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A cura pelo cura

O novo acordo de colaboração entre o Ministério da Saúde e a Igreja Católica, no sentido de regular a assistência religiosa nos hospitais, levanta sérias preocupações a dois níveis. Por um lado, porque se aparenta justificar numa suposta eficácia terapêutica que terá a participação de padres católicos no processo de recobro. Por outro lado porque representa uma intromissão inaceitável do Estado nesta matéria tão pessoal que é a religião.

A Sra. Ministra da saúde Ana Jorge anunciou em Fátima que o acordo com a igreja católica se justificava porque a saúde «não é só o tratamento físico», mas a «espiritualidade entra neste campo global»(1). No entanto, mesmo que o bem estar dos doentes não resulte só da terapia e da medicação, não é verdade que exija uma espiritualidade no sentido de crença religiosa ou dependência do sacerdócio. Muitos doentes encontrarão todo o conforto e consolo nos seus familiares, nos seus amigos e na competência e empenho dos técnicos de saúde que os acompanham. A religião não é uma componente necessária da terapia.

Além disso, a espiritualidade religiosa não é necessariamente o catolicismo. Só se justificaria por razões médicas celebrar este acordo específico com a Igreja Católica se houvesse evidências concretas que esta religião não só é eficaz no recobro dos pacientes como é mais eficaz que as outras religiões que não estão cobertas por este acordo. Não há indícios que assim seja.

Quanto ao direito de acompanhamento religioso este acordo tenta resolver um problema inexistente. O direito de receber apoio espiritual já está garantido nas visitas hospitalares, nas quais o doente pode receber familiares, amigos ou sacerdotes da sua religião sempre que tais visitas não comprometam a sua recuperação. Por isso o que parece estar em causa neste acordo não é o direito à assistência religiosa mas sim quem financiará este encargo, se a Igreja Católica ou se o contribuinte. O que põe em causa outros direitos do doente.

Põe em causa o direito do doente, enquanto doente, que o Ministério da Saúde promova uma utilização eficiente dos recursos de que dispõe. E estes não são tão abundantes que o salário de um capelão não faça falta para equipamento, técnicos de apoio, de enfermagem ou médicos. Põe em causa o direito do doente, enquanto crente, que o Estado não se intrometa na religião nem favoreça umas em detrimento de outras. E põe em causa o direito do doente, enquanto contribuinte, que o seu contributo para o Estado seja usado com justiça para ajudar aqueles que mais precisam em vez de subsidiar a Igreja Católica, uma das organizações mais opulentas de Portugal.

1- Agência Ecclesia, Acordo entre Ministério e Capelanias Hospitalares

4 thoughts on “A cura pelo cura”

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  • Joao G

    “Com o novo acordo ficam garantidos vários itens essenciais: “Um conceito de prestação de cuidados de saúde que não passa sem a assistência espiritual e religiosa – isto até agora não era garantido -; a presença da Igreja Católica – visto que é garantido o princípio de representatividade – e também a presença das outras confissões consoante a representatividade”, conforme salientou o Pe. José Nuno.” Agencia Ecclesia

    Citando o artigo se percebe que ao referir representatividade falamos de democracia, se num estado democrático não se respeita a vontade dos doentes estaremos à beira não da discriminação mas do totalitarismo que exclui a vontade dos doentes.
    Ao que me parece, neste post o senhor parece saber o modo de financiamento das capelanias, eu não sei e se me pudesse esclarecer seria óptimo, mas por favor, baseie-se nas portarias ou decretos regulamentares que definem o assunto.
    Finalmente, o que se pede, não é que o Estado se intrometa na religião, é que não a proíba, pois a meu ver,e o meu ver vale o que vale, não acredito muito que haja um só doente que se sinta prejudicado pela presença de um representante religioso capaz de o acompanhar quando a família não está ou não pode estar presente.
    Agradeço o seu esforço de análise da questão e gostaria de uma resposta factual.

  • Joao G

    “Com o novo acordo ficam garantidos vários itens essenciais: “Um conceito de prestação de cuidados de saúde que não passa sem a assistência espiritual e religiosa – isto até agora não era garantido -; a presença da Igreja Católica – visto que é garantido o princípio de representatividade – e também a presença das outras confissões consoante a representatividade”, conforme salientou o Pe. José Nuno.” Agencia Ecclesia

    Citando o artigo se percebe que ao referir representatividade falamos de democracia, se num estado democrático não se respeita a vontade dos doentes estaremos à beira não da discriminação mas do totalitarismo que exclui a vontade dos doentes.
    Ao que me parece, neste post o senhor parece saber o modo de financiamento das capelanias, eu não sei e se me pudesse esclarecer seria óptimo, mas por favor, baseie-se nas portarias ou decretos regulamentares que definem o assunto.
    Finalmente, o que se pede, não é que o Estado se intrometa na religião, é que não a proíba, pois a meu ver,e o meu ver vale o que vale, não acredito muito que haja um só doente que se sinta prejudicado pela presença de um representante religioso capaz de o acompanhar quando a família não está ou não pode estar presente.
    Agradeço o seu esforço de análise da questão e gostaria de uma resposta factual.

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