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  • 8 de Setembro, 2009
  • Por Carlos Esperança
  • AAP

BRASIL – Carta da ATEA ao presidente Lula

Caro presidente [Lula da Silva]

O senhor chegou ao poder carregado pela bandeira de uma sociedade mais justa e mais inclusiva. O uso da palavra “excluídos” no vocabulário
das políticas públicas tem o mérito de nos lembrar que as conquistas de nossa sociedade devem ser estendidas a todos, sem exceção. Sim,
devemos incluir os negros, incluir as mulheres, incluir os miseráveis, incluir os homossexuais. Mas, presidente, também é preciso incluir ateus e agnósticos, e todos os demais indivíduos que não têm religião.

Infelizmente, diversas declarações pessoais suas, assim como políticas do seu governo, têm deposto em contrário. Ontem mesmo o senhor afirmou que há “muitos” ateus que falam sobre a divindade da mitologia cristã quando estão em perigo. Ora, quando alguém diz “viche”, é difícil imaginar que esteja pensando em uma mulher palestina que se alega ter concebido há mais de dois mil anos sem pai biológico. Algumas expressões se cristalizam na língua e perdem toda a referência ao seu significado estrito com o tempo, e esse é o caso das interjeições que são religiosas em sua raiz, mas há muito estão secularizadas. Se valesse apenas a etimologia, não poderíamos nem falar “caramba” sem tirar as crianças da sala.

Sua afirmação é a de quem vê «muitos» ateus como hipócritas ou autocontraditórios, pessoas sem força de convicção que no íntimo não são descrentes. Nós, membros da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, não temos conhecimento desses ateus, e consideramos que essa referência a tantos de nós é ofensiva e preconceituosa. Todos os credos e convicções têm sua generosa parcela de canalhas e incoerentes; utilizar os ateus como exemplo particular dessas características negativas, como se fôssemos mais canalhas e mais incoerentes, é uma acusação grave que afronta a nossa dignidade. E os ateus, presidente, também têm dignidade.

Duas semanas atrás, o senhor afirmou que a religião pode manter os jovens longe da violência e delinqüência e que «com mais religião, o mundo seria menos violento e com muito mais paz». Mas dizer que as pessoas religiosas são menos violentas e conduzem mais à paz é exatamente o mesmo que dizer que as pessoas menos religiosas são mais violentas e conduzem mais à guerra. Então, presidente, segundo o senhor, além de incoerentes e hipócritas, os ateus são criminoso e violentos? Não lhe parece estranho que tantos países tão violentos estejam tão cheios de religião, e tantos países com frações tão altas de ateus tenham baixíssimos índices de criminalidade? Não é curioso que as cadeias brasileiras estejam repletas de cristãos, assim como as páginas dos escândalos políticos? Algumas das pessoas com convicções religiosas mais fortes de que se tem notícia morreram ao lançar aviões contra arranha-céus e se comprazeram ao negar o direito mais básico do divórcio a centenas de milhões de pessoas. Durante séculos. O mundo
realmente tinha mais paz e menos violência quando havia mais religião?

Parece-nos que não.

A prática de diminuir, ofender, desumanizar, descaracterizar e humilhar grupos sociais é antiga e foi utilizada desde sempre para justificar guerras, perseguição e, em uma palavra, exclusão.

Presidente, por que é que o senhor exclui a nós, ateus, do rol de indivíduos com moralidade, integridade e valores democráticos?

No Brasil, os ateus não têm sequer o direito de saberem quantos são. O Estado do qual eles são cidadãos plenos designa recenseadores para
irem até suas casas e lhes perguntarem qual é sua religião. Mas se dizem que são ateus ou agnósticos, seus números específicos lhes são
negados. Presidente, através de pesquisas particulares sabemos que há milhões de ateus no país, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que publica os números de grupos religiosos que têm apenas algumas dezenas de membros, não nos concede essa mesma deferência. Onde está a inclusão se nos é negado até o direito de auto-conhecimento? Esse profundo desrespeito é um fruto evidente da noção, que o senhor vem pormenorizando com todas as letras, de que os ateus não merecem ser cidadãos plenos.

Presidente, queremos aqui dizer para todos: somos cidadãos, e temos direitos. Incluindo o de não sermos vilipendiados em praça pública pelo chefe do nosso Estado, eleito com o voto, também, de muitos ateus, que agora se sentem traídos.

Presidente, não podemos deixar de apontar que somente um estado verdadeiramente laico pode trazer liberdade religiosa verdadeira, através da igualdade plena entre religiosos de todos os matizes, assim como entre religiosos e não-religiosos de todos os tipos, incluindo ateus e agnósticos. Infelizmente, seu governo não apenas tem sido leniente com violações históricas da laicidade do Estado brasileiro, como agora espontaneamente introduziu o maior retrocesso imaginável nessa área que foi a assinatura do acordo com a Sé de Roma, escorado na chamada lei geral das religiões.

Ambos os documentos constituem atentado flagrante ao art. 19 da Constituição Federal, que veda ?relações de dependência ou aliança com cultos religiosos ou igrejas?. E acordos, tanto na linguagem comum como no jargão jurídico, são precisamente isso: relações de aliança. Laicidade, senhor presidente, não é ecumenismo. O acordo com Roma já era grave; estender suas benesses indevidas a outros grupos não diminui a desigualdade, apenas a aumenta. Nós não queremos privilégios: queremos igualdade e o cumprimento estrito da lei, e muitos setores da sociedade, religiosos e laicos, têm exatamente esse mesmo entendimento.

Além de violar nossa lei maior, a própria idéia da lei geral das religiões reforça a política estatal de preterir os ateus sempre e em tudo que lhes diz respeito como ateus. Com que direito o Estado que também é nosso pode ser seqüestrado para promover qualquer religião em particular, ou mesmo as religiões em geral? Com que direito os religiosos se apossam do dinheiro dos nossos impostos e do Estado que também é nosso para promover suas crenças particulares? Religião não é, e não pode jamais ser política pública: é opção privada.

O Estado pertence a todos os cidadãos, sem distinção de raça, cor, idade, sexo, ideologia ou credo. Nenhum grupo social pode ser discriminado ou privilegiado. Esse é um princípio fundamental da democracia. Isso é um reflexo das leis mais elementares de administração pública, como o princípio da impessoalidade. Caso aquelas leis venham de fato integrar-se ao nosso ordenamento jurídico, os ateus se juntarão a tantos outros grupos que irão ao judiciário para que nossa lei não volte ao que era antes do século retrasado.

Presidente, será que os ateus não merecem inclusão nem em um pedido de desculpas?

Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos
www.atea.org.br

8 thoughts on “BRASIL – Carta da ATEA ao presidente Lula”
  • amiltonsilva200809

    Eu, pessoalmente, nunca votei em outro candidato para presidente. Inclusive, costumava votar nos candidatos do PT ou aliados, para qualquer cargo, mas isso só até 2002, porque a partir daí deixei de votar em quem quer que seja tamanha a decepção que tive com o PT.
    Desde que o PT deixou de lado as bandeiras da moralidade e da ética, tenho votado nulo,indiferentemente de quem sejam os candidatos. E agora mais isso.
    Além de toda a sujeirada em que se meteu, agora o Lula vem segregar um grupo minoritário do qual faço parte!!!
    Pode ser que eu esteja enganado, mas tenho quase certeza de ter lido em algum jornal uma entrevista do Lula se dizendo ateu no início da carreira. Mas como sabemos, o poder transforma qualquer um.

  • Realista

    Lula é 1 vergonha! E mais…. foi revelado que ele foi cria da ditadura militar.

  • João Brandão

    Eu conheço o Brasil pessoalmente, e tenho família brasileira, e não querendo ofender os brasileiros (porque de certa forma ofenderia a mim mesmo), não conheço país mais “crentezinho” que o Brasil. É uma coisa inacreditável. É Misticismo misturado com cristianismo, misturado com catolicismo, misturado com new-age, misturado com tudo e mais alguma coisa. É sempre “graças a deus” para aqui, “deus te abençoe” para acolá, enfim…
    Já para não dizer que há um local de “culto” da IURD a cada 500 metros.
    Espero que a associação Brasileira de ateus e agnósticos consiga ajudar a puxar a mentalidade brasileira para o século XXI, porque um país com um potencial assim, só precisa mesmo é disso.

  • Diretor de Letras

    Meu medo nem é que a carta não chegue até ele; meu medo é que ele não entenda nenhuma linha do que está escrito.

  • Victor Rodrigues

    Aplaudo de pé o texto.

  • amiltonsilva200809

    Realmente isso parece estar muito incutido na cabeça das pessoas. Por isso acredito que é muito difícil fazer com que elas deixem de acreditar nessas bobagens. Eu quando ligo pros meus irmãos tenho que escutar como resposta às minhas perguntas rotineiras sobre a saúde deles, coisas do tipo: “tudo bem,graças a deus; fica com deus;deus te acompanhe; deus te guie;etc.” Enfim, é preciso muita paciência pra lidar com essa gente.

  • raphael123

    Eu, sinceramente, achei que lula foi muito precipitado em dizer que os ateus, quando precisam de ajuda, buscam a religião…
    isso eh o que muitos conhecidos meus dizem quando eu revelo minha opinião religiosa.
    Esse tipo de comentário é de pessoas que não sabem o que eh ser ateu, ou acham que ser ateu eh ser tudo ruim.
    Para um presidente, esse comentário foi totalmente errado, pois ele, sendo presidente de um país democrático, deve respeitar todas as opiniões.
    Eu não sei se ele falou isso sem saber que isso poderia ofender alguns ateus ou agnósticos, mas isso realmente me ofende, pois assim parece que nós não temos opinião formada, e só seguimos a opinião dos outros.

    Outra coisa que foi muito errada foi o comentário falando sobre a violência. Isso realmente faz parecer que os não-crentes são violentos.
    Para falar a verdade, mas sem querer ofender ninguem, a religião hoje serve como contexto para guerrar no Oriente médio, e como contexto para nenhum país desenvolvido tentar amenizar as guerras. Eles dizem que eh uma guerra religiosa, então não vamos interferir. De religiosa, a guera não tem nada.

    Então, eu queria dizer que a carta foi muito bem elaborada, e que concordo com ela.
    Sería bom se o Presidente abrisse os olhos a partir de agora não eh??

  • raphael123

    Eu, sinceramente, achei que lula foi muito precipitado em dizer que os ateus, quando precisam de ajuda, buscam a religião…
    isso eh o que muitos conhecidos meus dizem quando eu revelo minha opinião religiosa.
    Esse tipo de comentário é de pessoas que não sabem o que eh ser ateu, ou acham que ser ateu eh ser tudo ruim.
    Para um presidente, esse comentário foi totalmente errado, pois ele, sendo presidente de um país democrático, deve respeitar todas as opiniões.
    Eu não sei se ele falou isso sem saber que isso poderia ofender alguns ateus ou agnósticos, mas isso realmente me ofende, pois assim parece que nós não temos opinião formada, e só seguimos a opinião dos outros.

    Outra coisa que foi muito errada foi o comentário falando sobre a violência. Isso realmente faz parecer que os não-crentes são violentos.
    Para falar a verdade, mas sem querer ofender ninguem, a religião hoje serve como contexto para guerrar no Oriente médio, e como contexto para nenhum país desenvolvido tentar amenizar as guerras. Eles dizem que eh uma guerra religiosa, então não vamos interferir. De religiosa, a guera não tem nada.

    Então, eu queria dizer que a carta foi muito bem elaborada, e que concordo com ela.
    Sería bom se o Presidente abrisse os olhos a partir de agora não eh??

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