Loading

Vermiosa, Paróquia Excomungada

A Vermiosa é uma povoação na periferia do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, freguesia a que se segue a de Malpartida, já no município de Almeida.

As pessoas sempre aí trataram a fé e a terra com esmero, afeitas a cuidar da alma e do corpo, da devoção cristã e do amanho da terra, encontrando no vinho o mais rentável dos produtos com que o húmus generoso fez a aldeia farta antes da crise que arruinou a lavoura, fez abalar os jovens e transformou a povoação em reserva da terceira idade.

Durante anos o padre José Joaquim Coelho, que paroquiava a aldeia, ganhou a simpatia local e a das paróquias de Mata de Lobos, Almofala e Escarigo, onde também exercia o múnus, porque a escassez de vocações adicionou freguesias ao cuidado de um só pastor.

Uma súbita decisão do bispo da Guarda afastou o padre das paróquias onde era querido e despachou-o para Penamacor, sentença sem apelo a que os sacerdotes se submetem na ordenação. O serviço de Deus promove a sujeição ao arbítrio do bispo, mas o povo tem da vontade divina concepções próprias e da inviolabilidade episcopal uma leve ideia.

Os paroquianos elegeram a comissão que pediu audiência ao bispo e obteve uma recusa, primeiro, e uma recepção descortês, depois, onde o prelado lhe fez saber que não devia explicações. As pessoas desoladas com a saída do padre que ia à caça e à pesca com os fregueses, gestos que os simples preferem às homilias, afectos que tocam mais fundo do que o martírio de Deus, sentiram revolta e raiva pela ofensa. Sofriam o exílio do padre José Joaquim e o bispo Manuel Felício feriu sentimentos, achando que a mitra, o báculo e o anelão o exoneravam de explicações.

No dia 18 de Setembro do ano da graça de 2005, para aquietar os ânimos, o bispo foi dizer missa a Almofala e à Vermiosa, acolitado pelo arcipreste de Figueira de Castelo Rodrigo, António Espinha Monteiro, nado na Vermiosa, e pelo padre Vítor, acólito do arcipreste.

Começou em Almofala onde o povo o recebeu em silêncio, como combinado nas quatro paróquias pelos órfãos do padre José Joaquim, uma manifestação de mágoa pela saída do sacerdote e pela descortesia com que recebeu a delegação das paróquias. Os clérigos que escoltavam o bispo quiseram evitar outra recepção igual e, para lhe fazerem a festa, recrutaram beatos em Figueira a troco de indulgências ou de facilidades no Paraíso para os acompanharem à Vermiosa e contagiarem a paróquia.

A esperteza pia acirrou os paroquianos da maior e mais inconformada das aldeias. Em vez do silêncio combinado, o prelado entrou na igreja matriz seguido de impropérios, insultos e vaias, com linguagem que o cronista, por pudor, se abstém de reproduzir.

Na igreja matriz começou a missa com os fiéis que entraram e, no adro, agitavam-se outros com os que vieram de Almofala, sendo precisa a GNR para os acalmar enquanto desapareciam os apoiantes vindos de Figueira de Castelo Rodrigo. Na igreja, o bispo era impedido de dizer a missa e, em vez dos canónicos améns, os paroquianos reincidiram nos insultos e vaias que o faziam elevar os olhos para o céu e implorar amiudadas vezes «pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem», antes de desistir e de se refugiar no carro que o pôs a salvo após deixar o solidéu nas mãos de quem gostaria de o escalpar e levando consigo o sacrário da igreja matriz e os clérigos que o acolitaram.

Do carro, já em grande velocidade, o padre Vítor, sentindo-se a salvo, fez para o povo que insultava o bispo as armas de S. Francisco, expressão que por essas bandas designa o gesto com que Rafael Bordalo Pinheiro imortalizou o Zé Povinho. A senhora que zelava o altar entrou em aflição e foi parar ao hospital da Guarda. O arcipreste viria a escrever um artigo em que censurava os conterrâneos e exaltava o bispo. Este, porque o “pai” não tivesse perdoado a injúria de que ele, bispo, foi vítima ou porque admitiu que o povo soube o que fez, excomungou a paróquia da Vermiosa, privando-a de ministro do culto, sacramentos e qualquer acto religioso.

A gente da Vermiosa tem traquejo em decepções pias. Há muitos anos uma paroquiana a quem o Dr. Montezuma de Carvalho, de Coimbra, tinha restituído a saúde com a ajuda de orações a Santa Filomena, ofertou a tempo, antes de se finar, sã, a imagem da santa com quem repartia a fé no Dr. Montezuma. Foi colocada na capela do Divino Senhor Santo Cristo a ladear o Cristo crucificado do lado oposto ao de Nossa Senhora da Silva mas quando esta e o seu divino filho vão em procissão, todos os anos, Santa Filomena, após a humilhação da despromoção papal, permanece só. Não mais teve direito a andor, preces, esmolas ou outras manifestações piedosas.

Mas uma coisa é perder uma santa, embora com prestígio no ramo dos milagres, e outra é a ausência da assistência espiritual, a falha da água benta na cova que recebe o féretro, a privação da eucaristia aos devotos e a falta dos santos óleos a um moribundo ávido da extrema-unção.

Com o andar do tempo foram-se atenuando as razões da excomunhão e a raiva do bispo. Este esqueceu os insultos e as palavras que os castos ouvidos não terão entendido bem, solidéus há muitos, e na Páscoa de 2006 D. Manuel Felício deu por finda a expiação. Foi duro o tempo em que o diácono que supriu o padre era forçado a viajar com o cálice a caminho da Guarda para recolher na alfaia partículas consagradas e as levar de volta.

Hoje, a fé e a saudade do padre José Joaquim Coelho continuam vivas, ainda não passou um lustro, as pessoas é que são menos e agora vem de Espanha o padre. Os dramas de uma região que vai morrendo não têm cronistas, não interessam às gazetas, não lhes dá guarida a agência Ecclésia ou a Rádio Renascença.

Por isso fui ouvir a gente e avaliar a experiência amarga desprezada por réprobos, que hilaria os urbanos e enxofrou o bispo da Guarda. São gritos de alma que não encontram eco, lágrimas de revolta que não secam, mágoas que acompanham à cova.

5 thoughts on “Vermiosa, Paróquia Excomungada”
  • Menina Nini

    Olá a todos,

    O meu nome é Nini. Sou uma ervilha. Conheço muitas ervilhas. Em particular, conheço Ceroulas. Ceroulas tentou convencer-me, já por diversas vezes, de que o Ateísmo não presta porque está pejado de crenças. Disse-me que não havia qualquer razão para acreditar que as ondas do mar continuavam a bater na areia da praia quando ela não estava a olhar. E, de facto, eu tive alguma dificuldade em contrapôr um argumento.

    Ceroulas diz que é muito feliz sem qualquer tipo de crenças. Diz que vê o mundo sempre como uma agradável surpresa porque nunca está à espera que aconteça tudo o que de facto acontece. É por isso que ela não acredita no Ateísmo. Diz que o Ateísmo lhe impõe demasiadas crenças e assume demasiadas coisas de forma arbitrária.

    Espero ter ajudado a reflexão com este comentário.

    Até breve,
    Nini.

  • Jose Simoes

    “Diz que o Ateísmo lhe impõe demasiadas crenças”.

    Interessante. O Ateísmo impõe demasiadas crenças. Felizmente que as religiões já se livraram das crenças. Com tantas religiões que existem o número de crenças deveria ser inimaginavelmente grande.

    José Simões

  • Menina Nini

    Caro José Simões,

    Obrigada pela sua resposta ao meu comentário. Sou uma ervilha que aprecia a ironia.

    Ceroulas apenas diz que o ateísmo impõe demasiadas crenças; nunca disse que as religiões não as impunham ou que impunham menos. Pelo contrário, Ceroulas até pensa que, de todos os credos existentes, o ateísmo é dos que menos crenças impõe. Mas não deixa de ser um acto de fé acreditar que não existe uma entidade omnisciente e omnipresente que rege a cada momento o nosso Universo. Como não deixa de ser também um acto de fé, acreditar que se eu fizer o quatro enquanto vejo um jogo de futebol, o resultado não será infuenciado por isso.

    Tudo o que Ceroulas sente é que não há motivos para impôr à sua vida crenças que não podem ser provadas de forma irrefutável. É por isso que ela se surpreende de forma positiva com tudo o que vê e faz no mundo. É por isso que ela é tão alegre e feliz.

    Até breve,
    Nini.

  • amiltonsilva200809

    Minha opinião é que os ateus acabam usando o mesmo método dos religiosos, ou seja, para difundir o ateísmo combatem as crenças. E só se pode combater algo que se sabe existir. Mas, note-se, eles sabem que existem as crenças, no entanto, não acreditam no que elas propagam.
    Acho que é isto.

  • amiltonsilva200809

    Minha opinião é que os ateus acabam usando o mesmo método dos religiosos, ou seja, para difundir o ateísmo combatem as crenças. E só se pode combater algo que se sabe existir. Mas, note-se, eles sabem que existem as crenças, no entanto, não acreditam no que elas propagam.
    Acho que é isto.

You must be logged in to post a comment.