A eutanásia e a cabeça na areia
A morte é, como disse Saramago, uma injustiça, mas a vida, em certas circunstâncias, é um suplício cujo prolongamento só ao enfermo cabe decidir.
Não se pode deixar ao poder discricionário de um médico a obsessão terapêutica ou a decisão irrevogável de prolongar a vida, de acordo com os seus preconceitos religiosos, nem mesmo ao doente uma decisão precipitada ao primeiro sinal de desespero.
Os médicos, colectivamente, não chegam a consenso e das Igrejas, na sua diversidade, não se pode esperar senso. Cabe aos estados, de forma responsável, responder a dramas que diariamente afligem doentes terminais, pessoas em vida vegetativa ou seres sem uma réstia de esperança ou qualquer trégua no sofrimento.
Defender a alimentação obrigatória dos pacientes em estado vegetativo – como impõe o Vaticano –, é um acto de crueldade que a lei dos Estados civilizados deve impedir.
Haverá sempre situações ambíguas, estados de fronteira onde a decisão se torna mais difícil e eticamente mais discutível. É nestas alturas que o doente, se mentalmente são, deve poder exercer sozinho o direito de decisão, usufruir pela última vez da liberdade individual.
O exemplo de Ramón Sampedro, «uma cabeça sem corpo», como amargamente definiu a situação de tetraplégico foi o denodado militante da eutanásia que quebrou um tabu e abriu a discussão sobre o direito à morte que a compaixão de mão amiga lhe permitiu.
A norte-americana Terri Schiavo viveu 15 anos em estado vegetativo permanente, sem que ocorresse a morte cerebral, até que um Tribunal da Florida determinou que fosse satisfeita a vontade da paciente, determinando que lhe fosse retirado o tubo de alimentação.
Há situações em que a alegada defesa da vida é um inqualificável acto de crueldade.
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