por credos não católicos, a Igreja reagiu, recentemente (7 de Outubro de 2008), através do cardeal canadense Marc Ouellet, relator geral do
sínodo dos bispos, solicitando ao papa uma encíclica sobre “a interpretação das Escrituras, por haver muitas divergências interpretativas” e algumas delas “divergirem da visão que o Magistério do Papa e dos bispos oferecem sobre a Bíblia”!… Como que se o papa fosse o autor das Escrituras, ou tivesse procuração dos seus escribas, ou a exclusividade dos direitos universais para a sua interpretação!…

Obviamente que a proposta não é ingénua. Ela pretende que a Bíblia deixe de ser interpretada nos meios científicos “apenas sob o ponto de vista académico, pois a Palavra de Deus penetra em todas as dimensões da pessoa”, e legitime, assim, as interpretações de fé colocando-as ao mesmo nível dos estudos científicos!… O que não passa de uma esperteza saloia cardinalícia.

É evidente que o estudo de tais matérias deve ser deixado a cargo de especialistas formados nos diversos ramos da Ciência inerentes à tarefa da interpretação dos textos bíblicos enquanto objecto arqueológico e documento testemunhal da evolução do pensamento, e não apenas aos teólogos que funcionam como advogados de defesa em causa própria.

Dito isto, e terminando esta minha reflexão, em verdade vos digo: todos nós, incluindo o escritor e Prémio Nobel José Saramago, somos livres de aproveitar esta porta aberta por Marc Ouellet — que pretende aferir, paralelamente à Ciência neutra e conclusiva, os entendimentos religiosos —, para também entrarmos por ela e fazermos a nossa interpretação pessoal da Bíblia, cuja liberdade foi legalizada pelo cardeal (embora não precisassemos dela para o fazermos)! Nesse sentido, direi que Abel e Caím protagonizam, metaforicamente, um exemplo ilustrativo do natural e humano espírito de inveja e ciúme — que nos retrata a todos, sem excepção —, e que também pode configurar um tipo de crime com motivações económicas, já que Caím matou o irmão Abel por interesses relacionados com as partilhas da terra e do gado.

Entenda-se: se, pela fé, a um religioso é dada legitimidade para interpretar os textos bíblicos de acordo com o seu entendimento místico, divorciado das interpretações históricas e científicas, então todos nós podemos reivindicar a mesma legitimidade de interpretar os mesmos textos baseando-nos no raciocínio de ateu, de agnóstico, ou de, simplesmente, curioso, divorciado de todas as interpretações de fé que, como se sabe, só têm valor (e muito relativo) no seio das respectivas crenças. Para além do mais, note-se que aquele que lê a Bíblia apenas pelo prisma da crença religiosa… na verdade não sabe nada da Bíblia!… simplesmente porque crer não é saber.

Onofre Varela

21 thoughts on “Todos somos Abéis e Caíns”
  • Manel

    Excelente!

  • Zeca Portuga

    Há aqui algumas coisas que se aproveitam, neste texto.

    Apesar na notável malícia do autor, nem tudo lhe sai mal.

    Duas coisas, porém, não são aproveitáveis pro serem absrudas:

    1 – a ideia de que podemos livremente troçar, achincalhar e vexar, da mais vil e ordinária difamação ou ofensa, quem nós quisermos.
    Isso é uma forma de terrorismo. Deve ser banido, eliminado, pela força, de preferência.

    2 – A ideia de que a interpretação de algo, por quem é estranho ao assunto, é sempre legitima.
    Veja-se este exemplo:

    Constituição da República:
    Artigo 43.º (Liberdade de aprender e ensinar)

    1. É garantida a liberdade de aprender e ensinar.

    O que aqui diz é que todos são livres de aprender, se quiserem, e/ou ensinar, se quiserem. Portanto, o ensino obrigatório é inconstitucional. Logo, se um filho meu não quisesse ir para a escola, eu não obrigaria e impedira que alguém o obrigasse.

    Este é o perigo de pôr um apedeuta ateísta, completamente ignorante no assunto, a interpretar a Bíblia.

    É que, se eu resolvesse insultar a ministra da educação ou o primeiro-ministro, porque (conforme à minha interpretação) estava a violar a constituição, arriscava-me a ser severamente punido, pela mesma lei que eu interpreto de forma diversa – o código penal.


    Cada um pode interpretar aquilo para que tem formação. Um ateísta a interpretar a Bíblia, é já em si, uma situação ofensiva para os fiéis. E, a ofensa também +é crime e deveria ser mais criminalizada ainda.

  • ricardodabo

    O autor não afirmou que nós podemos “troçar, achincalhar e vexar, da mais vil e ordinária difamação ou ofensa, quem nós quisermos”.
    Não se trata de quem, e sim do quê. Ele não estava falando de pessoas, mas de livros. Não era uma reivindicação ao direito de calúnia, mas ao livre debate de idéias.

  • Carpinteiro

    Neste país castrado, só os “engenheiros d`almas” têm direitos adquiridos. Ligo a televisão e lá estão eles pagos com os meus impostos a debitar insanidades sobre como interpretar a palavra do deus deles. Vou à escola e lá estão eles pagos com os meus impostos a ensinar o que gosta e aquilo que enfurece o deus deles. Manipulam um exército fanático, implacável, omnipotente, constituído de seres, que tem em mãos o poder conivente dos governos para fanatizar e destruir a mente de milhões de adultos e crianças com a sua doutrina. E assim censuram tudo e todos os que não servem à sua ambição de poder.
    Eles estão aí, diante de Galileu: para conservar a fé, negar o sol e humilhar o homem livre.

    Só eles são os “verdadeiros” representantes do “verdadeiro” deus, através do qual as vacas dão mais leite, os campos produzem mais trigo, os rios não são mais senhores de dos seus cursos… Qualquer semelhança com Clark Kent — a identidade secreta do Superman ianque — não passará de mera coincidência.

    Para os “Construtores de Deus”, é um sacrilégio questionar os seus dogmas. Enquanto defensores incondicionais do deus deles, gozavam de privilégios, enquanto outros são condenados ao ostracismo, não merecem respirar o mesmo ar.

    Este exército, possui o seu Evangelho e os seus apóstolos fanatizados que pregam a Boa Nova a toda a gente. E sobretudo a fé, que lhe assegura deter a verdade e ter a resposta definitiva aos problemas económicos da vida, deles.

    São os donos da mentira necessária contra as “verdades nefastas”, aqui onde reinam e são senhores, não há lugar para a querela entre o saber e a fé. Não há lugar para a dúvida pois toda a religião que se preze tem as respostas para o povo, e decide pelo povo, pois só eles estão autorizados a abrir as portas celestes. E eis que o monstro que apenas existe na mente, sempre que se toca rosna.

    — Platão, há mais de dois mil anos, certamente recusaria assumir o papel de teórico “avant la lettre” de uma doutrina estética que constituiu a formidável camisa-de-forças da humanidade.

  • Carpinteiro

    E se a interpretação dos textos sagrados está confinada aos sagrados representantes do ministério, então a decisão sobre o casamento entre pessoas do mesmo SEXO cabe aos sexólogos.

  • pedro

    Um ateu fazer de teologo … hummm …
    Um ateu a vender um livro sobre teologia … hummm …
    hummm …

  • pedro

    Porque um ateu resolve dedicar-se a teologia?

  • ricardodabo

    Não só o casamento com pessoas do mesmo sexo, mas também o aborto, a eutanásia e outros assuntos que não são a especilidade da teologia, mas sobre o qual os padres sempre têm algo a dizer.

  • Carpinteiro

    Pedro, e porque não?!

    Se teologia é o estudo da “palavra” de deus (já que deus não pode ser objecto de estudo porque não se conhece).
    Quem o impede a si de estudar a “palavra”?

  • Carpinteiro

    «… sobre o qual os padres sempre têm algo a dizer»

    É claro Ricardo. No mundo da comunicação, não ter, ou poder “dizer”, equivale a não ter poder. E isso é o que a Igreja mais teme, não “dizer”, cair no esquecimento e desinteresse social. Não é por acaso que a Igreja defende temas socialmente fracturantes e com eles gera polémica, precisamente para poder “dizer”: estamos aqui, não se esqueçam que existimos, pois em boa verdade hoje mais que nunca, quem não se mostra não existe. E para a Igreja, defender ideias, é uma forma de exercer o poder.

  • zeca Portuga

    Só o sexologos é que praticam sexo???
    A fome que você passa!!!

  • zeca portuga

    Mas, a teologia não trata desse assuntos, nem se pronuncia sobre eles. É falso que alguém invoque a sua qualidade de teologo para tratar estes assuntos.

    O absurdo é que os ateistas se pronunciam sobre tais assuntos e não tem que se pronunciar sobre eles, usando a sua (des)qualidade de ateistas.

    A Igreja, ante estes problemas, defende os crentes e a filosofia de vida que lhe está subjacente, não se trata de uma questão teológica.

    O estranho é que o Igreja, por exemplo no caso da paneleirada, defende um referendo, e isso é considerado uma asneira para os ateistas – simples, sabem que o povo não concordaria!

  • zeca portuga

    Logo o ateismo é antidemocrata e contra o povo.

  • JoseMoreira

    Esse Zé-não-sei-quantos é um demente! Completamente fanatizado, engole hóstias e emborca água-benta que, depois, lhe provocam os arrotos que aqui temos visto.
    Por alma de quem é que a Igreja vem exigir o referendo? Ainda não se convenceram de que:
    a) – Só casa quem quer.
    b) – Ninguém é obrigado a casar pela igreja.
    c) – O casamento que o Governo pretende, é um casamento civil., não é religioso. A Igreja não tem nada a ver com isso, do mesmo modo que o laicismo não se intrometeu na apalhaçada beatificação do Nuno Álvares Pereira.
    E nunca conseguirei compreender a “preocupação” da igreja com os homossexuais que sempre desprezou e abominou.
    Parem com a hipocrisia! Fazem-me lembrar aqueles idiotas que aparecem na televisão com os letreiros “mãe, estou aqui”. A única diferença é que não têm letreiro. Cada macaco no seu galho, se faz favor.

  • Carpinteiro

    Ó Zé, você fala da “paneleirada” (o termo é seu…) com o desprezo de quem desconhece que 37% do clero é “paneleiro” (na sua óptica)) sendo que aproximadamente 25% são activos?!

  • Carpinteiro

    Ricardo Alves está neste momento na TVI a falar sobre os crucifixos nas escolas

  • Zeca Portuga

    Não sei onde foi bustar tais dados. Mas, a serem verdadeiros (eu desconheço tal facto), devem ser corridos da Igreja rpa fora, já!

    Não percebo, até, porque razão alguém acha mal que se averigue se os candidatos a padres tem tendencia para “rabetas” – toda a gente sabe que os pascas são pedófilos.

    Portanto, se tantos padres são panascas, está aí a explicação para a pedófilia de que se fala.
    Só não entendo por que razão os ateistas defendem os panascas… mas só se não forem padres!

    Estupidez ateista!

  • ricardodabo

    “A Igreja (…) defende os crentes e a filosofia de vida que lhe está subjacente”.

    Na verdade, a igreja impõe a crentes e não crentes a filosofia de vida que julga acertada.

    Quanto à pergunta do Pedro (por que um ateu se dedica à teologia), a resposta é simples. Os ateus vêem a religião como um inventário de asneiras e debiloidices. As idéias religiosas são tão absurdas que nem sequer merecem refutação. O problema não é o valor intrínseco dessas idéias, mas os abusos e as velhacarias que elas induzem os homens a cometer. Se um cristão se limitasse a acreditar na santíssima trindade, na ressurreição de Cristo, na imortalidade da alma e outras bobagens semelhantes, muito provavelmente não diríamos nada, assim como não dizemos nada sobre as outras superstições populares: búzios, tarô, horóscopo, numerologia, etc. Ninguém nunca sequestrou aviões e produziu ataques terroristas depois de ler o seu horóscopo. Algumas tolices são inofensivas. Não é o caso daquelas veiculas pela religião.

  • Carpinteiro

    «Ninguém nunca sequestrou aviões e produziu ataques terroristas depois de ler o seu horóscopo. Algumas tolices são inofensivas.»

    Ora Ricardo, você fez o mais difícil, disse tudo de uma forma simples e concisa. Não posso estar mais de acordo.

  • Manel

    Há quem afirme que “um ateu, incréu, agnóstico ou hereje, não tem capacidade para interpretar a bíblia”.
    Ora, tal afirmação é errada, pois foi na bíblia e na leitura aturada da mesma que os formou nesse sentido.
    Uma leitura da bíblia com fé, como tenho ouvido a alguns poucos, não é leitura.
    A fé não deixa ler, ou melhor à medida que a leitura avança a fé quebra-se.
    Para mim, a certas alturas é CA FÉ que me tem salvo de adormecer.

  • Manel

    Há quem afirme que “um ateu, incréu, agnóstico ou hereje, não tem capacidade para interpretar a bíblia”.
    Ora, tal afirmação é errada, pois foi na bíblia e na leitura aturada da mesma que os formou nesse sentido.
    Uma leitura da bíblia com fé, como tenho ouvido a alguns poucos, não é leitura.
    A fé não deixa ler, ou melhor à medida que a leitura avança a fé quebra-se.
    Para mim, a certas alturas é CA FÉ que me tem salvo de adormecer.

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