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A monotonia da missa

Assisti ao monólogo «Esta Noite Choveu Prata», por João Villaret, há meio século. Foi na Guarda, uma cidade então mais dada à oração do que à cultura, e não se pode dizer que a representação constituísse um êxito. Mas foi uma interpretação soberba, por um actor de raro talento e uma voz que permanece para o resto da vida.

Tenho pena de não ter podido rever ao vivo aquele notável espectáculo. Penso que ainda ficaria disponível para uma terceira representação, após uma pausa canónica de alguns meses, e, depois, arquivaria na memória uma peça interessante e a representação genial.

Se alguém assistisse ao mesmo espectáculo, todas as semanas, durante a vida inteira, é porque tinha ensandecido. Não sei como é possível ir à missa todas as semanas e, alguns, todos os dia, e manter a lucidez. Bem sei que a vida está difícil e há protecções terrenas para as cumplicidades divinas!

A missa é um espectáculo monótono em que só variam o actor principal e os adereços. O actual papa gostaria que fosse sempre em latim e com o público de joelhos. Não é por acaso que elegeu o nome artístico de Bento, sabendo quem tinha sido o anterior Bento.

Em dias de festa, a missa tem mais actores e são mais garridos os vestidinhos dos varões que a celebram, mas o enredo é sempre o mesmo, os passos de dança iguais e repetidos os sinais cabalísticos. Quem viu uma missa viu-as a todas, quem engoliu uma hóstia conhece o sabor da próxima e, até as orações, são sempre iguais, inúteis e enfadonhas.

Quando se sabe que 5% dos franceses vão à missa, há quem pense que são poucos mas é uma admiração haver tanta gente desocupada para repetir um ritual inútil.

A liberdade é inimiga da fé ou, melhor dito, a fé é inimiga da liberdade. Onde esta se afirma, a fé, lenta e inexoravelmente, agoniza. É por isso que os exércitos de clérigos de todas as religiões se afadigam para impor as suas regras à sociedade, para se infiltrarem nos aparelhos de Estado e para dominarem o poder económico, o ensino e a assistência.

Cuidado com eles.  

6 thoughts on “A monotonia da missa”
  • Atheos

    Religion macht frei!

  • Atheos

    Religion macht frei!

  • João Pedro Moura

    Subscrevo totalmente o teu artigo, Carlos Esperança.
    É impressionante, de facto, esse atavismo cultural de ir à missa monótona, toda uma vida. Uma cerimónia totalmente inútil e fútil. E, se repararmos bem, totalmente ridícula.
    Aliás, quem diz missa, diz crença…
    O que só comprova que existem particularidades genéticas, que ainda havemos de descobri-las, foventes da crendice…
    Talvez o medo… perante a majestade do mundo, em geral, e da sociedade, em particular.
    O medo inibe, conserva…
    Uma grande parte da crença e frequência de liturgias é hereditária. São atavismos culturais que as pessoas recebem dos pais e… continuam…
    Outra parte é a própria convicção das pessoas.
    E ainda uma outra parte decorre da evolução da espécie humana, que, mesmo recebendo uma determinada carga genético-cultural, consegue superá-la e afastá-la, prosseguindo outros e diferentes interesses…
    Aliás, tanto assim é que a totalidade das religiões novas, emergentes no séc. XIX e XX, não conseguem conquistar a maioria das pessoas, permanecendo como fenómenos muito minoritários.
    O que só demonstra o peso cultural e hereditário das religiões tradicionais e a leveza adversativa das novas igrejas e religiões.
    Imaginai que a Igreja católica tinha aparecido só no séc. XIX ou XX…
    Decerto que seria apenas mais uma fina-flor, como as outras, do entulho religioso…

  • João Pedro Moura

    Subscrevo totalmente o teu artigo, Carlos Esperança.
    É impressionante, de facto, esse atavismo cultural de ir à missa monótona, toda uma vida. Uma cerimónia totalmente inútil e fútil. E, se repararmos bem, totalmente ridícula.
    Aliás, quem diz missa, diz crença…
    O que só comprova que existem particularidades genéticas, que ainda havemos de descobri-las, foventes da crendice…
    Talvez o medo… perante a majestade do mundo, em geral, e da sociedade, em particular.
    O medo inibe, conserva…
    Uma grande parte da crença e frequência de liturgias é hereditária. São atavismos culturais que as pessoas recebem dos pais e… continuam…
    Outra parte é a própria convicção das pessoas.
    E ainda uma outra parte decorre da evolução da espécie humana, que, mesmo recebendo uma determinada carga genético-cultural, consegue superá-la e afastá-la, prosseguindo outros e diferentes interesses…
    Aliás, tanto assim é que a totalidade das religiões novas, emergentes no séc. XIX e XX, não conseguem conquistar a maioria das pessoas, permanecendo como fenómenos muito minoritários.
    O que só demonstra o peso cultural e hereditário das religiões tradicionais e a leveza adversativa das novas igrejas e religiões.
    Imaginai que a Igreja católica tinha aparecido só no séc. XIX ou XX…
    Decerto que seria apenas mais uma fina-flor, como as outras, do entulho religioso…

  • saulo de tarso

    Carlos Esperança.

    Estou maravilhado com a descoberta deste site e consequentemente a lucidez, elegância e profusão dos seus textos, além é claro da gramática, acostumado que estou a pobreza linguística aqui no Brasil, salvo honrosas excessões (Luis Fernando Veríssimo por exemplo).

    Permita-me abreviadamente historiar-me para justificar minha tietagem:

    Brasileiro, casado, pai de dois filhos, presbiteriano de batismo, só agora aos 49 anos e após ler, Dawkins; Hitchens; Denett; Harris entre outros, percebo que jamais acreditei em sobrenatural de verdade.

    Estou maravilhado com tantos seres inteligentes à minha volta que a cegueira religiosa não me permitia conhecer. Claro que estou pagando o preço, mas tem valido a pena. Agora entendo porque não conseguia evangelizar, em compensação tenho vontade de “ateizar” o mundo inteiro, mas não é fácil.

    Parabéns pelos demais editores/comentaristas.

    Tenho pretensão de conhecer seu país e gostaria imensamente de conhecê-los também.

    Forte abraço.

    Saulo.

  • saulo de tarso

    Carlos Esperança.

    Estou maravilhado com a descoberta deste site e consequentemente a lucidez, elegância e profusão dos seus textos, além é claro da gramática, acostumado que estou a pobreza linguística aqui no Brasil, salvo honrosas excessões (Luis Fernando Veríssimo por exemplo).

    Permita-me abreviadamente historiar-me para justificar minha tietagem:

    Brasileiro, casado, pai de dois filhos, presbiteriano de batismo, só agora aos 49 anos e após ler, Dawkins; Hitchens; Denett; Harris entre outros, percebo que jamais acreditei em sobrenatural de verdade.

    Estou maravilhado com tantos seres inteligentes à minha volta que a cegueira religiosa não me permitia conhecer. Claro que estou pagando o preço, mas tem valido a pena. Agora entendo porque não conseguia evangelizar, em compensação tenho vontade de “ateizar” o mundo inteiro, mas não é fácil.

    Parabéns pelos demais editores/comentaristas.

    Tenho pretensão de conhecer seu país e gostaria imensamente de conhecê-los também.

    Forte abraço.

    Saulo.

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